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Aníbal Coutinho, Director Técnico da ViniPax 2010: “Consumidores não se dão conta de que estão a beber grandes vinhos a preço de saldo”

Por a 22 de Outubro de 2010 as 11:16

Tejo, Península de Setúbal, Alentejo e Algarve. Estas são as regiões vitivinícolas representadas na 4.ª edição da ViniPax. “Trazer os formadores de opinião e os compradores à ViniPax fortalece a noção do vinho de prestígio associado, sobretudo, às Herdades e Quintas do Sul”, salienta o director Técnico do evento, Aníbal Coutinho.

Hipersuper (H): Beja é palco da 4.ª edição da ViniPax. Que diferenças existem entre esta edição e a(s) anterior(es)?
Aníbal Coutinho (A.C.):
Este será um ano de consolidação de um formato ganhador. Celebra-se, no entanto, o facto de, em 2010, a Associação de Municípios Produtores de Vinho ter atribuído a Beja o estatuto de Cidade Nacional do Vinho.

H: A feira intitula-se, novamente, como sendo do Sul. Não deveria, então, limitar-se às regiões do Alentejo e Algarve?
A.C.:
Os vinhos produzidos na Península de Setúbal e no Tejo são tão gulosos, aveludados, aromáticos e cativantes como os vinhos das restantes regiões mais a Sul. Estas quatro regiões encerram o perfil de vinho que os portugueses compram, uma em cada duas vezes.

H: Os vinhos das regiões do Tejo e Península de Setúbal ainda podem ser considerados como sendo do Sul ou é a falta de um evento na região de Lisboa que leva a organização da ViniPax a incluí-los neste evento?
A.C.:
Apesar da proximidade à capital, os vinhos dessas regiões estão irmanados com as regiões mais a Sul e não com os vinhos frescos, leves e provenientes das uvas menos maduras e de bago grande, de influência atlântica.

H: Sendo a ViniPax constituída pela representação de quatro regiões – Tejo, Península de Setúbal, Alentejo e Algarve – existem mais semelhanças ou diferenças entre os vinhos destas quatro regiões?
A.C.:
Os vinhos do Sul derivam de uvas muito maduras e de bago médio, com toda a sua película bem “bronzeada” – também nós escolhemos o Sul para nos bronzearmos – o que origina a macieza da parte sólida do vinho – os taninos – e as sensações aveludadas. O sol também concentra açucares que dão origem as vinhos mais alcoólicos, aromáticos e adocicados. São vinhos muito cativantes, de entrada fácil e grande arredondamento, aqueles que encontramos nestas quatro regiões do Sul.

H: Quais são as semelhanças mais marcantes e as diferenças mais notórias?
A.C.:
Creio que já falei das semelhanças ao definir o perfil do vinho do Sul. As diferenças já dependem dos números microclimas que existem não só entre estas quatro regiões mas dentro de cada uma delas. Existem pontos geológicos significativos que acentuam diferenças de carácter das uvas, como as Serras da Arrábida -na Península de Setúbal – ou a da Ossa, no Alentejo.

H: O Alentejo continua, no entanto, a ser a região mais apelativa aos “olhos”, ou melhor, “gostos” do consumidor. A que se deve esta realidade? Preço, qualidade, marketing, visibilidade, oferta, variedade?
A.C.:
O Alentejo atacou o mercado no timing certo – os anos 80 – nos canais certos – o princípio da liderança dos hipermercados – e com o marketing certo – um mix de força da produção cooperativa e privada. Agora não é fácil perder a sua quota de mercado porque o consumo interno continuará, irremediavelmente, a diminuir.

H: Falta escala às outras regiões para atingirem o patamar do Alentejo?
A.C.:
Há regiões que produzem muito mais do que o Alentejo e outras com a produção mais concentrada do que no Alentejo. Não tiveram o timing e o mix adequados. Ainda assim creio que há espaço para crescimentos marginais se forem aplicadas acções específicas, mais de carácter local e regional.

H: Há precisamente um ano perguntava-lhe, se foi o Alentejo que mais facilmente foi ao encontro do consumidor. A resposta que me deu foi que “o consumidor vê no vinho do Alentejo um vinho mais fácil”. Quer dizer que os vinhos das outras três regiões são mais complicados?
A.C.:
Como disse, o perfil de todo o vinho do Sul é comum e assenta no vinho cativante e fácil; um vinho para novos públicos. Devo registar que o Tejo e, sobretudo, a Península de Setúbal, têm crescido em quota de mercado. No caso da última, tem sido a região que mais tem crescido em Portugal.

H: No ano passado referia, também, que “o Algarve era a região onde toda a gente gostaria de estar”. Esta ideia mantém-se, apesar da pouca percepção de qualidade por parte do consumidor em relação aos vinhos algarvios?
A.C.:
O Algarve vai apresentar-se com força na edição de 2010 da ViniPax. A pequena produção algarvia tem um mix muito atractivo entre novos produtores muito empenhados e a grande procura do turismo por produtos locais. O vinho algarvio é aquele que tem o preço médio mais elevado em Portugal. Quem é que não gostaria de estar nesta situação?

H: Estas quatro regiões estão a produzir os vinhos que o consumidor procura e exige?
A.C.:
O consumidor é cada vez mais exigente e gosta cada vez mais de novas experiências. No entanto, o estilo de vinho do Sul garante um alto nível de fidelização em todo o país e tem a vantagem de ser um vinho iniciático.

H: Há um ano salientava que o Sul devia de ir mais para as castas portuguesas. Os produtores do Sul estão a adoptá-las ou continua-se a apostar muito nas castas estrangeiras?
A.C.:
Creio que o Sul começa a definir quais são as castas portuguesas de futuro, apesar de haver uma aposta simultânea em castas internacionais como a Syrah, que actuam com um papel melhorador. Ainda temos poucos anos de vinhos comerciais para podermos definir o melhor caminho.

H: Estas quatro regiões são de vinhos tintos, brancos ou ambos? Os brancos têm registado uma evolução qualitativa e quantitativa. Isso é benéfico para as regiões?
A.C.:
O Sul terá, irremediavelmente, uma procura crescente por vinhos brancos e rosados, mais frescos e despretensiosos. De um modo geral, penso que o terrunho do Sul está mais apto para tintos mas cabe aos produtores e técnicos encontrarem os microclimas, os terrenos, as castas e os métodos para contrariarem esta aptidão natural. Tenho a certeza que veremos o vinho branco e rosado a ser produzido, em breve, na costa vicentina.

H: Qual a previsão que faz, em termos qualitativos, para a produção da campanha 2010/2011?
A.C.:
Quantidade a subir dois dígitos face à colheita anterior. Qualidade média, com alguns (poucos) grandes vinhos de guarda.

H: Cerca de 80% do vinho é, actualmente, vendido na Distribuição Moderna, admitindo a maioria dos produtores que isso é prejudicial. Esta realidade faz baixar em demasia o preço dos vinhos e, consequentemente, perigar a sobrevivência dos produtores?
A.C.:
Os consumidores não se dão conta de que estão a beber grandes vinhos a preço de saldo. Esta situação merece uma reunião magna de toda a produção nacional porque o perigo de derrocada parcial da fileira é real.

H: O vinho em Portugal está caro?
A.C.:
Barato, muito barato.

H: O que fazer para aumentar o consumo de vinho em Portugal? Adaptar os vinhos ao consumidor, baixar o preço, menos produção, mais marketing?
A.C.:
Não é possível aumentar o consumo de vinho em Portugal porque as gerações mais velhas incluem o maior contributo para esse consumo. Qualquer política saudável e de futuro passa pelo aumento significativo do preço por litro. É difícil mas irremediável.

H: No início do ano foi lançada a marca “Wines of Portugal”. Esta marca vem, de alguma forma beneficiar estas quatro regiões em particular?
A.C.:
Não. Nem estas, nem outras.

H: E no que diz respeito aos vinhos portugueses no geral, é vantajoso ter este marketing conjunto?
A.C.:
Não. A minha aposta seria “Quintas de Portugal” e “Herdades de Portugal”

H: Quando toda a gente quer exportar, que relevância têm estas feiras mais regionais?
A.C.:
Esta é uma feira temática que agrega quatro regiões vinhateiras e um dos três perfis de vinho que Portugal oferece. Trazer os formadores de opinião e os compradores à ViniPax fortalece a noção do vinho de prestígio associado, sobretudo, às Herdades e Quintas do Sul. Por outro lado, só conseguiremos elevar, significativamente, o preço do vinho se vendermos na garrafa, não só o bom líquido, mas a experiência da vida no campo. Essas sensações que se entranham na pele e no subconsciente dos compradores não se comunicam a partir do Porto ou de Lisboa.

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