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“A capacidade elástica dos retalhistas tem de estar bem trabalhada”

Por a 5 de Abril de 2021 as 17:13
António Costa, senior partner do Kaizen Institute Westen Europe

António Costa, senior partner do Kaizen Institute Westen Europe

Experiência do cliente, agilidade da cadeia de abastecimento, economia circular, transparência e segurança são temas que marcarão as operações da grande distribuição nos próximos anos, sendo imperativo “reinventar o seu negócio numa lógica de crescimento sustentável”.

Face a estes pontos, a pandemia acabou por acelerar tendências já existentes, a exemplo do que tem sucedido em matéria de omnicanalidade. “O retalho, durante muito tempo, teve um foco quase exclusivo numa lógica de excelência operacional, otimização do serviço, da produtividade, da eficiência e da qualidade. E se a pandemia trouxe alguma coisa, foi a necessidade de reinventar o retalho face às novas tendências”, refere António Costa, senior partner do Kaizen Institute Western Europe, em entrevista ao Hipersuper, no âmbito da realização do evento online Accelerating Retail: Grocery Edition, organizado pela entidade.

Abordando o tema do momento, a pandemia, que acabou por ter impacto em todas as operações no retalho, António Costa defende que esta não trouxe qualquer disrupção ao setor. Apenas fez saltar à vista tendências cuja génese já vinha de trás, como o ecommerce. “A pandemia acelerou a adoção destes outros canais que não os físicos. Isto significa que já há algum tempo que a centralidade no cliente – tema relacionado com a cultura e com a energia das organizações – era um lema para grande parte dos retalhistas. Só que esta abordagem da centralidade no cliente está muito focada nas pessoas que estão na primeira linha e nos momentos de contacto com o cliente”, explica.

Já não basta aos retalhistas ter, entre a sua oferta, produtos adaptados às necessidades dos consumidores. É preciso mais: “ter um nível de experiência que satisfaça aqueles grupos de consumo”. “A pandemia provocou que as lojas físicas sofressem transformações para continuar a receber os clientes, mas ao mesmo tempo aderir aos requisitos da saúde pública e da segurança para não ser um veículo multiplicador das infeções”, exemplifica o senior partner do Kaizen Institute Western Europe.

Implica esta realidade que as empresas tenham “de garantir as necessidades mais básicas dos colaboradores no local de trabalho e, ao mesmo tempo, a cultura de servir bem o cliente tem de sair reforçada”, assinala. “Se por um lado, no início, havia uma cultura de medo, não eram só os médicos e enfermeiros que estavam na linha da frente, mas também os colaboradores do retalho, este alinhamento garantiu oportunidades. Nalguns casos fez com que nos sentíssemos mais seguros e satisfeitos em comprar em determinados retalhistas em detrimento de outros”, subscreve o responsável. começamos a olhar para montante, ou seja, queremos saber a origem desses produtos”, realça.

A IMPORTÂNCIA DA VISIBILIDADE DA SUPPLY CHAIN

Se há tema que tem vindo a emergir nos debates sobre temas relacionados com a transparência dos produtos que chegam a casa dos consumidores é o da visibilidade da supply chain. Mas não só. Também o da sua resiliência, que esteve à prova no início da pandemia. Tópico que António Costa traz para a conversa. “Com a pandemia percebeu-se claramente a complexidade das cadeias de valor. Tem aumentado. Existem mais players no negócio. Estou a falar da resiliência da cadeia e também da visibilidade e transparência para os consumidores. Antigamente ficávamos muito no fim da linha, que era o que estava na prateleira. Agora já

Por outro lado, o responsável assinala que a pandemia demonstrou que as cadeias de abastecimento estavam altamente dependentes da China. “Uma volatilidade na procura fez com que as cadeias de abastecimento ficassem completamente descontroladas”, ilustra. E dando o exemplo do negócio no online, subscreve que o sucedido no início da pandemia veio dar ênfase à necessidade de uma maior elasticidade nas operações. “Nos primeiros dias, em que deixámos de querer fazer compras físicas por medo e por receio e começámos todos a disparar para o online, tínhamos prazos de entrega incríveis. As cadeias não estavam dimensionadas para reagir a um evento desta natureza”, ilustra. Defende, portanto, que “a capacidade elástica dos retalhistas tem de estar bem trabalhada se quiserem permanecer resilientes perante qualquer efeito”. “O tom vai estar nas alterações climáticas, mas vai obrigar a ter esta capacidade de elasticidade”, avisa.

A realidade do consumo implica, agora, uma mudança de paradigma, tendo o anterior sido alicerçado na movimentação de grandes quantidades de algumas referências nas cadeias de abastecimento. “O que agora vemos, e até com o tema personalização, são menores quantidades de muito mais referências”, sublinha António Costa. “É quase como evoluir de um modelo em push, em que empurramos aquilo que os clientes vão consumir, para um modelo em pull, em que os clientes puxam aquilo que realmente querem e realmente necessitam. Trabalhar em pull ou em push acarreta diferenças gigantes, desde o fornecedor, seja da indústria, seja do agrobusiness, até ao consumidor final, em termos de serviço ao cliente e de expectativa.”, ilustra.

No que à transparência da cadeia de abastecimento diz respeito, a sustentabilidade e a ética afiguram-se incontornáveis. “Os consumidores e a sociedade já esperam que estas questões sejam colocadas em prática. Não há espaço para dizer que se faz. Tem de se fazer. “Os retalhistas têm de adotar uma abordagem proactiva nos seus processos e têm de encontrar soluções mais ecológicas que garantam uma responsabilidade social corporativa”, defende. António Costa, segundo acrescenta, diz tratar-se de temas já incontornáveis. “As questões da economia circular e do desperdício alimentar estão muito relacionadas com a sustentabilidade dos negócios”, sintetiza.

Um bom exemplo, menciona, é o que foi colocado em prática pela Ikea na última Black Friday. A cadeia de retalho sueca incentivou os clientes a dar nova utilização ao mobiliário que já tinham em casa. “Esta abordagem, do ponto de vista da sustentabilidade não só foi boa para o meio ambiente, mas ao mesmo tempo também fortaleceu a lealdade dos clientes da Ikea. Este é um ponto de vista muito interessante, porque as novas gerações já têm isto no subconsciente. A ética e a sustentabilidade são, sem qualquer dúvida, insights para o futuro do retalho”, defende.

O FUTURO É PHYGITAL

Longe de passarem a ser um anacronismo, as lojas físicas estão a mostrar grande relevância num contexto em que o canal online ganha cada vez mais peso nas receitas dos retalhistas. É neste âmbito que o responsável do Kaizen Institute afiança que o “futuro será phygital”. Citando um estudo do Conselho Internacional de Shopping Centers, António Costa diz que a presença de lojas físicas aumenta a participação de tráfego na web dos retalhistas nos mercados onde têm os pontos de venda físicos. “Fechar lojas pode causar uma queda correspondente em termos de cliques no universo online. E essas lojas físicas têm um efeito demonstrado em várias métricas da saúde das marcas, incluindo uma considerável maior consciencialização das marcas para cada loja, que é inaugurada em determinados mercados”, explica.

Para António Costa, existe uma razão para isso. Passa pelas expectativas dos clientes. “Dissecamos completamente um artigo ou um produto digitalmente, mas acabamos sempre por ir vê-lo fisicamente, para o sentir e experimentá-lo. E o efeito contrário sucede quando estas marcas começam a fechar o físico, não dando a possibilidade de ir ver, tocar, experimentar e sentir o produto”.

Partindo desta premissa, poderá concluir-se que o comércio online não estará a crescer apenas “à custa do fecho ou da não aposta no retalho físico”. “O desafio vai ser como planear a eficiência. E entre organizar equipas que entregam a experiência desejada num canal físico e a experiência desejada no canal digital”, explica. Neste paradigma, a tecnologia será fundamental para fornecer novas experiências de compra ao consumidor, a exemplo do que sucede com a aquisição de produtos com recurso à realidade aumentada e à ‘sensorização’. “Os retalhistas precisam de identificar estas novas experiências e, além do phygital, vem a personalização, que vai obrigar ao aparecimento de novos serviços”, salienta.

Acrescenta, por outro lado, que a nova realidade obrigará a uma sincronização de recursos e das equipas entre o físico e o digital. “Pode ser uma solução os retalhistas tentarem encontrar, em momentos de menor tráfego físico nas lojas, porque estes podem ser previstos, colocar os colaboradores disponíveis a fazer determinadas tarefas em prol dos processos dos canais digitais”, exemplifica. “Temos cada vez mais expectativas. Queremos maior rapidez nas nossas compras. Com estes insights, os retalhistas têm de traduzir em melhoria operacional os seus serviços para garantirem a liderança dos seus mercados”, acrescenta.

CADEIAS DE DISTRIBUIÇÃO VÃO TER DE INOVAR NA FIDELIZAÇÃO DO CLIENTE

Um tema que marcará este ano a agenda das companhias de retalho alimentar é o da fidelização dos clientes. Esta terá de ser feita em novos moldes e através da inovação. “2020 trouxe novas tendências de compra, fruto da pandemia, como o aumento da compra online. Todos os retalhistas passaram o ano a ajustar as estratégias para acomodar a mudança para uma venda mais online. Agora estão a concentrar os esforços para tentar recuperar a lealdade dos seus melhores clientes”, defende. No primeiro ano de pandemia, a lealdade de alguns clientes às suas cadeias de distribuição de eleição foi, de certo modo, quebrada, porque muitos consumidores depararam-se com outras prioridades no seu consumo e com outras preferências de produtos. “Em 2021, numa estimativa mais ou menos científica, tendo em conta alguns estudos que já vi, 90% dos retalhistas vão focar a estratégia na fidelização de clientes”, realça António Costa.

As novas estratégias de fidelização passarão por trabalhar numa lógica de parceria. E um dos exemplos dados é o de como a instalação de postos de carregamento de veículos elétricos pode trazer benefícios para o consumidor e para a cadeia de distribuição numa perspetiva de marketing e de fidelização dos clientes. “Está aqui um caso de um benefício de fidelização que rapidamente se torna numa commodity, mas em que os primeiros vão beneficiar disso”, defende. “Não há dúvida que o acesso massivo e instantâneo à informação é uma realidade. E coma evolução geracional, a perceção do tempo é diferente e o tema do big data e do retail analytics é fundamental para qualquer operador de retalho. Esta lógica de inovação na fidelização do cliente é um insight importante 2021 em diante”, conclui.

Artigo publicado na edição 389 do Hipersuper

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