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“Há vontade e investimento, mas não há terra disponível”

Por a 23 de Agosto de 2023 as 10:29

Pedro figueiras logística SavillsCom os modelos de gestão de stocks a transitarem de uma filosofia “just in time” para “just in case” aumentou a procura de espaços logísticos. Há vontade, dinheiro para investir, mas não há terra disponível, adianta Pedro Figueiras, diretor do departamento de industrial & logística da Savills, em entrevista ao Hipersuper

Que balanço faz da performance do mercado imobiliário de ativos logísticos no primeiro semestre do ano?

No ângulo ocupacional, apesar de ainda estarmos a fechar os números completos do semestre e tendo como ponto de partida os dados já fechados do primeiro trimestre, verificamos um nível de absorção idêntico ou superior a 2020, ano que atingiu valores recorde na última década. Estes números correspondem também a cerca de 50% da absorção registada em 2022, o segundo melhor ano de sempre. Isto aponta para um fecho de semestre bastante positivo.

Também a atingir valores recorde?

Não tenho a certeza, por um motivo: estão muitas ocupações alinhadas para o terceiro e quarto trimestre e isto está muito ligado à disponibilidade de produto. Aliás, 2021 foi um ano de recorde absoluto, 700 mil metros quadrados ocupados, em 2022 decresceu cerca de 200 mil metros quadrados, e isto corresponde exatamente ao produto novo que se criou em logística.

O que explica valores recordes num período de escassez de ativos?

Em 2021, lançaram-se novos projetos, em 2022 e 2023 não tanto. Mas tudo o que se lançou é para chegar ao mercado em 2024. Antevemos um segundo semestre muito interessante por esta via, porque os ocupantes vão tomar o espaço que irá ficar disponível.

Por outro lado, o espaço libertado raramente tem chegado ao mercado, ou seja, rapidamente é ocupado antes do inquilino anterior sair. Tem sido muito rápido. Vimos alguns casos no final do ano passado e já no início deste ano de espaços que nunca chegaram a ficar devolutos. Daí este nível de absorção.

Quais as estimativas para o fecho do ano?

A minha expectativa é que o ano feche entre os valores dos anos de 2021 e 2022. Entre 500 e 700 mil metros quadrados. Vamos ver qual é a celeridade de alguns projetos que estão a decorrer. Penso que esta é a grande incógnita, mas podemos contar com alguma confiança nesta realidade para o conjunto do ano.

No caso concreto da logística de frio, a procura tem vindo a aumentar, mas também há falta de espaços e o parque está desatualizado.

Sim, é uma realidade muito idêntica ao setor logístico como um todo. As causas da falta de espaços são comuns, mas tem uma agravante. A logística de frio envolve um investimento elevadíssimo. A ordem de grandeza é duas vezes superior. São unidades mais estratégicas, pensadas para, pelo menos, 20 anos. A capacidade de resposta é mais demorada. Portugal tem uma grande falta de terrenos com maturidade urbanística, ou seja, decide-se construir ali e é possível fazê-lo num curto espaço de tempo. Estes terrenos são praticamente inexistentes.

Qual o tempo médio para a criação de um produto logístico?

Criar um produto logístico tem um ciclo de dois a três anos. E na logística de frio, além de ser um produto que estará apenas disponível nos próximos dois a três anos, é ainda preciso enquadrá-lo nos próximos 20. E, para o enquadrar nos próximos 20 anos, as empresas têm provavelmente de fazer planos de crescimento. Ou seja, o terreno tem de ter capacidade construtiva adicional, que tem de ficar parada, sem produzir, para prever esta capacidade de expansão. Juntando todos estes fatores, a dificuldade de criar um espaço e de um ocupante decidir ocupar esse novo espaço é muito maior na logística de frio.

Que gatilhos vieram agravar esta escassez de ativos?

Saímos de uma realidade de covid que aumentou bastante as necessidades de logística. Depois, as disrupções nas cadeias de abastecimento, que causaram muitos constrangimentos, e foram muito mitigadas através da mudança de modelos de gestão de stocks just in time para modelos just in case. Ou seja, todos aumentaram os níveis de stocks. Mais. A economia e o consumo recuperaram para níveis pré-covid e estão em valores recorde. Ou seja, tudo pede mais área logística, mas as decisões são tomadas a longo prazo. E não é fácil.

Apesar do contexto de incerteza, as coisas estão a acontecer?

Sim, estão. Estamos envolvidos em alguns projetos que demonstram essa vontade, têm essa oportunidade e precisam de avançar. No entanto, não é um produto que esteja imediatamente disponível para as empresas escolherem o que querem. Este é o ponto. Temos a vontade. O capital para fazer o investimento também existe. Falta aqui a peça do meio. A terra disponível. Existem alguns processos a decorrer que permitem viabilizar terrenos em localizações que funcionam e que permitem, de facto, a breve trecho a qualquer um dos operadores logísticos ou de retalho ter uma nova unidade logística de frio, porque os seus clientes cada vez pedem mais espaço.

Que localizações são essas?

Tipicamente, as zonas consolidadas de logística nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde estão os principais retalhistas alimentares, por um lado, e, por outro, localizações que estão próximas das pessoas. Onde vivem, onde trabalham e onde consomem. Em Lisboa, está muito concentrado no primeiro trecho da A1. Há também vontade e necessidade de cobrir um corredor Oeste, e veem-se algumas iniciativas neste sentido. E no Porto aquilo que é a imediatez da margem sul e norte e dentro do arco da CREP (Circular Regional Exterior do Porto) quer a norte quer a sul.

Savills_Pedro FigueirasA atividade do comércio online que levou a um aumento da procura por estes espaços mantém-se? Sentem isso?

A atividade do online mantém-se, mas ajustou a velocidade de crescimento. A base é mais alta face ao período pré-covid, penso que isto é claro em todos os países, e mais junto de países com menor nível de adoção, essencialmente sul-europeus. Há hábitos que perduraram, a base de crescimento é maior, mas o ritmo reajustou. Já não é tão rápido como durante a pandemia por motivos evidentes.

Que fatores destacaria que puxam mais pela procura por espaços logísticos de frio?

Do lado do consumo, há um crescimento via valor, mas este crescimento traz outro fenómeno: tipicamente aumenta os níveis de stock. Porque para ser competitivo amanhã, compra-se hoje. Num cenário inflacionista, a estratégia é comprar o mais cedo possível. A realidade que sabemos neste contexto é que amanhã é mais caro que hoje e depois de amanhã é mais caro do que amanhã e do que hoje. Mesmo que o consumo não aumente necessariamente, e está a crescer via valor e não necessariamente via volume, isto puxa pelos níveis de stock dos operadores.

Por outro lado, o crescimento do turismo, sobretudo em Lisboa, Porto e Algarve, tem impacto porque o número de visitantes está a atingir níveis astronómicos. Não paramos de quebrar recordes. A intensidade de consumo alimentar no horeca é brutal e este canal traz um desafio ainda maior que é a capilaridade e granularidade da logística. Uma coisa é abastecer 50 supermercados outra é abastecer 1000 restaurantes, bares, hotéis, quiosques e afins. O que faz com que se necessite de mais infraestrutura e mais próxima.

Tendo em conta a lei da oferta e da procura, o preço está a subir.

Tem-se assistido a uma pressão no crescimento das rendas dos ativos imobiliários de logística por via da falta de produto, pela via inflacionária do aumento dos custos de construção, mas também de atualização das rendas. E a logística de frio não é imune a isto.

Pode quantificar as subidas?

Depende das zonas. Há áreas onde os aumentos são mais singelos, entre 5% a 10%. E zonas onde observamos movimentos de 20%. Há o exemplo de uma zona específica, onde não se construía há tanto tempo que, assim que se construiu produto novo, as rendas praticamente duplicaram. Porque há uma escassez muito grande, é uma zona muito necessária, muito próxima de Lisboa. Estar nesta zona diminui brutalmente os custos de distribuição. Pagar uma renda elevada é mais eficiente do que ter mais custos de distribuição com os carros todos na rua.

Qual é a zona?

A zona de Loures.

Voltando à logística de frio, além de sofrer o mesmo impacto, tem outra limitação: quanto mais antiga for a infraestrutura, mais ineficiente é. E se isto é válido na logística, na logística de frio é muito mais. Porque estamos a falar de 10, 20, 30 mil metros quadrados completamente refrigerados a consumir energia 24 horas por dia. É igual às nossas casas, quanto mais eficiente for o frigorífico menos consume eletricidade. Ou seja, quando temos um parque mais envelhecido, e quanto mais o tempo passa, mais obsoleto se torna porque surgem novos equipamentos, mais eficientes. E o que temos visto é que a tendência do custo energético é crescente. Este nível de obsolescência no longo prazo traz mais custos à operação, que trará mais custos a toda a cadeia de distribuição até chegar à prateleira ou até chegar ao consumidor. Concluindo, traz mais custos à medida que o parque for envelhecendo e não o formos renovando.

Confirma-se a tendência de que os retalhistas estão a utilizar as traseiras das lojas como autênticos armazéns?

Está intrinsecamente ligado a dois fatores. Um é o aumento de stock. E se puder ter o stock perto do consumo é ideal. O outro é o fator ecommerce, que melhor last mile do que a loja perto do armazém? Costumo fazer uma comparação clássica, entre as unidades de last mile que tanto se falam agora para satisfazer as necessidades de ecommerce, e os correios que já existem há algumas centenas de anos. O conceito é idêntico, mas são agora encomendas.

Que, em alguns casos, necessitam de frio.

Sim, quem já tem uma rede de lojas e tem esta versatilidade de ter uma boa capacidade de armazenagem quer em seco quer em frio, e isto é válido também para o segmento farma, tem exatamente os mesmos racionais.

Mas, diria que é uma tendência?

Sim, sem dúvida. Já vimos isto em alguns segmentos fora do alimentar, noutro tipo de bens de consumo, negócios que a partir do momento em que ganham alguma massa crítica já justificam igualmente ter uma plataforma dedicada e de apoio às lojas.

E, muitas vezes, até se justifica aumentar a área de retalho porque a massa crítica já permite ter na proximidade uma plataforma logística completamente dedicada a um suporte mais local de stock à loja e suporte de stock à operação de ecommerce.

A necessidade de terra com capacidade para construir a curto prazo é um dos principais desafios. Do seu ponto de vista, como se pode solucionar?

Evitando entrar no clichê do licenciamento, um problema transversal a todos os segmentos do imobiliário, é necessário promover iniciativa privada e pública que desenvolva esta terra que é necessária. Que permita, quando há uma intenção de desenvolver, ser desenvolvido no curto prazo. A solução passa por esta figura do desenvolvedor de terra que até há algumas décadas tivemos no nosso país, não é nada de novo. Diria que a seguir à grande crise financeira e ao nosso bailout, muitos deles desapareceram. Mas, localmente sempre existiu este tipo de investidor que agrega terras.

Nesse caso, são investidores nacionais?

Quem está em melhores condições para o fazer são os investidores nacionais ou internacionais com base e presença física cá. Que tem capacidade para desenvolver e criar estes bancos de terras que permitam, quando necessário, termos terra pronta para desenvolver, facilitando a decisão a longo prazo.

Pedro Figueiras_SavillsQual o pipeline estimado para os próximos anos?

Neste momento, o pipeline que temos visível perfaz cerca de 400 a 500 mil metros quadrados disponíveis em 2024 e 2025.

Pode aflorar que projetos são esses?

Posso falar daqueles que já estão a ver a luz do dia e que estamos envolvidos em diversas vertentes, dentro das nossas linhas de serviço. Em maio, fizemos o lançamento do Benavente Logistic Park que está em construção. Nesta primeira fase são 90 mil metros quadrados de área construída e que será entregue aos inquilinos no início do ano. Iniciámos agora os trabalhos de comercialização.

Esta semana fizemos o evento de primeira pedra do Panattoni Parque de Valongo. São 75 mil metros quadrados que iniciam agora construção e serão entregues aos inquilinos no terceiro trimestre de 2024.

Estamos também bastante envolvidos desde o início no projeto da plataforma logística de Lisboa Norte. Na primeira fase, foram ocupados uma área de 45 mil metros quadrados. Em outubro começará a construção da segunda fase, um lote de 33 mil metros quadrados, para chegar também no terceiro trimestre de 2024.

E, por último, também para ser entregue logo nos primeiros dias do ano, em Santo Tirso, estamos a trabalhar o Ermida Parque que acolhe mais 30 mil metros quadrados.

Então, 2024 promete. Acredita que, nesse ano, há potencial superar o recorde do valor investido em 2022?

Acredito que podemos atingir números provavelmente idênticos. Portugal precisa de criar produto de investimento. Porque um produto com trinta anos dificilmente é um produto de investimento. É preciso nova promoção para haver investimento em produto core, em produto que o investidor mais institucional pode investir. Um produto moderno, recente, com as especificações hoje exigidas, como os níveis mais elevados da certificação Breeam.

Portugal não construiu durante praticamente 15 anos, só agora estamos a começar a fazê-lo. Só agora estamos a criar um produto para investimento. 2021 foi um ano recorde em termos de investimento por via de dois portefólios que eram de valor acrescentado. Para extrair valor, é preciso requalificar ativos antigos e voltar a colocar parte deles no mercado. E criar produto de investimento para o investidor mais institucional por via da construção.

E falta de procura não há.

Sim, apesar de os níveis de investimento este ano estarem francamente abaixo do ano passado, por causa daquelas duas transações de relevo. O apetite existe, tivéssemos nós produto de investimento. Até porque o segmento logístico não era olhado por muitos investidores fora da área da logística. Havia muitos investidores que faziam vários segmentos, mas a logística não. Com o eclodir da pandemia, isto mudou e todos se quiseram diversificar à logística e à exposição geográfica, com estratégias sobretudo pan-europeias. Praticamente o único país onde não conseguiram comprar foi em Portugal porque não havia produto de investimento. Está agora a existir resposta para esta necessidade de ter produto em Portugal por diversificação de risco. E quando temos no mercado um nível de procura ativa de 700 mil metros quadrados, a entrar para o ano 400 ou 500 mil metros quadrados, os fundamentais estão cá.

As matérias da sustentabilidade, das quais já falamos superficialmente, e a falta de recursos humanos, estão entre os temas que mais preocupam o setor logístico?

A sustentabilidade é crítica. Por duas vias. Uma já falamos um pouco. Um produto de investimento institucional tem de ter hoje a chancela da sustentabilidade. E a chancela da sustentabilidade leva ao segundo ponto crítico. Não se trata só do lado ambiental, a pegada ecológica e a eficiência. Continua, claro, a ser muito relevante. Mas são também, e está ligado ao tema da mão de obra, as pessoas. É impensável termos atualmente um armazém que é um gelo no inverno e um forno no verão. Cada vez mais, um armazém terá de ser tão confortável como trabalhar no escritório. O cuidado com a experiência das equipas de trabalho é cada vez maior.

*Entrevista originalmente publicada na edição 415

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