Distribuição

Luís Vieira e Silva, Presidente da APED

Por a 1 de Junho de 2007 as 16:00

 aped

 «Deixemos os consumidores defenderem os seus interesses»
No âmbito da realização da Alimentaria Lisboa 2007, o jornal Hipersuper foi saber junto do presidente da APED, a importância deste evento para a Distribuição Moderna

A importância da Alimentaria Lisboa 2007 para a Distribuição Moderna, a relevância desta para os expositores, a liberalização dos horários, os discounts, as licenças e as taxas. O presidente da APED, em entrevista.

Hipersuper (H.): Estamos na 9.ª edição da Alimentaria de Lisboa. Que importância tem este evento para o sector da Distribuição Moderna em Portugal?
Luís Vieira e Silva (L. V. S.): A Alimentaria é claramente a Feira do sector agro-alimentar mais importante que se realiza em Portugal. Entendemos que, quer para o lado da produção portuguesa quer para o lado da própria distribuição, como potenciais compradores e angariadores de negócios, é uma feira que é prestigiante e importante do ponto de vista económico. É claramente um momento único, não apenas para oportunidades no mercado português, mas também oportunidades de desenvolvimento do próprio sector de agro-pecuária nacional numa perspectiva de internacionalização.

H: O sector da Distribuição Moderna revê-se neste evento?
L. V. S.: Revê. Por um conjunto de razões. Em primeiro lugar, porque contrariamente ao que muitas vezes é posto em público, o sector da Distribuição Moderna teve nos últimos 15 a 20 anos um papel relevante e determinante na modernização do que são os sectores agro-pecuário, industrial e tecnológico em Portugal. Não é por acaso que as empresas que são fornecedoras dos formatos de distribuição presentes em Portugal, são normalmente empresas que acabam por ter uma determinada pujança e um determinado trajecto de crescimento que muitas vezes as consegue posicionar em termos de oportunidades de exportação. É muito fácil dizer que no sector da distribuição são todos uns predadores, mas não. Penso que nós, do lado da distribuição, somos empresas com uma visão de futuro, temos uma visão de mercado e uma visão de concorrência. Portanto, claramente num trajecto de pesquisa de fornecedores, nós procuramos estar com as empresas do sector agro–industrial e do sector de transformação industrial que têm capacidades para se assumirem numa perspectiva não apenas de curto prazo, mas numa perspectiva duradoura. Normalmente, o tipo de diálogo e o tipo de processos que são desencadeados com estas empresas, são de extrema relevância porque acabam por injectar fenómenos de modernização, de sofisticação, inovação de produto, contribuindo para a modernização das empresas e do tecido da área da transformação industrial, o que acaba por lhes dar projecção.

H: Está a querer dizer que as empresas são “ingratas” para com o sector da Distribuição Moderna?
L. V. S.: Para qualquer empresa, assumir-se como um fornecedor da distribuição não é um trajecto fácil. É preciso um conjunto de requisitos e uma consistência em termos de actuação comercial e industrial para as empresas se assumirem, mas também é verdade que nós temos uma vantagem em relação a outros sectores. O discurso do fornecedor “coitadinho” está condenado no tempo. A distribuição quer estar com as empresas portuguesas que, de facto, têm um projecto de futuro.

H: Há diferenças entre uma visita à Alimentaria de Lisboa e uma Alimentaria Barcelona, Anuga e o Sial?
L. V. S: Há claramente diferenças. Não vale a pena pormos a cabeça na areia. Há diferenças que têm fundamentalmente a ver com a dimensão do que é o mercado português e com o que é o mercado dos outros países. Penso que a Alimentaria é de longe o maior evento agro-alimentar que se faz em Portugal. E, por outro lado, é uma prova que o sector da Distribuição Moderna é um sector incontornável na comercialização destes produtos. É por isso que nos associámos com todo o gosto a este evento.

H: O espaço mais visível que a APED tem na Alimentaria…
L. V. S: Nós temos dois espaços para os quais damos uma contribuição bastante importante. Um é a Loja Inteligente onde se pretende mostrar o que tem sido a evolução tecnológica do sector nas suas diversas vertentes, desde a área da logística até a área da operação de loja e merchandising. Funciona um pouco como um showroom. Além disso, temos uma área que se chama “Sabores de Portugal”, onde estão presentes um conjunto de fornecedores e produtos do sector agro-alimentar. Tentamos ter uma montra daquilo que de melhor se faz em Portugal.

Supers vs Hipers
H: A Distribuição Moderna também contribuiu para uma revolução de preço.
L. V. S.: Sem dúvida nenhuma. Diria que esse é talvez um dos principais factores que explica o desenvolvimento da distribuição nos últimos tempos. Aquilo que existia, com premiums, com margens excessivas, neste momento a distribuição por razões de concorrência e outras, da sua própria filosofia de trabalho, usa uma lógica de vender com margens reduzidas, mas em grandes volumes. Nessa perspectiva acaba por se criar uma dinâmica de colocação de produtos que eram desconhecidos, particularmente nas zonas menos urbanas onde passaram a ser disponibilizados de uma forma perfeitamente normal. Se me permite o exagero, penso que a distribuição teve um papel até do ponto de vista da própria coesão da sociedade portuguesa.

H: O retalho alimentar está a caminhar para os supers e menos para os hipermercados?
L. V. S.: É verdade que há uma tendência em Portugal, mas também há uma tendência na maior parte dos países europeus de uma relativa consolidação do formato do hipermercado e de um crescimento dos chamados formatos de proximidade. Isto tem explicação: Em primeiro lugar, os hipermercados em Portugal tiveram um trajecto triunfante desde 1985. Valem mais de 30% do mercado da distribuição organizada e continuam a ser um player importante. Claramente, já acusam sinais de maturidade. Essa tendência acontece em Portugal, como acontece nos outros países. Também não é negligenciável que neste momento as lojas com mais de 2.000 m2 estão inibidas de abrir aos Domingos à tarde e aos feriados. Sabemos que os Domingos à tarde são um período muito importante para as vendas. É o segundo dia de maior importância para a semana e todas estas inibições aos Domingos à tarde e aos feriados corresponde a 25 a 30 dias úteis.
Portanto, isto tem um peso no desenvolvimento das potenciais vendas que seriam canalizadas por esse formato e por fruto de uma imposição administrativa acabam por ser desviados para outros. Acredito que se amanhã a lei permitir novamente a abertura dos hipers aos domingos e aos feriados, levaria a uma revitalização do negócio, sem prejuízo de o formato já ter uma determinada maturidade.

H: E o conceito discount ainda tem margem de progressão?
L. V. S.: A nossa leitura da situação é que cada vez mais os consumidores estão conscientes e informados e o formato discount entrou com uma determinada perspectiva e uma pujança muito importante. Não é por acaso que os principais players de discount estão cá todos. Isto é válido na distribuição, mas é válido noutros sectores.

Segundo os números que temos, Portugal já tem uma penetração importante de discounts. Poderá subir mais uns pontos percentuais, mas não acredito que em Portugal os números se aproximem da Alemanha, Dinamarca e Noruega, países onde têm uma projecção ainda superior.

H: O discount de certa forma tornou o consumidor português mais infiel à insígnia?
L. V. S.: Penso que não foi o discount que tornou o consumidor mais infiel até porque temos informações que, por exemplo, o cesto médio de um consumidor de discount é bastante elevado. O que quer dizer que o consumidor não vai apenas ao discount fazer o picking de três ou quatro produtos. O consumidor português é um consumidor mais informado, com menos tempo e portanto acaba por ser mais racional e mais objectivo nas suas decisões de compras.

H: Tal como com as marcas próprias.
L. V. S.: Esse é também um fenómeno internacional. Portugal aqui está claramente abaixo daquele que é o benchmark europeu, mas eu diria que a maior parte dos operadores, mesmo os operadores mais generalistas, nos últimos anos têm aparecido com propostas muito interessantes de marcas próprias que são verdadeiros desafios para os fornecedores de marcas que não são próprias. Aquela estratégia de se arranjar um produto qualquer ao melhor preço já desapareceu ou está rapidamente a desaparecer.

Domingo: fechado ou aberto?
H: Recentemente, a APED expôs os argumentos a favor da liberalização do horário de funcionamento das grandes superfícies? Que vantagens traz essa liberalização?
L. V. S.: Poderíamos discutir questões de liberalização mais geral e questões de não licenciamento e de não condicionamento, mas eu penso que isto é um outro dossier que inclusivamente está muito em voga, o “24/7”. Em termos objectivos, neste momento, temos o problema de as lojas acima de 2.000 m2 estarem administrativamente impedidas de abrir aos Domingos à tarde e aos feriados.

Nós contestamos isso há já vários anos, por um conjunto de factores. Do ponto de vista económico, a abertura aos Domingos implicará, de acordo com os estudos que temos feito pelos nossos associados, a criação directa de 4.000 postos de trabalho. É um número relevante se pensarmos no “song and dance” que há cada vez que existe um projecto industrial em Portugal que cria 300 ou 400 empregos. Gostaria de saber o que é que será espectável, quando se oferece, só numa perspectiva directa, 4.000 postos de trabalho? Penso que é um valor de tal maneira importante que não deveria ser negligenciado.

A abertura das superfícies comerciais ao Domingo vai aumentar o número de transacções, o que significa uma revitalização da economia com efeitos indutores nos nossos fornecedores, sejam eles empresas agro-industriais, sejam eles empresas transformadoras.
Do ponto de vista social, sabemos que Portugal tem particularidades únicas. Em primeiro lugar, é um País onde a participação da mulher no mercado de trabalho é das mais elevadas da Europa: 62% das mulheres trabalham, segundo o INE, contrariamente a uma média europeia de 47%. Por outro lado a jornada de trabalho média em Portugal é elevada. Nós temos um número de horas dispendidas a trabalhar por semana claramente acima daquilo que é a prática na Europa.

Por outro lado, temos a particularidade que 49 % dos trabalhadores portugueses trabalham ao Sábado. Tudo isto contribui para um desconforto dos consumidores e das famílias portuguesas por fazerem compras não quando lhes é conveniente, mas quando o Governo lhes deixa fazer. Isto é algo que nos parece de todo absurdo.

Nós entendemos que o Governo deve assumir uma posição sobre esta matéria. Nós estamos muito confortados com um estudo que saiu da Universidade Católica, promovido pela associação de gerentes comerciais, que diz que mais de 66% dos consumidores apoiam os hipers abertos aos Domingos.

H: Os críticos apontam, no entanto, a falta do descanso semanal e o aumento do consumismo.
L. V. S.: Em primeiro lugar, entendo que os consumidores portugueses, de uma forma geral, têm maturidade cívica. Não vale a pena ninguém pensar por eles. Nós vivemos em democracia. Deixemos os consumidores defenderem os seus interesses. Para nós, é óbvio que os consumidores querem que o comércio esteja aberto para poderem fazer as compras quando entenderem. Qualquer empresa comercial que resolva abrir aos domingos e que não tenha resposta do lados dos consumidores, não lhe dou dois ou três meses até ela fechar.

H: No entanto, o secretário de Estado, Fernando Serrasqueiro, já veio dizer que esta matéria não está na agenda do Governo.
L. V. S.: Repare que esta questão dos domingos, como outras, é uma questão recorrente no caderno reivindicativo da APED. Aliás, como foi o das licenças, das farmácias, das gasolinas, dos saldos, como vai ser o do dumping e como esperamos que vá ser o dos cartões de crédito. Nós acreditamos que o Governo já deu alguns sinais de querer enveredar por políticas reformistas e por politicas que, acima de tudo, confrontem os lobbys que existem em vários sectores.

Portanto, neste momento compete–nos promover a discussão dentro de uma lógica de racionalidade económica e oportunamente apresentaremos os resultados das nossas actividades ao governo.

H: Um dos argumentos da APED é que esta medida poderá provocar uma descida dos preços médios do cabaz de compra. Como?
L. V. S.: Muito simples, poderia apresentar vários estudos onde se prova que o sector da distribuição moderna pratica níveis de preços muito inferiores aos do comércio tradicional e isso explica de alguma maneira o desenvolvimento que tem tido no últimos anos. Nós para além de não conseguirmos servir o consumidor, sofremos de algumas ineficiências económicas por estarmos fechados ao Domingo. Podia lhe dar um exemplo: Há operadores da APED que optam por não abrir aos Domingos, podendo-o fazer de manhã. Porquê? Porque o custo de pôr uma operação daquelas em funcionamento até à uma da tarde, de criar os mecanismos e as infraestruturas para abrir, muitas vezes não rentabiliza a própria abertura e portanto opta-se pontualmente por estar fechado. O facto de abrirem as grandes superfícies ao Domingo, permite o acesso a preços que são muito mais competitivos do que aqueles que têm disponíveis nesses dias.

A velha questão das taxas
H: Reivindicação antiga da APED é a redução das taxas da Unicre. Como recebeu a notícia da redução destas taxas?
L. V. S.: Com naturalidade. É mais uma baixa dentro de um trajecto de baixas reactivas de taxas de cartões que tem acontecido nos últimos quatro ou cinco anos. A Unicre todos os anos tem baixo as suas taxas cerca de 10 a 15%. Do ponto de vista económico, é uma notícia relativamente agradável que de modo algum nos satisfaz, porque o nível de taxas que se pratica em Portugal é de tal maneira elevado em relação a outros países da Europa que não é com 10% ao ano que a situação se resolve.

Por exemplo, em Portugal, nos cartões de crédito, pagamos três vezes mais do que se paga em Espanha e no débito pagamos duas vezes mais. Estamos longe do que seria um limiar de racionalidade económica.

H: Qual é esse limiar para a APED?
L. V. S.: Não lhe vou citar números. Posso referir quais as recomendações da Comissão Europeia, que diz, claramente, que não via razões para as taxas dos cartões de crédito estarem acima dos 0,7%, em Portugal, para os grandes operadores. No crédito deveriam estar na casa dos 0,2 ou 0,3%. Mas, mais do que o montante das taxas, a própria filosofia de construção das taxas é algo que nos preocupa.

Este não é, contudo, um problema exclusivo da grande distribuição. É um problema do comércio em geral, do turismo, das gasolinas e de outro tipo de instituições.

H: É frequente ouvir-se que existem supers e hipers a mais em Portugal. Não teme um novo barramento das licenças comerciais.
L. V. S.: Não, isso seria um regresso ao passado e entendo que nesta matéria, como em outras, o Governo tem dado sinais de vontade reformista na área do licenciamento.

O Primeiro-Ministro apresentou um conjunto de medidas de desburocratização do licenciamento comercial. Esse é o discurso que nós temos tido por parte dos nossos interlocutores no Governo e, portanto, isso seria no nosso entender um regresso ao passado que a sociedade portuguesa não entenderia.

Não vale a pena alguém substituir-se ao mercado e dizer onde é que estão lojas a mais ou estão lojas a menos. Os operadores da distribuição moderna são empresas privadas que têm objectivos de rentabilidade e objectivos de negócio e no dia que eles não estejam cumpridos garanto que se existirem lojas a mais elas fecharão.

As decisões são feitas numa base de racionalidade económica. Se há um determinado tipo de operadores que entende que há lugar para apresentarem novos formatos em determinadas zonas provavelmente é porque ainda há um défice de concorrência nessas zonas. Entendemos que deve ser o mercado a formar a sua opinião.

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