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Isto não é uma peixaria ‘gourmet’

Por a 15 de Outubro de 2015 as 16:09

IMG_0752Quem passa na Praça das Flores, em Lisboa, até pode pensar que a Peixaria Centenária é uma loja ‘gourmet’, mas depois de entrar fica esclarecido. Há peixe fresco estendido na banca e uma mulher a amanhar desde linguados a peixe espada preto dos Açores.

A moda da cozinha espalhou-se. Convidar os amigos para um jantar em casa, hoje em dia, representa para muitos portugueses mais do que uma simples refeição. É uma oportunidade de exibirem o seu engenho culinário, reproduzindo aquele prato requintado que viram confecionar no último episódio do Masterchef.

A febre da culinária e consumidores cada vez mais conscientes da importância da alimentação para a saúde ajudam conceitos como a Peixaria Centenária a terem sucesso.

Instalada na Praça das Flores, em pleno coração de Lisboa, a peixaria está aberta das oito e meia da manhã às oito e meia da noite, garantindo a oferta tradicional de peixe, fresco e arranjado, ao público citadino.

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Joana Mateus, sócia da Peixaria Centenária

A principal mais-valia do negócio é o tratamento do peixe. A maioria dos clientes procuram o espaço pela conveniência. “Muitas vezes, passam cá quando saem do trabalho, ao final do dia, e levam o peixe pronto a ser cozinhado. Praticamente 100% do peixe que sai daqui vai já amanhado”, conta em entrevista ao Hipersuper Joana Mateus, a mais nova dos três sócios do projeto Peixaria Centenária, que nasceu em novembro de 2013.

Em parceria, Joana, Rui Quinta e Filipe Alves investiram entre “20 a 30 mil euros” e cresceram 30% no primeiro ano de atividade. O espaço é o único e, enquanto não apresentar vendas consolidadas, os três não pretendem alargar o número de lojas. “Talvez mais lá para a frente”, aponta a sócia.

Alma e voz da “peixeira de família”

A ideia partiu de Rui Quinta, depois de uma temporada passada em Berlim, na Alemanha, a estudar ‘Design Thinking’. Quando regressou, passou três meses a observar o negócio “centenário” de venda grossista de peixe, que passou das gerações anteriores para as mãos do pai.

Depois de compreender o processo de consumo do peixe, o ‘designer’ decidiu aplicar os conhecimentos desenvolvidos fora do País ao comércio tradicional português. Como o negócio do pai na lota de Peniche dava sinais de crise, assegurou o escoamento dos produtos a partir da venda a retalho, no pequeno espaço da Praça das Flores. Mas não terminou por aqui.

Até pode parecer que a alma do negócio é a sardinha ou o robalo frescos mas Joana desvenda o segredo por detrás do projeto. “Apostamos fortemente na estratégia de comunicação. Usamos o discurso da típica peixeira para comunicar com os clientes”.

IMG_0758A peixaria é centenária mas está nas redes sociais a falar diretamente para os consumidores com expressões como “Ó minha filhinha” ou “olha o peixinho”, que lembram a matriarca peixeira, atribuindo assim uma personalidade simples e recetiva à peixaria. “Queremos estar próximos das pessoas”, explica.

“Expomo-nos muitas vezes em fotos com os peixes, na loja, para as pessoas também saberem quem está atrás. Reparamos que, quando se transmite a imagem da empresa nas redes sociais, os utilizadores apontam facilmente o dedo pelo que quer que seja, porque desconhecem quem são os trabalhadores. Como damos o “corpo ao manifesto”, estão familiarizados connosco, não são tão severos nem intransigentes a apontar defeitos prontamente. Há outro tipo de ligação”.

Três sócios, três públicos

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Filipe Alves, sócio da Peixaria Centenária

Filipe Alves, o terceiro sócio, assume-se como “patrão” no cartão de visita da loja. Os três são conhecidos da gente que vai recorrentemente à peixaria e identificam-se com três tipos de público diferente. “É uma vantagem porque conseguimos atrair os segmentos com que nos identificamos. Eu [Joana Mateus] estou mais próxima daqueles que acabaram de sair da faculdade e que ainda têm uma técnica de culinária muito básica, mas que querem aprender a cozinhar de forma mais saudável. O Rui é daquelas pessoas que não sabe muito sobre cozinhar peixe, nem tem o hábito, mas fá-lo quando quer impressionar os amigos ou quando vê uma receita nos programas de culinária, que agora estão muito na moda”. O Filipe, por sua vez, percebe do assunto e consegue dar dicas aos clientes que procuram uma boa solução.

Atrás da banca está Tânia Silva, “especialista em amanhar peixe”, responsável por todos os dias despachar os pedidos dos clientes, que chegam ou que telefonam a encomendar. “As pessoas têm os nossos números, ligam, tratam-nos pelo nome e dizem-nos o que querem e quando é que vão passar por cá para levar a encomenda”, descreve Joana. “Nós, por outro lado, já sabemos como gostam do peixe arranjado”.

Além disso, fazem distribuição a restaurantes e a clientes finais. “Temos comunicado bastante isso e as entregas estão a crescer”.

Diretamente do mar “azul”

A maior parte dos clientes são os habitantes do bairro. Turistas não há muitos, pelo menos a comprar peixe fresco. “A estes vendemos Masterclasses”. Os restantes passam e pensam que é um espaço ‘gourmet’ ou do género. “Ideia que não queríamos passar de maneira nenhuma”, sublinha a sócia, apesar de terem um posicionamento de preço acima do dos hipermercados.

A parede preta do anterior negócio que ali habitava foi refrescada com um claro azul. “O preto passava imagem de um ponto de venda ‘chic’ e, por isso, decidimos mudar para uma cor que tivesse mais relacionada com uma peixaria tradicional”.

IMG_0755O peixe chega das lotas da região e à volta. Além da de Peniche, bem conhecida pela família de Rui Quinta, chega peixe da lota da Ericeira, por exemplo, e têm ainda um fornecedor açoriano.

“O peixe que vem dos Açores, como o peixe de espada preto, tem realmente um sabor diferente, eu que não percebo muito, consigo notar”, brinca a sócia. O peixe que vem dos Açores, “chega no mesmo dia em que sai do mar”. Normalmente, “por volta das duas horas” da tarde sobe à banca da Peixaria Centenária. Estes são dos peixes preferidos dos clientes, além das sardinhas, “indispensável pelos portugueses”, e do salmão.

A oferta, juntamente com conveniência, atendimento personalizado, proximidade do público, e as ações de dinamização como as “Masterclasses” que, de vez em quando, promovem, vincam a estratégia do negócio que não deixa morrer a atividade centenária da família Quinta.

Fotografia: Ângela Picão, Frame it

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