Opinião

Uma oportunidade perdida

Por a 27 de Julho de 2010 as 12:07

A aprovação em Conselho de Ministros do diploma que ‘transfere’ para as autarquias a responsabilidade de autorização da abertura aos domingos à tarde dos espaços comerciais com mais de 2.000 m2 parece ter surpreendido mesmo alguns daqueles que são considerados os mais directamente afectados.

O diploma, que quando estas linhas são escritas não havia sido ainda publicado, vai aparentemente mais longe do que a tal decisão de abertura nas tardes de domingo, a qual, recorde-se, andava a ser ponderada com ‘luvas de seda’ há quase 15 anos e que chegou a motivar a demissão do primeiro Ministro da Economia da era Guterres, Daniel Bessa. O novo decreto-lei acaba por permitir que os espaços comerciais possam passar a estar abertos de 2ª a Domingo, das 06h00 às 24h00, sendo que os municípios onde essas lojas estiverem instaladas podem “em casos devidamente justificados alargar ou restringir os limites dos horários fixados”.

Esta decisão, quer do ponto de vista da concorrência entre lojas (e entre insígnias), quer do ponto de vista dos interesses do consumidor, parece ajustada e corresponderá aos anseios de uns (pelo menos dos detentores dos espaços comerciais sujeitos àquelas limitações) e de outros.

A APED veio, como é já usual, agitar a ‘bandeira’ dos milhares de postos de trabalho cuja criação tal decisão permitirá, recebendo de imediato a bênção e o eco do Secretário de Estado do Comércio, Fernando Serrasqueiro, o qual aparentemente, não teve tempo de coordenar discursos com o seu Ministro, Vieira da Silva, que na mesma ocasião remetia a justificação da decisão para o campo da concorrência, referindo que não antevia impacto da decisão ao nível do emprego.

Do lado dos fornecedores, o impacto do novo diploma parece igualmente  positivo, pois aumentará o ‘tempo’ disponível para a realização do acto de consumo, podendo resultar num aumento do volume de vendas… mas é também verdade que a decisão oferece ‘de mão beijada’ um acréscimo de quota de mercado a alguns dos principais operadores a actuar no mercado português da distribuição.

Mas se o impacto deste diploma é quase unanimemente encarado de forma positiva – descontando os habituais protestos do pequeno comércio, o qual, em boa verdade e na maioria dos casos, não soube ou não quis aproveitar a vantagem que lhe foi conferida pelo condicionamento criado às grandes superfícies – então porque manifestar fortes reservas na sua direcção?…

Essencialmente, por causa do momento em que este diploma foi aprovado e por causa da forma como o processo que levou a esta decisão foi conduzido…

Porque será que este diploma foi aprovado ‘a correr’ em Conselho de Ministros, exactamente nesta altura, não havendo sequer tempo de o colocar em consulta junto dos principais stakeholders (entre os quais, refira-se, do ponto de vista das nossas autoridades, as empresas fornecedoras não se incluem) e, ao que parece, apenas com a cumplicidade da ANMP, em representação das autarquias?

Será porque está a dias de ser publicada a versão final do estudo da Autoridade da Concorrência sobre as relações entre a moderna distribuição e os seus fornecedores, aguardado com grande expectativa e que – espera-se – seja fortemente crítico sobre as práticas dos principais grupos retalhistas e sobre o correspondente impacto nas empresas a montante?

Era sabido que esta decisão mais cedo ou mais tarde surgiria, mas em especial nos dois últimos anos, repetimos até à exaustão junto do poder político – quer junto da nossa tutela, o MADRP, quer junto do Ministério da Economia – e dos vários grupos parlamentares, que a adopção de alterações aos horários de funcionamento dos hipermercados e outras áreas comerciais de dimensão superior a 2.000 m2, deveria ser acompanhadas da obtenção de contrapartidas junto dos grupos da distribuição, em especial no que se refere à adopção de práticas comerciais mais transparentes e com menor impacto negativo junto do respectivo tecido fornecedor!

Bem pode vir o Ministro da Agricultura publicamente declarar a sua preocupação em relação ao discurso (e, depreende-se, em relação ao comportamento) da Grande Distribuição a operar em Portugal, avançando até com propostas para, por exemplo, comprimir legalmente os prazos de pagamento aos seus fornecedores, quando, ao mesmo tempo, o Governo, de que faz parte, aprova este tipo de alterações sem qualquer tipo de salvaguardas ou contrapartidas ou quando alguns dos seus membros fazem declarações que não são mais do que o abençoar pelo poder político das tais práticas abusivas da distribuição, como aconteceu recentemente com a implementação dos aumentos do IVA.

Não tenhamos, pois, ilusões: a aprovação ‘a correr’ deste diploma é mais uma oportunidade perdida por parte do nosso poder político de, no legítimo exercício do seu poder regulador e em benefício de fornecedores e consumidores, introduzir alterações de comportamento e limitar a sensação de impunidade que atravessa a nossa distribuição.

Pedro Pimentel, Secretário-geral da ANIL

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