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Copo meio cheio ou copo meio vazio

Por a 4 de Maio de 2020 as 16:17
Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca

Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca

Por Pedro Pimentel, diretor-geral da Centro marca

As últimas semanas provocaram profundas convulsões nas vidas de todos nós, na nossa forma de viver, de estar, de comprar ou de consumir. E, em boa verdade, essas convulsões chegaram quase sem pré-aviso nem grande possibilidade de antecipação ou preparação.

Os cidadãos acordaram para as implicações desta pandemia de uma forma algo abrupta. Mas marcas, fornecedores, retalhistas, operadores de logística tiveram, também eles, um período não muito mais alargado de criação de planos de contingência que, manifestamente, se foram mostrando curtos e sucessivamente alargados à medida que se foi percebendo, em muito poucos dias, o que estava a chegar.

É hoje quase redundante identificar as inúmeras áreas em que cada um de nós, as nossas famílias ou as nossas empresas, foi impactado. Alguns desses impactos foram percebidos de imediato, outros vão-se entranhando e sublimando à medida que o tempo passa e o período de confinamento se alarga.

Quando hoje, 18 de Abril, escrevo estas linhas (e nesta altura datar o que se escreve é uma referência essencial, na medida em que os dados se alteram a uma enorme velocidade) começam a multiplicar-se os sinais da vontade em tomar medidas públicas que conduzam a um progressivo regresso à normalidade e uma reabertura de vários subsectores da economia, mas ouvem-se também recados, em especial do lado da saúde, indicando os riscos de uma reversão prematura e precipitada das medidas adoptadas a partir de meados de Março.

Mas, centrando-me no sector dos bens de grande consumo, julgo poder afirmar-se, sem grande margem de discussão, que toda a cadeia, da produção primária à transformação industrial, das operações e logística ao retalho, se comportou de forma admirável e inexcedível, respondendo com elevados sacrifícios (pessoais e estruturais) às enormes exigências colocados pela situação.

As várias análises colocam o sector do Retalho Alimentar e as indústrias alimentares e de outros bens de grande consumo como entre aquelas que terão sido menos penalizadas por esta pandemia. Mas essa mesma cadeia teve de enfrentar o encerramento total de um dos mercados mais importantes – directo e indirecto – para os seus produtos: o canal Horeca. Esse encerramento provocou um verdadeiro problema ao nível da organização da produção, das equipas de vendas, das frotas de entregas ou, numa outra óptica, de gestão de stocks ou de viabilidade de cobranças, sendo que esta última vertente, temo, se virá a agravar fortemente nos próximos meses.

E se houve produtos ou famílias de produtos presentes no retalho alimentar que se converteram em autênticos campões de vendas nesta fase, outros houve que, literalmente, de um dia para o outro abandonaram quase completamente os cabazes de compras das famílias portuguesas. A compra quase totalmente programática pelo consumidor e a racionalização do sortido pelo retalho, a bem do melhor funcionamento da operação logística e da reposição nas lojas, acabou por beneficiar famílias de produtos em detrimento de outros, de beneficiar marcas e fornecedores em detrimento de outros.

Para além disso, o consumidor colocado perante a necessidade de comprar em volume (e em valor) muito acima do normal, deu a lógica preferência aos produtos em promoção e aos produtos mais baratos. Num outro ângulo, muitos retalhistas vendo, por exemplo, que alguns dos seus fornecedores (inclusive os de marca própria) não lhes conseguiam dar os volumes que necessitavam para satisfazer a procura, redirecionaram amplamente as suas encomendas para outros, motivando várias disrupções no mercado, apesar de tudo pontuais e não demasiado sentidas.

A forte procura nas lojas físicas, a tentativa de evitar aglomerações excessivas ou a fuga aos riscos de contágio, motivaram muitos consumidores a migrar as suas compras para o universo online. Contudo, a procura excessiva e a necessidade de concentrar meios logísticos na minimização das dificuldades das lojas convencionais, acabou por não permitir que a resposta tivesse sido a mais desejada, gerando alguma incompreensão dos utilizadores em relação à capacidade de resposta dos operadores de retalho que possuem lojas online.

Mesmo no seio do retalho, claramente um dos sectores estrela desta crise, há muitas assimetrias no que se refere ao sucesso relativo das suas estratégias, com algumas insígnias a darem uma melhor resposta, mas igualmente uma resposta mais empática, do que outras, com alguns formatos (especialmente os de proximidade) a assumirem maior protagonismo do que outros, e com um claro vencedor, embora algo inesperado: o comércio tradicional, em especial aquele que melhor se adaptou ao contexto e exigências do consumidor neste período de confinamento.

Finalmente, uma referência ao facto de o período de ‘assalto’ às lojas para compra compulsiva para stockagem ter sido, em Portugal, bastante inferior ao que ocorreu noutros países, excedendo ligeiramente duas semanas. Esta diferente ‘pressão’ teve uma consequência positiva em termos de capacidade de resposta da cadeia de aprovisionamento e de tranquilização dos consumidores (enquanto as situações de pânico e de carência se continuaram a assistir por períodos bastante mais longos noutras geografias), mas gerou também uma curiosa (e desfavorável) comparação na performance das subsidiárias portuguesas das grandes empresas internacionais, face às suas congéneres de outros mercados.

Por isso, sendo o comportamento do sector FMCG globalmente positivo no meio de todo este turbilhão provocado pelo coronavírus, o sucesso não foi sentido de igual forma pelos vários players. Alguns fizeram o seu ano em meia dúzia de semanas, enquanto outros precisariam que 2020 tivesse muito mais semanas para conseguirem fazer um exercício económico decente. Há alguns vencedores e vários vencidos. Muitos que, orgulhosamente, podem dizer que com o grande esforço que fizeram encheram bem mais do que meio copo e outros que não tiveram outra alternativa do que olhar para o copo com ansiedade e que estarão, nesta altura, a deitar contas à vida para saber como vão encher o que falta… e que é bem mais do que metade.

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