Outras Opiniões

O ciclo das matérias-primas

Por a 30 de Maio de 2008 as 10:30

luis ferreira

Os ciclos económicos são únicos na forma como se desenrolam e como influenciam o preço dos activos. Considerando a história mais recente, o crescimento do final da década de 90 foi impulsionado pelo investimento privado, nomeadamente nas novas tecnologias, tendo resultado num excesso de capacidade que, posteriormente, gerou a recessão económica que mediou o final de 2000 a 2002. O elevado investimento privado levou as empresas a assumirem níveis de endividamento para além do que seria saudável, tendo levado quase cerca de três anos para limparem os balanços e reequilibrarem a sua actividade. Simultaneamente, eram lançadas as bases para o contexto que vivemos actualmente, sendo de destacar: um mercado imobiliário que não parava de se valorizar e que evitou que o consumidor americano sofresse com a recessão de 2000 a 2002; a China abria as suas portas ao comércio internacional; os investimentos na agricultura e no mercado energético não eram rentáveis devido aos baixos preços de venda dos produtos. Estas foram as circunstâncias mais marcantes para passarmos de um ambiente de investimento que valorizava a terminologia “dot com” para um que valoriza a agricultura. Na verdade, qualquer indivíduo que no final de 1999 referisse a agricultura e a energia como o investimento da próxima década seria ridicularizado pelos seus pares.

Os alicerces construídos entre o final da década de 90 e o início de 2000 levaram ao ambiente económico e financeiro que vivemos actualmente. Em 1999 e 2000 todos nós ouvíamos falar das fantásticas valorizações das Cisco, JDS Uniphase, Yahoo, Nortel. Hoje ouvimos valorizações do arroz, milho, petróleo e consequentes empresas que têm vindo a beneficiar com esta tendência, como por exemplo: a empresa que produz transgénicos Monsanto, a empresa de fertilizantes Potash, a empresa petrolífera brasileira Petrobras ou ainda a mais próxima Galp. Assim, com o preço das commodities a subirem, os investimentos que estão a ser realizados nestas áreas são significativos. Não é por acaso que se voltaram a descobrir poços de petróleo com a dimensão de colocar o Brasil como um dos principais produtores do mundo. Esta tendência alterou por completo o equilíbrio de forças económicas, com os países mais ricos em recursos naturais a serem os mais beneficiados. Neste campo, o Brasil é um exemplo elucidativo, tendo passado da quase bancarrota há 10 anos atrás, para ainda recentemente ter visto a sua qualidade de dívida aumentar para BBB- pela agência Standard & Poor´s – já em território “investment grade”, o que nunca antes tinha acontecido.

O facto de as matérias-primas se terem tornado numa das classes mais atractivas para investir nos últimos dois anos, assistindo-se a valorizações fantásticas, levou a uma proliferação de instrumentos financeiros que permitiam beneficiar com essas performances, como por exemplo ETF´s (fundos de investimento negociados em bolsa) ou produtos de capital garantido. Esta situação só agravou a espiral de subida de preços, que se numa primeira fase era fundamentalmente justificada, agora provavelmente já ultrapassou o razoável. E os sinais do exagero começam a proliferar da mesma forma que proliferaram com as “dot com” em 2000 ou com a China no final do ano passado (desde o máximo atingido em Setembro de 2007 já chegou a perder 50%). Estes sinais incluem momentos de extremos sentimentais motivados pelo movimento dos preços, como por exemplo, a constituição de stocks de uma forma indiscriminada por alguns dos países mais fragilizados pela subida do preço das matérias-primas alimentares, devido ao receio que esse movimento se agrave. Ou quando o preço dos activos deixa de reagir aos fundamentais, como por exemplo o preço do petróleo continuar a subir ignorando dados que revelam uma diminuição da procura, não só nos EUA, mas também, e mais recentemente, na China (supostamente considerado como um dos principais catalisadores). Outro exemplo diz respeito ao crescimento implícito que algumas das empresas que mais directamente beneficiam do boom das matérias-primas estão a descontar na sua avaliação. Por exemplo, a já anteriormente referida Monsanto transacciona com um PER de 40, sendo que para justificar a avaliação que neste momento possui e utilizando um modelo de cash flows descontado de uma forma bastante simplificada, as vendas teriam que crescer 22%/ano até 2018, mantendo o actual nível de margens. Por seu turno, a Potash com um PER de 46, tem implícito um crescimento das vendas superior a 30%/ano para o mesmo período, utilizando o mesmo modelo e pressupostos semelhantes.

O aumento dos investimentos e produtividade na produção e extracção das matérias-primas potenciará uma correcção das valorizações verificadas. Esta é uma situação que, ao confirmar-se, beneficiará a economia mundial, não só por causa das pressões inflacionistas subjacentes, mas também porque tem sido foco de instabilidade social e provocado um aumento do proteccionismo económico. Na verdade, esta é porventura a maior das ameaças ao crescimento económico que pautou os últimos anos e que beneficiou da abertura de economias como a China e a Rússia. Isto porque, se o primeiro passo foi dado na introdução de tarifas ou mesmo proibição de exportação de cereais por alguns países, facilmente se percebe que este tipo de situações pode passar para outro tipo de bens, à medida que as “guerras” comerciais se agudizam.

Luís Ferreira, Analista da Personal Value

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