Outras Opiniões

Crise dos Mercados: Reflexividade ou Autofagia?

Por a 11 de Julho de 2008 as 17:00

alexandre mota

Os últimos tempos caracterizaram-se por um clima muito negativo nos mercados financeiros em geral e nos mercados accionistas em particular.

Na zona euro, pela primeira vez desde 2003, os índices de actividade contraíram de forma generalizada e sinalizaram que a UE entrará no 3º trimestre com um crescimento abaixo do potencial. Os empresários reportaram problemas devido à apreciação do euro, à subida dos preços do petróleo e, mais recentemente, com as perspectivas de subida das taxas de juro pelo BCE. As componentes de preços continuam a subir, o que é relevante para a política do BCE.

A confiança dos empresários alemães (índice Ifo) caiu fortemente, para o nível mais baixo desde 2005, e revelou uma maior deterioração das expectativas (em grande medida devido aos receios quanto à subida de taxas pelo BCE). O sector mais afectado é o da indústria, onde os empresários esperam uma desaceleração das exportações. As componentes relacionadas com a procura interna são as mais afectadas, com as perspectivas de retalho a deteriorarem-se.

Os principais índices mundiais acumulam perdas superiores a 10% em 2008 e em alguns casos, como por exemplo o português, as perdas são quase de 30% este ano e de 10% só no mês de Junho.

Há um conjunto de razões que justificam esta situação:

– A escalada do preço do crude e de outras matérias-primas aumentou as pressões inflacionistas. A reacção aparente dos bancos centrais aponta no sentido de uma subida das taxas de juro. Nesse sentido, o Banco central europeu já sinalizou uma subida em 25 pontos base e a FED não dá mostras de boa vontade em manter as taxas de juro baixas durante muito mais tempo.

– Nos últimos dois/três meses o mercado testou a tese de “o pior já passou”. O conjunto de medidas e estímulos da FED, entre as quais o salvamento da Bear Stearns pela JP Morgan com o alto patrocínio do banco central americano, foram um indicador de confiança. Na altura muitos argumentaram no sentido de que os mínimos do ano já tinham sido vistos e inclusivamente a Goldman Sachs saiu com uma recomendação no início de Maio no sentido de aumentar a exposição ao sector financeiro e de bens de consumo. Esta recomendação assumiu um papel relevante, dado tratar-se não só da maior casa de investimento a nível mundial, como também aqueles que tinham escapado à crise de forma aparentemente brilhante. Acontece que a Goldman reviu essa recomendação, classificando-a agora como claramente errada.

O que mudou então?
Na nossa opinião assiste-se a um fenómeno claro de reflexividade, ou seja, a queda do mercado explicada por dificuldades macroeconómicas e também por especificidades desta crise – gula financeira ao mais alto nível – tende a alimentar quedas ainda maiores, sendo óbvia a razão: as quedas de cotações dos grandes bancos e das seguradoras de crédito coloca-os numa situação mais débil ao nível do acesso ao capital e capacidade de alavancagem (o acesso ao capital é essencial para cobrir os prejuízos actuais e a capacidade para alavancar é essencial para voltar aos lucros).

Outros analistas não deixam de recordar a velha profecia de Marx de que o capitalismo alimenta o seu próprio coveiro e que esta crise prova a natureza autofágica do sistema capitalista. Profecias…

Em conclusão, parece-nos seguro dizer que a actual crise é mais uma com aspectos semelhantes às anteriores e com características que a distinguem. Um dos aspectos interessantes desta crise é ser simultaneamente inflacionista e recessiva. Por isso, a procura de obrigações não funciona dado que os prémios de risco pela detenção destes activos sobem, reagindo assim ao aumento esperado do nível geral de preços futuro. Então, os “Reis” da actual crise são os produtos de tesouraria de curto prazo e uma classe de activos em ascensão há uns anos e especialmente há uns meses a esta parte: as commodities. O trading institucional deste tipo de activos (petróleo, metais, produtos agrícolas, etc) influencia a própria realidade, o que leva muitos a pensar que se está a formar um bolha especulativa nas commodities, em particular no petróleo. Apesar de sabermos que a “história das commodities” tem alguns anos, com causas fundamentais comprovadas e uma lógica simples de oferta e procura, concedemos que, a estes níveis acima de $130 por barril, se formou de facto uma bolha especulativa artificial nos preços do petróleo, empolada pela profunda crise dos mercados, pelo trading institucional e pela lógica geral tão característica da psicologia das multidões.

Alexandre Mota, Consultor e Gestor de Carteiras da Golden Assets

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