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Slow Food: um modelo holístico que alimenta, por Rui Rosa Dias (IPAM)

Por a 8 de Junho de 2017 as 11:36

Por Rui Rosa Dias, Professor no IPAM

A responsabilidade é um atributo, um valor comportamental, que confere uma imagem a uma nação, a um setor, a uma organização, a uma família e, claro está, ao indivíduo. Essa responsabilidade, em primeira instância nas mãos dos cidadãos, é, por força do sistema “democrático” que se vive na maioria dos países, atribuída aos governantes. Por esta via, através da confiança depositada pelo exercício da cidadania, aos políticos caberá, o nobre desígnio de representar uma vontade maioritariamente genuína e, com eficácia, gerir os recursos de que dispõem, estabelecendo objetivos consensuais e as respetivas políticas, estratégias e ações, que conduzam, a médio e longo prazo, ao bem-estar social, ambiental e económico. A criação de valor agroalimentar que as empresas e os indivíduos desenvolvem ao longo de anos de trabalho, deve ser aplicado com sentido de equidade e, sempre que possível, equilibrando assimetrias. Conceber e aplicar políticas duradouras capazes de minimizar desigualdades, maximizando o bem-estar e a riqueza, é, na realidade, uma tarefa complexa, não apenas no atual sistema português, em que, paradoxalmente, a Política ainda depende da Economia e, esta, da Tecnologia. Não será por muito mais tempo. Este modelo está esgotado.

Ainda assim, o setor agroalimentar e florestal tem vindo a demonstrar uma crescente importância, no contexto da nossa economia, alavancando crescimento, muito por via das exportações e do turismo. Não obstante, a inovação, a preservação, a identidade, o território, o “terroir”, e a verdade do marketing agroalimentar, iniciaram a sua viagem no sentido de reforçar o posicionamento de um país – Portugal, agro e alimentar, com condições edafoclimáticas únicas, com tradições, com história, com um ADN local e regional cuja diversidade é vista como um património absolutamente invejável. Preservar, desenvolver sem desvirtuar, e saber comunicar e vender esta realidade, na verdade, constituirá o maior desafio para as próximas décadas. As grandes multinacionais e nacionais agroalimentares, e as empresas do retalho, cujo foco nas últimas cinco décadas assentou maioritariamente na escala, independentemente de todos os restantes fatores que dão sentido à vida e ao Ser Humano (aqui o Ser Humano deverá ser entendido não como alguém que procura na educação e na formação não o caminho para o consumo, mas sim, para a CRIAÇÃO), como a preservação dos territórios, a recuperação de técnicas agrícolas ajustadas a cada região e a identidade agro, alimentar e florestal, a equidade de relações comerciais, o respeito pelo produtor e pelo consumidor, tentam agora, um caminho de ajustamento estratégico. Esta cosmética empresarial sofre de falta de visão, de missão e de valores. Desvirtua-se com frequência aquilo que é, e deve representar, o marketing estratégico. Todo o sistema agroalimentar e florestal tem tido as suas bases no marketing operacional. É impossível gerir-se assim, sem visão, sem valores, sem missão. É impossível depauperar e ignorar o nosso valor agroalimentar, em detrimento de cópias de modelos vindos de outras latitudes. Enquanto uns se mantêm no território, mantêm uma filosofia e economia agroalimentar própria e circular, gerando valor verdadeiro e justo, outros, ao abrigo das mais modernas técnicas de gestão, finanças, logística e marketing, tentam demonstrar que têm agilidade e capacidade de adaptação.  Ora é precisamente aqui que o conceito do Slow Food representa, mais do que se possa imaginar, um modelo completo e alternativo, assente no equilíbrio nos seus três princípios universais. Nascido em Bra, no Norte de Itália pelas mãos de um grande líder internacional chamado Carlo Petrini, unanimemente referenciado como um dos maiores pensadores da atualidade, o movimento internacional Slow Food está desde 1986 a defender uma nova era, um outro paradigma e um novo posicionamento, para a cadeia de valor agro, alimentar e florestal. Este movimento nasce justamente num período de expansão do fast food em Itália e tenta travar a globalização do alimento, do gosto, do sabor, da cor, do som e da textura dos alimentos, do convívio e da felicidade agroalimentar. JUSTO, BOM e LIMPO, são os princípios base deste modelo, que mantém a agroecologia como orientação. O conhecimento ancestral dos agricultores e a ciência, lado a lado, serão, nesta perspetiva, a melhor forma de encarar o futuro da agricultura e consequentemente da alimentação.

Resumidamente o princípio JUSTO, significa o contributo de cada agente da cadeia de valor agroalimentar na garantia de condições e remuneração justas aos pequenos produtores, preços acessíveis aos consumidores, bem como o respeito pelas diversidades culturais e tradições, vistas como práticas transparentes e baseadas na equidade. Por seu lado, BOM, representa a busca consciente por alimentos de origem e sabor genuínos, ou seja, a procura de alimentos frescos, locais, sazonais e com qualidades organoléticas e nutritivas, resultantes de sentidos educados e treinados. Por último, ao princípio LIMPO atribui-se o respeito pela biodiversidade, pela preservação dos ecossistemas, potenciadores do equilíbrio e da agroecologia, em todas as etapas da cadeia agroalimentar e florestal, desde o solo ao consumo. Os grandes desafios que a humanidade e os sistemas políticos e agroalimentares terão de saber ultrapassar a curto prazo, tais como perceber como travar as alterações climáticas, a fome no mundo e a perda de biodiversidade e fertilidade dos solos, são coincidentes com este sistema holístico do Slow Food que alimenta a sociedade, o meio ambiente e a economia.

Para todos os entusiastas de uma alimentação genuína, para aqueles que têm prazer em comer, mas também, para os que sentem as cores, os sabores, as texturas, os aromas e os sons, como veículos de tradições, raízes e emoções, da identidade e de um local, os princípios do Slow Food acabam por interessar a todos, desde logo, porque apelam à origem, à genuinidade, à verdade e ao culto do momento de consumo alimentar, sempre que possível, em contexto familiar, e de amigos.

 

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