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Roteiro para descarbonização da indústria agroalimentar chega em setembro de 2024

Por a 15 de Fevereiro de 2024 as 9:39

A indústria transformadora é o alvo principal do roteiro para a descarbonização do setor agroalimentar que será apresentado em setembro de 2024 por um consórcio constituído pela PortugalFoods, a InovCluster e a Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada.

O processamento industrial representa cerca de 11% dos Gases com Efeito de Estufa (GEE) produzidos pela indústria portuguesa agroalimentar. A indústria transformadora é o alvo principal do roteiro para a descarbonização do setor agroalimentar que será apresentado em setembro de 2024 por um consórcio constituído pela PortugalFoods, a InovCluster e a Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada, nos Açores.

O roteiro inclui áreas como energia, água, materiais, circularidade e digitalização (medição de dados para uma gestão mais eficiente) e está integrado na componente “Descarbonização da Indústria”, integrada na “Dimensão Transição Climática” do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O roteiro pretende identificar processos, tecnologias e soluções que permitam reduzir as emissões de GEE, aumentar a incorporação de energias renováveis no consumo bruto de energia e promover eficiência na utilização de recursos numa ótica transversal ao setor e, depois, aprofundando medidas para as fileiras com mais consumo energético e emissões de GEE.

“O roteiro abrange apenas a indústria transformadora”, disse Zenaida Mourão, investigadora sénior do Centro de Sistemas de Energia INESC TEC, na apresentação do roadmap do roteiro para a descarbonização, que se desdobra em cinco fases: Recolha de informação e boas práticas, envolvimento de empresas nacionais e criação de grupos de trabalho; Diagnóstico e caracterização do grau de prontidão para as tecnologias emergentes; Identificação de soluções tecnológicas e de alterações de processos; Produção do Roteiro e, por último, a Disseminação junto das empresas.

“A primeira e a segunda fase estão a decorrer. A fase três deverá terminar em junho de 2023 e o roteiro estará pronto em setembro de 2024”, afirma a investigadora, acrescentando que o processo de descarbonização decorrerá de forma gradual até 2050.

As emissões de GEE triplicaram desde 1990, realça Manuela Pintado, associate professor na Escola de Biotecnologia da Universidade Católica Porto, lembrando que as alterações climáticas estão intimamente associadas ao problema das emissões. Se dúvidas ainda existissem, ficaram esclarecidas no âmbito da 28.ª Conferência da ONU sobre as Alterações Climática: a grande recomendação que saiu da COP 28 passa por “triplicar a utilização de energias renováveis e, sobretudo, duplicar a eficiência energética”, lembra a professora. “A cadeia alimentar contribui com cerca de 26% das emissões globais, a parte do processamento industrial representa bem menos, mas está integrado na cadeia e impacta a montante e a jusante”, justifica.

Manuela Pintado tira a fotografia deste setor. “Em Portugal, o processamento industrial representa cerca de 11% das emissões totais de gases poluentes. O setor de transformação é muito diferente ao longo do país, tendo maior concentração nas zonas norte e centro. Tipicamente, são empresas de menor dimensão. O consumo energético é maior nas indústrias de carne, cereais e cerveja, entre outras”.

Energia: a primeira área a trabalhar na descarbonização

“A União Europeia tem vindo a subir a fasquia com o estabelecimento de bitolas cada vez mais exigentes na contenção das emissões. Este tema é incontornável e quem não percorrer o caminho da descarbonização será naturalmente excluído. As empresas aptas para negociar serão as que já estão a fazer este caminho”. A frase de António Vasconcelos, da INSURE (Innovation in Sustainability & Regeneration Hub) e co-líder da Planetiers New Generation, dá o pontapé de saída ao debate sobre o potencial da descarbonização na competitividade das empresas.

O gestor deixa conselhos. “Não há nada pior que soluções reducionistas. Os diferentes níveis organizacionais devem ter um entendimento o mais claro possível sobre uma realidade complexa. É preciso envolver todos os trabalhadores e as lideranças. Sem liderança não haverá processos de transformação de recursos. É muito difícil imaginar que estes sejam trabalhos de ordem técnica, a capacitação de liderança, as quais foram formadas desde logo em economia e gestão, segundo critérios baseados em análises económicas, sem limites ambientais e sociais à volta, estão desatualizadas perante um sistema de equações mais complexo”.

António Vasconcelos considera que o problema número um são as “lideranças que não lideram”. “O que reparamos no terreno é que quando há lideranças progressivas, preparadas e fortes, preparadas para inovar e enfrentar os problemas, há grande resultados e evoluções. Quando as lideranças não estão envolvidas é extraordinariamente difícil”. Para o responsável, entender cadeias e gerir sistemicamente cadeias vai ser o grande mandato das novas lideranças.

A este propósito, Miguel Teixeira, diretor executivo e científico da CoLab4Food, laboratório colaborativo que agrega empresas, entidades do sistema cientifico e associações, defende que, para que este conhecimento chegue ao topo das empresas, é necessário formar quadros na área da sustentabilidade, economia circular e em análises técnico-económicas.

“Na descarbonização, a primeira camada a trabalhar é a eficiência energética”, defende, por sua vez, Ricardo Barbosa, head of wind energy group no INEGI, centro tecnológico de inovação, especializado em soluções tecnológicas para a descarbonização da indústria, ligado à Universidade do Porto. Mas descarbonizar não é olhar apenas para a energia é preciso uma abordagem holística e olhar para toda a cadeia de valor, sublinha. “As empresas têm de descarbonizar mas não podem encarar essa tarefa como uma imposição legal ou um fardo que têm de suportar porque têm de estar alinhados com as metas. A descarbonização pode estar ligada com o aumento da competitividade das empresas, por um lado por via da eficiência energética, reduzindo os custos operacionais, logo aí ganham competitividade, ou aproveitando os produtos de baixo carbono para acrescentar valor e e atingir outros mercados”.

Por onde começar a trabalhar? “A primeira camada é sempre a eficiência energética. O setor agroalimentar está muito dependente dos combustíveis fósseis. Dependendo dos setores, estamos a falar de utilização de gás natural de cerca de 50%, os outros 50% serão processos térmicos. Há muito desperdício de energia térmica neste setor. Evitar este desperdício é um dos primeiros passos”, explica.

Depois dos processos otimizados, vem a camada da descarbonização do uso de energia e isso consegue-se através da utilização de fontes renováveis de energia, explica. “A indústria agroalimentar pode posicionar-se até como produtor de gases renováveis, de biometano, que pode injetar na rede de gás natural ou utilizar nos processos”, salienta.

Por ultimo, Ricardo Barbosa destaca a digitalização. “Há cada vez mais sistemas avançados de gestão de energia, algoritmos de previsão de produção em função dos recursos solares e do consumo de energia”.

Os nove objetivos do plano de descarbonização

1. Caraterizar o setor agroalimentar nacional (setor industrial alimentar e de bebidas) nas dimensões de consumo energético, emissões de GEE, consumo de água e consumo de matérias-primas, assegurando a representatividade de fileiras.

2. Selecionar as fileiras com maior impacto ao nível do consumo energético e emissões de GEE; Identificar processos, tecnologias e soluções que permitam reduzir as emissões.

3. Identificar processos, tecnologias e soluções que permitam o aumento da incorporação de energias renováveis no consumo bruto de energia final.

4. Identificar processos, tecnologias e soluções que contribuam para o aumento da eficiência energética.

5. Identificar soluções inteligentes de apoio à medição, monitorização, tratamento de dados para a gestão e melhoria de processos, redução de consumos e diminuição de emissões.

6. Identificar processos, tecnologias e soluções que promovam eficiência na utilização de recursos (matérias-primas, água, energia), numa ótica de economia circular;

7. Identificar processos, tecnologias e soluções de valorização sustentável de subprodutos, perdas, resíduos ou efluentes em contexto de economia circular (zero ou mínimo resíduo final).

8. Envolver e capacitar as empresas, promovendo a adoção dos processos e tecnologias identificados pelo tecido produtivo nacional com demonstração de mais-valias.

9. Envolver e capacitar as empresas, dotando as suas lideranças de uma visão de descarbonização integral capaz de contextualizar os desafios de fundo a endereçar ao longo de toda a cadeia de valor.

*Artigo originalmente publicado na edição 419

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