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Os biológicos e a inovação através da diferenciação da matéria-prima

Por a 8 de Abril de 2022 as 12:16

maçasA forma de inovar no grande consumo está a mudar. A desaceleração que a pandemia imprimiu aos negócios conferiu às empresas tempo para refletir sobre os tradicionais processos de pesquisa e desenvolvimento e reinventar o conceito de inovação. Na primeira pessoa, Tiago Carneiro (Cristal) partilha a sua experiência

Por Tiago Carneiro, head of strategy na Comtemp*

A Comtemp – Companhia dos Temperos é uma empresa familiar, sedeada no Entroncamento, com mais de 125 anos de vida. É uma empresa altamente exportadora, exportamos cerca de 50% da produção. Atualmente, a Comtemp é uns dos maiores produtores, se não o maior, de vinagre de maça de sidra biológico. O grupo tem várias marcas, talvez a mais conhecida seja a Cristal, com os seus vinagres, que passou recentemente uma fase de reconversão de imagem.

Hoje, o segredo já não é a alma do negócio. Porque as pessoas atualmente não compram o que nós fazemos, mas sim o que nós somos. E se não tivermos uma porta aberta para o consumidor, se não mostrarmos o que estamos a fazer dentro de casa e como é que o fazemos, não vamos vingar. Temos de criar, e criámos nos últimos dois anos, um conjunto de sensações junto do consumidor quer através do produto, da sua imagem ou de uma grande inovação.

No ano passado, o mercado de alimentação biológica equivaleu a 222 mil milhões de dólares (196 mil milhões de euros) e regista um crescimento anual de cerca de 10%. Biológicos, proteína vegetal e agricultura regenerativa, todos estes eixos incorporamos dentro não só da tipologia de produtos, mas na tipologia de matérias-primas que vamos procurar. Acreditamos que quem não está a olhar para estes conceitos poderá vir a ter problemas no futuro. Como fazemos? Tentamos ter impacto a montante da cadeia de valor, através da seleção de matérias-primas mais nobres, como as biológicas, e sempre que possível provenientes de projetos de agricultura regenerativa. Para dar um exemplo, temos em Portugal uma das poucas máquinas da Europa para a produção própria de bactérias e leveduras, porque queremos ter um controlo absoluto sobre todos os produtos que colocamos nas prateleiras.

Fizemos isto nos últimos dois anos, num mundo enlouquecido por uma pandemia e a enfrentar desafios que, segundo parece, não vão deixar de existir nos próximos tempos, com o aumento do preço das matérias-primas, o congestionamento logístico, entre outros. Como é que colocamos valor nos produtos que apresentamos aos consumidores neste contexto? Temos de impactar mais cedo. Temos de mostrar ao consumidor, e foi essa inovação que trouxemos além da imagem, nomeadamente em Cristal, a utilização de matérias-primas mais nobres.

Sustentabilidade é um chavão que falamos há muito tempo, mas que não pode deixar de estar presente na nossa inovação. O nosso melhor exemplo dentro de casa é que desde abril usamos única e exclusivamente energias renováveis. Não há nenhum produto de qualquer marca da Comtemp que saia das nossas instalações que não seja feito com energia renovável. Construímos um parque solar de 3800 metros quadrados de painéis.

No nosso plano estratégico definimos que a sustentabilidade tem de ser o nosso pilar central. Investimos loucamente em sustentabilidade, reduzimos em 10% a quantidade de plástico virgem utilizado nas embalagens, e isto é relevante para nós, porque colocamos na rua cerca de sete milhões de embalagens plástico por ano. E é por isso que é fulcral intervir neste ponto. Além disso, fomos a primeira marca de vinagre em Portugal e uma das primeiras do mundo a utilizar plástico reciclado em embalagens. Já temos 25% de plástico reciclado nas embalagens e este conjunto todo de modificações que fizemos na área de inovação da sustentabilidade, permite-nos poupar mais de 400 toneladas em emissões de CO2 atualmente.

Temos de fazer compromissos e cumpri-los. Financeiramente é muito complicado, mas vale a pena. Já não chega a pegada carbónica zero. Temos de ter um impacto verdadeiramente positivo na sociedade.

Concretamente no mercado biológico, uma das nossas maiores dificuldades é a nossa dimensão face a outros países. Por exemplo, para a produção de vinagres de fruta compramos cerca de 20 toneladas em Portugal e temos de ir a outro país europeu comprar mais 80 toneladas. Há uma discrepância enorme na capacidade de produção e de investimento. Estamos a lutar com países que estão altamente habilitados em termos investimento, dimensão e complexidade na produção de matérias-primas biológicas.

No entanto, acreditamos que é nos biológicos que está o valor pela diferenciação e qualidade. Queremos diferenciar pelas matérias-primas e estamos a ir pelo caminho do biológico e das denominações de origem.

A grande dificuldade nos processos de inovação é que depois de se começar já não se pode parar. É preciso assumir este compromisso e não defraudar os consumidores.

*Depoimento recolhido pela jornalista Rita Gonçalves, na conferência “Food and Drink Trends 2022”, organizada pela Portugal Foods

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