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Entrevista a João Paulo Girbal, Presidente da Centromarca: “A exportação sustentável é assente em marcas fortes”

Por a 24 de Março de 2011 as 17:53

Não querendo alimentar a “guerra” existente entre distribuição e produção, até porque “nenhum fabricante quer mal à sua estrutura de distribuição, João Paulo Girbal, presidente da Centromarca, deixa uma certeza: “a distribuição representa muito mais no negócio dos fabricantes do que os fabricantes no negócio da distribuição”.

Hipersuper (H): Portugal está a viver uma conjuntura económica muito difícil, de incerteza muito grande, com um aumento das medidas de austeridade e do desemprego. Além disso, temos assistido a uma “guerra” entre distribuição e produção, com acusações mútuas. Como é que os fabricante poderão, nesta realidade, convencer o consumidor a optarem pelas suas marcas quando, generalizadamente, existe a ideia de que as Marcas da Distribuição (MDD) são mais baratas?
João Paulo Girbal (J.P.G.):
Em primeiro lugar, quero referir-me a essa ideia com a qual somos confrontados quase diariamente da “guerra” entre fabricantes e distribuidores: eu não acredito nisso. Ainda recentementemente houve um seminário entitulado como o combate da década [Seminário Marcas da Distribuição vs Marcas de Fabricantes] e penso que esse tipo de discurso não interessa a ninguém. Nem à distribuição, nem a produção.
O que se passa é que existem situações nas relações produção/distribuição que são tensas e são tão mais tensas quando as dificuldades e a conjuntura económica pioram. A concorrência entre distribuidores cresce e todos sofrem.
Estamos a falar numa conjuntura em que houve redução nos salários da função pública, em que a taxa de desemprego ultrapassou os 11%. Isto são realidades que se reflectem no consumo.
Os fabricantes de marcas originais têm, neste tabuleiro, uma missão, que é serem especialistas nos produtos que colocam no mercado. Criam categorias. Por exemplo e pegando agora em algo que está muito na moda, o iPad vendeu mais do que todos os tablets de todos os fabricantes juntos. Ora, houve uma categoria que foi lançada por um fabricante de marca. Depois será copiado. O mesmo acontece com a maior parte dos produtos, seja na área alimentar ou não alimentar.

H: Mas uma coisa é ser copiado por um concorrente fabricante, outra é ser por um retalhista.
J.P.G.:
Tem razão. A questão é a seguinte e não podemos esquecer este ponto: quem produz é sempre o fabricante. O problema não começa, contudo, com a produção do fabricante para o distribuidor. O problema começa com a formação do preço, porque sendo a marca própria do dono da prateleira e sendo ele que impõe as condições aos outros fabricantes e marca os preço, aí estamos perante um jogo desigual. Esse jogo é tanto mais desigual quanto maior for a pressão do lado do distribuidor para concorrer com os outros distribuidores, porque esses é que são os concorrentes dele.
O que acontece é que, quando chegamos a uma prateleira, vemos uma desproporção tal de preços que, em situações de dificuldades económicas, como vivemos hoje, os consumidores optam por preços menores. A qualidade percebida é q.b., ou seja, o consumidor prova, serve, compra. Nessa situação, em que temos preços desproporcionadamente diferentes, vê-se esse aumento do consumo das marcas brancas.

H: Portanto, nada tem a ver com a maior racionalidade e menor emoção do consumidor. O que se passa é que o consumidor tem menos dinheiro na carteira?
J.P.G.:
Exactamente. Essencialmente, as marcas brancas …

H: … Marcas brancas ou marcas próprias da distribuição?
J.P.G.:
Marcas brancas, porque estamos perante marcas com um rótulo vermelho, verde, azul, mas o conceito é o mesmo: é um produto com características parecidas com os produtos de marca, uma marca indiferenciada que tanto serve para guardanapos, como para detergente para a loiça, arroz ou iogurtes, e que é colocado no mercado a um preço mais barato.
O problema está exactamente nesse preço mais barato que é construído de forma artificial. A distribuição com aquilo que ganha, com as margens que impõe aos produtos de marca de fabricante (MDF) faz uma subsidiação cruzada, aceitando ganhar menos, para com esses preço mais baixos atrair clientes para as suas lojas.
Isso vê-se, e aí sim estamos perante a tal “guerra”, nos dois principais distribuidores, em que um faz um anúncio ridicularizando as opções do outro.
É mais que óbvio que o preço baixo na marca da distribuição é para atrair clientes ao seu espaço e para isso precisam de ter esses preços baixos que são conseguidos à custa de uma subsidiação cruzada.

H: Mas isso quer dizer que o fabricante que produz a sua marca e produto, tem a sua fábrica, depois de colocar o seu produto numa palete deixa de ter qualquer controlo sobre o seu produto. Talvez até antes, já que existe uma negociação anterior.
J.P.G.:
Exactamente. Sabemos que um fabricante de marca, quando quer ter acesso a uma prateleira, tem de fazer várias coisas: tem de explicar por que é que o seu produto vai vender mais do que os outros que estão na prateleira; tem de dar informação confidencial e que não partilharia com outros concorrentes, mas tem de fazê-lo com o distribuidor, seu parceiro de negócio; e, além disso, tem de pagar uma taxa que pode ir, dependente dos produtos e dos fornecedores, até 50% das vendas do primeiro ano.
Suplementarmente, tem de aceitar no contrato numerosas penalizações, recebendo menos se determinadas situações acontecerem, o que dá uma margem bastante confortável ao distribuidor.
Tudo isto somado significa que o distribuidor fica com uma capacidade de utilizar esses recursos libertos para financiar ou subsidiar a baixa de preços noutro produto, ou seja, para poder ter uma margem de comercialização diferente e muito inferior num produto indiferenciado.

H: Mas nesse caso não deveria haver uma supervisão por parte de uma entidade independente?
J.P.G.:
Claro que deveria. Na relação entre produção e distribuição temos dois pontos “quentes”. Um tem a ver com a concentração dos distribuidores. Temos dois distribuidores que têm 50% do mercado. Foi reconhecido no relatório da Autoridade da Concorrência (AdC) que existe um desequilíbrio muito grande a favor dos distribuidores. O poder de compra é muito superior ao poder de venda e pode impor todas as condições. Só este ponto já é muito complicado e é a fonte de todos os problemas.
A AdC, de facto, fez o seu trabalho, chegou às suas conclusões e indicou caminhos. Agora temos de seguir esses caminhos.

H: Mas quem tem de seguir esses caminhos?
J.P.G.:
Eles foram apontados. Para definir concretamente o que tem de ser feito, em sede de revisão do enquadramento legal que rege todas estas situações, a AdC apontou o caminho onde se inserem várias entidades, entre os quais a APED, Centromarca, FIPA, CAP, CIP, ASAE.

H: Mas quem é que controla que os caminhos apontados são seguidos. Não vale a pena apontar caminhos para depois ninguém segui-los?
J.P.G.:
O que queremos é que a AdC seja o mais activa possível. Não o mais interveniente, mas o mais activa possível e que desencadeie os mecanismos que permitam resolver os vários problemas.

H: Está a falar de auto-regulação?
J.P.G.:
De auto-regulação, mas não nos moldes em que existe. Ou seja, a auto-regulação não funciona bem em casos em que a desproporção de poderes é tão grande.
O modelo inglês é uma evolução muito positiva que resultou, precisamente, de um estudo semelhante ao que foi feito em Portugal, mas mais profundo, de onde saiu uma entidade que reporta ao parlamento em vez de reportar a um ministério. Essa entidade, por exemplo, tem poder de impor coimas e decisões. Esse é seguramente um caminho.
Relativamente à questão dos produtos de marca da distribuição e concorrência e aquele que é o maior parceiro e maior cliente dos fabricantes e os próprios fabricantes, aí há muito trabalho a fazer. Se dois fabricantes da mesma categoria, falarem um com o outro e partilharem informação confidencial, nomeadamente, preços e estratégias, recebem uma penalização significativa. No entanto, é exactamente isso que acontece quando um fabricante entrega os seus planos ao distribuidor e depois esse mesmo distribuidor coloca um produto com a própria marca no mercado a concorrer com o produto do qual recebeu informação confidencial.
Isto tem causado este desequilíbrio e tem de ser revisto de uma vez por todas.

H: Mas o fabricante aí não pode impor ao distribuidor que, sim lance um produto, mas somente dentro de seis meses ou um ano?
J.P.G.:
Os fabricantes não têm poder para fazê-lo. Se pensarmos que o fabricante mais poderoso não representa sequer 2% nas vendas totais de um hipermercado, mas que ao contrário, aquele insígnia de hipermercado pode representar 25 ou 30% das suas vendas, onde está o poder?
Eu consigo substituir 2% das minhas vendas com uma campanha ou outra estratégia qualquer, mas o fabricante, estando o negócio tão concentrado na área da distribuição, não consegue substituir 25 ou 30% das vendas. Não há poder para fazer isso e isso é mais do que evidente nos contratos existentes.

H: Isso quer dizer que o fabricante corre o risco de chegar ao mercado com uma novidade/inovação de produto e ver o distribuidor lançar ao mesmo tempo uma marca própria, já que recebeu do fabricante informação confidencial sobre esse mesmo produto?
J.P.G.:
Não só pode lançar, como pode fazê-lo a um preço muito mais barato, com a marca de fabricante a subsidiar a marca própria do distribuidor. É exactamente isso que acontece, só que isso não é precibido pelo consumidor.

H: É então em termos qualitativos que o consumidor terá de diferenciar um produto do outro?
J.P.G.:
Não, penso que o consumidor deverá, da mesma forma que o fez no passado, preocupar-se com alguns temas. Nós fomos levados a preocupar-nos com o impacto ambiental, com o cuidado a ter no tratamento das energias e outros temas ditos “verdes” e aí o consumidor talvez opte por empresas que se preocupem com estas matérias. A mesmo coisa em relação às condições de trabalho, às empresa que tratam bem os seus trabalhadores.
Penso que em situações destas e apesar das dificuldades económicas, devemos olhar um pouco mais para a frente e tentar perceber o que os fabricantes estão a fazer para o nosso bem-estar, para o nosso PIB, para a nossa economia, empregos, etc..
Recomendava uma leitura ao ranking dos importadores/exportadores do INE que é muito instrutivo. Não é só dizer que o produto A é bom e o produto B é mau. Devemos pensar um pouco e tentar perceber como é que produtos que aparentemente têm uma qualidade parecida aparecem com preços tão diferentes, sobre quais são as empresas que produzem os produtos, sabendo, à partida, que não são fabricados pela distribuição. Portanto, quem é que os fabrica, onde são fabricados, onde está essa informação?

H: É aí que o consumidor pode optar por uma MDD por achar que é igual à MDF, já que o produto é produzido pelo mesmo fabricante?
J.P.G.:
Isso é um mito. Existe essa percepção no consumidor, mas é um mito que só interessa à distribuição. E porquê? De entre os associados da Centromarca, só 6% da sua facturação faz marca do distribuidor. Esse valor tem vindo a dimimuir ao longo do tempo por uma razão simples: se a curto prazo poderia ser interessante fabricar para marca própria, a longo prazo é um tiro no pé.
Há fabricantes especializados em produção de marca do distribuidor e fazem disso o seu negócio e nada temos a opor. O problema é que não sabemos quem são. O consumidor não tem ideia de quem produz a marca própria da distribuição. Esses fabricantes têm uma relação ainda mais ténue e frágil com a distribuição. Se o distribuidor encontrar um fabricante que produza o seu produto a um preço mais barato, muda de fornecedor de imediato.
Um consumidor informado, esclarecido e racional não devia diferenciar dois produtos tão só e apenas pelo preço.

H: Mas o rendimento ao fim do mês fala muitas vezes mais alto.
J.P.G.:
Sem dúvida. Daí que esta situação não se possa resolver unicamente pela decisão do consumidor. Em 60% dos casos, a opção de compra do consumidor é feita à frente da prateleira, tem de decidir rápido e não possui a informação completa.
Há aqui uma componente que é preciso trabalhar e mudar para que uns produtos não subsidiem os outros e continuarem a ser prejudicados.

H: Mas fazendo uma comparação com a realidade europeia, a quota de mercado das MDD em Portugal ainda está abaixo da média nos principais países. Por isso, a quota das MDD em Portugal ainda pode subir mais?
J.P.G.
: Isso vai depender da luta que esses dois distribuidores fizerem entre eles.

H: Então o fabricante não tem qualquer palavra a dizer neste aspecto?
J.P.G.:
Não, nenhuma. O preço mais baixo é essencialmente para atrair tráfego para as respectivas lojas. Mas também sabe-se que o preço mais baixo dá menos dinheiro a ganhar ao distribuidor.
Se a quota das MDD for 35%, significa que há 65% que é da MDF, onde o distribuidor ganha mais dinheiro. Se essa percentagem relativamente às MDF descer muito, os distribuidores passam a ganhar menos dinheiro. Ora, há-de haver um limite de quota para um determinado nível de concorrência existente no mercado.
Numa situação em que os fabricantes, essencialmente aqueles que estão dependentes da distribuição, com o espremer dos preços, com impossibilidade de reflectir os aumentos dos custos com energia, laborais no preço ao consumidor, as margens têm sido esmagadas nalguns casos até à destruição, desaparecimento ou compra das empresas por grupos maiores. Daí a questão, por vezes referida da concentração na indústria.
Logo, o que fazem as empresas que estão a viver dificuldades? Vão cortar. O marketing, os recursos humanos, o investimento em I&D, passam a ser considerados uma despesa.
Ao contrário, se olharmos para os resultados das empresas da distribuição, existem ganhos recorde, aparecendo, inclusivamente, os dois principais distribuidores no topo do ranking do investimento publicitário no nosso País.

H: Falou na concentração na indústria. Lembro-me de um estudo apresentado pela APED que mostrava a existência de uma maior concentração na produção, comparativamente com a distribuição?
J.P.G.:
Não só apresentado como patrocinado pela APED. Foi uma reacção defensiva e não passou de uma cortina de fumo.
Em questões de concentração temos de colocar as coisas da seguinte forma: quem é que tem poder para impor? Neste caso, é óbvio, é quem compra. A distribuição representa muito mais no negócio dos fabricantes do que os fabricantes no negócio da distribuição.

H: E como é que responde ao facto do lado da distribuição olharem para a Centromarca como um “lobby” representativo das multinacionais em deslocalização e sem representação em Portugal?
J.P.G.:
Só posso sorrir e achar que é um comentário sarcástico. Para Portugal o que é importante é que se invista no País, que se crie emprego e riqueza. Se é investimento estrangeiro que estamos sempre a tentar captar ou se é pura e simplesmente investimento gerado em Portugal é mais ou menos indiferente. O importante é a criação de riqueza, emprego qualificado e estável. As multinacionais que estão em Portugal cumprem precisamente esses critérios.
Noutro sector, não quereremos que uma Auto-Europa, que é uma multinacional, não invista em Portugal, certo?

H: E as multinacionais nos sectores alimentares e não alimentares fabricam em Portugal?
J.P.G.:
Fabricam e exportam a partir de Portugal.
Ser uma multinacional não só não é mau como pode ser muito bom, até porque do lado da APED, que não deveria dizer essas coisas, a Sonae é uma multinacional, a Jerónimo Martins é uma multinacional, a Auchan é uma multinacional, a Makro é uma multinacional, o Lidl é uma multinacional, o Leclerc é uma multinacional. Então, em que ficamos? Só se forem multinacionais fabricantes é que são más?

H: A solução está então na exportação?
J.P.G.:
Se pensarmos que para reduzirmos a nossa balança comercial com o estrangeiro temos de exportar mais, então eventualmente o que teremos de fazer muito seriamente é promover a criação, o aparecimento e fortalecimento de marcas que possam ser exportáveis, sejam nacionais ou não.
E volto a referir a Auto-Europa. É o terceiro maior importador, mas é o segundo maior exportador. E é uma multinacional estrangeira.
Só é possível exportar sustentadamente, se tivermos marcas fortes. Marcas fortes têm de ser marcas especializadas, inovadoras. Não posso ter uma marca e pensar que vou exportar uma marca que tão depressa está a representar guardanapos, como arroz, detergente para a loiça, água sem gás. Isso é que não faz sentido, não é exportável.
Do ponto de vista do futuro do País, e falo a 10 ou 15 anos, o que interessa é apoiar a criação de uma cultura de marca em Portugal, cultura essa que dará origem a empresas e indústria, promovendo, assim, uma reindustrialização de Portugal para conseguirmos dar a volta e virar aquela tendência dos últimos anos e que nos trouxe para esta desgraça que é comprarmos mais do que vendemos.
Portugal no passado exportou muito têxtil, calçado, papel, electrónica, etc.. Mas estamos a falar de produtos. Com a liberalização do comércio, essas indústrias desapareceram. A exportação de produtos indiferenciados onde o factor competitivo é o preço da mão-de-obra ou da matéria-prima disponível no mercado local, coisa que é difícil em Portugal, uma vez que não existe, não é sustentável.
A exportação sustentável é assente em marcas fortes e não apenas em produto. As marcas dão sentido aos produtos e eventualmente até perpetuam os produtos. O valor associado à marca é muito superior ao valor associado só ao produto.

H: Voltando atrás e à velha questão das MDD e MDF, relembro uma frase do patrão europeu da distribuição (EuroCommerce), o belga Xavier Durieu: “O crescimento da marca branca deve-se à falta de interesse da indústria em dar resposta às necessidades actuais dos consumidores”. Que resposta é que a indústria não está a dar?
J.P.G.:
Em Portugal, há quem diga o mesmo. Vamos descompor essa mensagem: “o crescimento da marca branca deve-se ao desinteresse…”. O crescimento da marca branca deve-se essencialmente ao proporcionar aos consumidores produto que na prateleira é percebido como qualidade q.b. a um preço mais barato. Agora, como é que se forma esse preço? O crescimento da marca branca tem a ver, em exclusivo, com o diferencial de preço e quem o marca é a distribuição.

H: Mas estava a decompor esta afirmação, faltando-lhe tocar no ponto: “falta de interesse da indústria em dar resposta às necessidades actuais dos consumidores”.
J.P.G.:
Há indústria que produz MDF e há indústria que produz MDD. A indústria é quem inova. 80% das novas referências que aparecem no mercado são da responsabilidade dos produtos de MDF e 20% são MDD. Isto significa que esses produtos de MDD nunca são inovadores, não criam categorias.
A indústria está em permanente inovação e quando tem de colocar uma referência nova na prateleira, tem antes de partilhar essa informação com a distribuição. A grande dificuldade passa pela protecção dessa inovação. A inovação numa embalagem é muito difícil de manter protegida. Mas quando falamos de um método de produção, com fórmulas químicas ou com uma patente específica, aí já é mais difícil copiar.

H: O presidente da Centromarca compra MDD?
J.P.G.:
Por princípio gosto de saber a origem dos produtos e quem os fabrica. Logo tenho um grande problema em comprar MDD.
Eventualmente em determinadas situações em que procuro um produto de fabricante, mas que não está disponível e só existem MDD, talvez compre MDD. Nesse caso, não tenho opção. Se não existir opção …

H: Recente o IVA e o anúncio do não aumento do imposto por parte de alguns retalhistas também foi tema. Quem afinal absorve este imposto? O fabricante que, assim, é mais uma vez penalizado?
J.P.G.:
Naturalmente. Se o fornecedor tiver capacidade para encaixá-lo, encaixa, senão, mais uma vez estamos perante uma negociação desequilibrada.
Curiosamente, o distribuidor disse recentemente que os preços teriam de subir por causa dos preços das matérias-primas. Fica a questão: será que é só o aumento das matérias-primas ou também é o encaixar o do IVA? Será que a mensagem que foi veiculada era verdadeira ou era só uma intenção?

H: Anunciada foi também a aposta no comércio tradicional, mercearias ou lojas de proximidade por parte dos dois maiores retalhistas em Portugal. Em ambos os casos, também é conhecida a estratégia que assenta na aposta nas MDD. Esta é mais uma contrariedade para as MDF?
J.P.G.:
Contrariedade e mais uma concentração. Gostava que as autoridades olhassem para este fenómeno. A concretizar-se estas estratégias, estamos a falar de um conjunto de lojas que vão servir de canal de distribuição para produtos de marcas que já elas próprias têm uma concentração enorme. Isto não passa de uma operação de concentração disfarçada. Não se trata de uma compra de outra cadeia ou novo licenciamento e à partida não seria objecto de análise por parte da AdC. Mas, efectivamente, vai haver mais concentração.

H: Foi então uma forma hábil dos grupos distribuidores em questão darem a volta à questão e à saturação dos conceitos e formatos já existentes?
J.P.G.:
Ou não. Vamos ver qual o sucesso que estas estratégias irão ter. O que li é que as condições para as lojas participarem era terem uma boa localização e uma boa base de clientes. Ora, se têm estas duas condições, não estou a ver que benefícios vão ter em associar-se.
Isso recorda-me um pouco do número de empregos que iria ser criado com a abertura aos domingos e feriados à tarde. Onde estão?
Tal como o consumo não aumentou por causa da abertura dos hipermercados aos domingos e feriados à tarde. O que houve foi uma transferência dos dias de semana para os fins-de-semana.

H: Mas o alargamento aos domingos e feriados foi indiferente para os fabricantes?
J.P.G.:
Não, não foi indiferente. Nalguns casos foi mais uma carga adicional, porque determinados distribuidores começaram a exigir que as reposições passassem a ser ao fim-de-semana. Ao passarem a ser feitas ao fim-de-semana passaram a ter um custo acrescido para os fabricantes.

H: Como seria o linear ideal de uma loja para o presidente da Centromarca?
J.P.G.:
Num linear ideal estariam presentes um conjunto de marcas, primeira, segunda, terceiras marcas, poderiam estar também as MDD, desde que cumprissem as mesmas regras das MDF.
Além disso, a construção do preço deveria ser completamente transparente. Ou seja, se querem um produto assumidamente low cost, ou vão buscar um produto de qualidade diferente ou aceitavam uma margem mais reduzida.

H: Já encontrou essa loja?
J.P.G.:
Já, até em Portugal. Tenho algumas lojas, pequenas, que cumprem todas essas condições.
Quem sabe se essa loja ideal não se materializa no virtual ou no virtual com uma combinação física.

H: O aumento do consumo online é então benéfico para as MDF?
J.P.G.:
É, claramente. Penso até que poderá passar pela combinação do online com um serviço de entregas eficiente.
Deixe-me dar-lhe este dado: nos EUA a Wal-Mart apresentou recentemente os seus resultados, que foram desanimadores. Os analistas admitem que a maior ameaça para a Wal-Mart a nível interno é dos discounts, mas essencialmente, da crescente presença da Amazon. Isto diz tudo. Há que olhar para o virtual de uma maneira diferente, ou melhor, de uma nova forma.
Termino com esta certeza: nenhum fabricante quer mal à sua estrutura de distribuição. O que os fabricantes querem é que seja o mais eficiente possível e que seja uma maneira de colocar os seus produtos [de fabricante] nas mãos dos consumidores e que o façam de uma forma que todos ganhem. Voltamos à velha questão da guerra. Isto não é uma guerra. Temos é de encontrar uma forma de colaboração com regras que sejam favoráveis a todos e que não beneficiem mais um lado que o outro.

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