Outras Opiniões

A tempestade perfeita do consumidor

Por a 25 de Julho de 2008 as 9:30

luis ferreira

A crise financeira despoletada no Verão do ano passado não fazia prever tudo o que se passou posteriormente e com particular ênfase nos últimos meses. Se, por um lado, já seriam de esperar consequências económicas por via da diminuição da alavancagem financeira e maior restrição ao crédito por parte das instituições financeiras, por outro, não era de prever a escalada dos preços de diversas commodities, com particular destaque para o petróleo. Este facto foi responsável por um aumento da inflação e suas perspectivas futuras, com consequências naturais no andamento das políticas monetárias levadas a cabo pelos bancos centrais dos diversos blocos económicos. Este contexto é particularmente maligno para o consumidor que agora se arrisca a passar por uma fase de ajustamento do seu balanço através de uma diminuição do seu grau de endividamento, um pouco à semelhança do que aconteceu com o tecido empresarial entre 2000 e 2003.

Os factos que estiveram na origem da crise financeira são sobejamente conhecidos e estão relacionados com o eclodir de duas bolhas especulativas, uma no imobiliário e outra no crédito. Estas não eram exclusivas dos EUA, mas também de outras regiões como o Reino Unido e a mais próxima Espanha. As consequências estão a ser sentidas, com as dificuldades que diversas instituições financeiras estão a atravessar no desenvolvimento do seu modelo de negócio e que sentem ao nível da disponibilidade, bem como custo do crédito para financiar, não só o consumo, mas principalmente projectos de investimento.

As dificuldades que os problemas actuais do sistema financeiro colocam ao consumidor seriam em certa medida atenuadas, pelo facto de levarem a um inevitável arrefecimento económico, com consequências em termos de diminuição das taxas de juro de referência, fruto de menores pressões inflacionistas e políticas monetárias mais focadas no crescimento. As menores pressões inflacionistas seriam sentidas tanto por via do preço das commodities, já que a diminuição do crescimento económico está naturalmente associada a menores níveis de procura, como por via de um menor grau de utilização de capacidade instalada (menor pressão para aumentar salários). Contudo, esta situação, que se pode classificar de normal, não se verificou e os últimos meses resultaram em crescentes dificuldades para os consumidores. Assim, a uma crise financeira aliou-se uma crise energética, que por sua vez provocou um agravamento do risco de inflação e, principalmente na Zona Euro, resultou em aumentos nas taxas de juro que servem de referência ao crédito hipotecário. O único aspecto “normal” desta diminuição do ritmo de crescimento económico verificou-se ao nível do emprego, já que este tem vindo a diminuir, o que não abona muito a favor do consumidor. Ou seja, no espaço de um ano as famílias viram as suas condições económicas agravadas significativamente, confirmado pelos actuais níveis de confiança, que se encontram em mínimos de décadas. Por exemplo nos EUA, a confiança do consumidor encontra-se a níveis tão baixos que em 40 anos de história só por 3 vezes registou níveis similares. As consequências de tamanha falta de confiança podem ter o condão de agravar ainda mais a situação, já que se é verdade que elevados níveis de endividamento não são saudáveis nem desejáveis, também é verdade que um aumento elevado do nível de poupança, pelo simples facto de as pessoas estarem naturalmente mais receosas relativamente ao futuro, não será benéfico para o crescimento económico.

Este conjunto de circunstâncias que jogam todas contra o consumidor constitui o seu maior desafio nas últimas décadas. Nunca antes se assistiu a um momento da história em que se verificassem todas elas em simultâneo. Já existiram crises financeiras, energéticas, imobiliárias, eclodir de bolhas especulativas em praticamente todas as classes de activos. Contudo, verificar-se um conjunto tão negativo de circunstâncias em simultâneo é inédito. O equilíbrio natural que rege os ciclos económicos está claramente a ser testado e a colocar uma pressão enorme do lado do consumidor.

No meio desta tempestade perfeita há sinais positivos e de esperança para a reversão do actual contexto. O tecido empresarial encontra-se hoje muito mais saudável e preparado para resistir a choques, já que tem uma estrutura mais flexível, tanto em termos produtivos, como em termos da sua estrutura de capitais – a diminuição do nível de endividamento entre 2000 e 2003 desenrolou um papel central. Adicionalmente, se a evolução da economia mundial for no sentido descendente, como parece indicar, torna-se difícil falar de pressões inflacionistas para o próximo ano, sendo por isso de prever uma franca melhoria a esse nível. O maior impacto será ao nível da política monetária, principalmente do Banco Central Europeu. Ou seja, é bem possível que este seja o ponto mais alto de stress para as contas das famílias, já que até agora sofreram com os aspectos negativos que uma recessão implica, brevemente começarão a beneficiar com as consequências mais positivas.

Luís Ferreira, Analista da Personal Value

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