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A génese do livre serviço em Portugal, por José Antonio Rosseau (1ª parte)

Por a 19 de Junho de 2012 as 11:45

8º Gene: O LIVRE-SERVIÇO*

Em Maio de 1970, na cerimónia de inauguração da primeira loja Pão de Açúcar, em Portugal, na Avenida dos Estados Unidos da América, o então Secretário de Estado do Comércio, Xavier Pintado, proferiu no seu discurso algumas palavras paradigmáticas e ainda hoje actuais de caracterização do conceito supermercado, ao considerá-lo “símbolo da modernização do nosso sistema de distribuição; da passagem gradual, mas que esperamos se processe a cadência acelerada, do sistema tradicional de venda de produtos avulso em pequenos estabelecimentos com reduzido volume de negócio, base financeira precária, equipamento escasso, operando com custos unitários necessariamente elevados, sem, contudo, remunerarem os factores que nele operam, para o sistema moderno de oferta ao público de produtos embalados em sistema de self-service, com áreas amplas, volume elevado de vendas, rotação rápida de stocks, com a possibilidade de operarem com margens reduzidas sem que tal se faça à custa da justa remuneração dos factores capital e trabalho que nele intervém”.

Mas foi na Praça do Saldanha, em pleno coração de Lisboa, que em 1961, abriu aquela que é considerada a primeira loja em livre serviço de Portugal. Visto à luz dos parâmetros actuais, pouco mais era do que uma mercearia maior e melhorada. Tratava-se de um supermercado independente designado por Saldanha, nome da praça onde se localizava, com uma área de venda inferior a 400 m2 que marcou o início de uma revolução comercial.

Mais do que a área, superior ao formato mercearia, ou o sortido, muito mais largo e profundo, foi a possibilidade de fazer as compras em sistema de livre-serviço, a principal inovação trazida pelo conceito supermercado em Portugal e no mundo. O consumidor ganhava liberdade de movimentos e autonomia na sua circulação pela loja, fazendo as suas escolhas sem necessidade de depender ou ter de recorrer à ajuda de terceiros ou de prescritores.

No espaço de loja, em vez de se dirigir a um balcão e esperar a sua vez para ser atendido, o consumidor passava a circular livremente por toda a área de exposição e venda, escolhendo o que queria, ao seu ritmo, só contactando com o pessoal da loja à saída, na hora de pagar os produtos livremente escolhidos.

Nos anos seguintes, os portugueses foram ficando cada vez mais familiarizados com o sistema de livre serviço uma vez que, dois anos depois, em 1963, surgia no Algarve o primeiro supermercado PagaPouco, sendo seguido em 1968 pela chegada da primeira loja ACSantos, em Lisboa e, no ano seguinte, pela estreia dos supermercados Ulmar, que abriam ao público em Leiria, tendo surgido apenas em 1970, o primeiro e já referido supermercado Pão de Açúcar, em Lisboa.

Na época, o aparecimento destes novos formatos em livre-serviço não provocou grandes reacções junto do comércio tradicional. Afinal, apesar de pioneiros, os novos estabelecimentos eram poucos, com áreas ainda relativamente pequenas e, mesmo no que tocava à oferta que proporcionavam aos clientes, não marcavam uma grande diferença, nem sequer ao nível dos preços. Apenas alguns tinham sortidos mais profundos e mais largos, mas nada que justificasse comportamentos defensivos por parte da velha guarda comercial.

O livre serviço nos EUA

O aparecimento do livre-serviço, na década de 30, nos EUA, constituiu uma inovação tão importante no comércio como havia sido a criação dos primeiros grandes armazéns. Anos antes, em 1916, surgira a cadeia Piggly Wiggly de Clarence Saunders, no Tennessee, como o primeiro conceito de venda em livre-serviço, marcado pela ideia de pôr os clientes a servirem-se a si mesmos, sistema esse que obteve grande e rápida aceitação pelos consumidores (sete anos depois, esta rede possuía já 600 lojas).

Podemos identificar várias causas para o aparecimento do livre serviço (Apel, 1972). Em primeiro lugar, começava a generalizar-se o consumo das marcas nacionais em todas as famílias de produtos de grande consumo, bem como a realização das primeiras campanhas publicitárias em televisão dessas marcas.

Em segundo, a necessidade sentida pelos retalhistas de aumentar a eficiência das suas operações e de realizar volumes mais elevados de transacções.

Em terceiro, a intensificação do crescimento urbano tendo nesses anos surgido grandes cidades com milhões de habitantes. Em quarto, a entrada da mulher no mercado de trabalho e o consequente aumento do poder de compra das famílias e por fim, em quinto lugar, a crescente mobilidade dos consumidores por força da generalização dos veículos automóveis.

O livre serviço, por sua vez, criou alguns equipamentos que a ele são associados de forma umbilical e sem os quais o livre serviço podia existir… mas não seria a mesma coisa.

Refiro-me, em concreto, ao caddie ou carrinho de compras, inicialmente tosco, pesado e feito de madeira e hoje, um equipamento sofisticado, feito de materiais leves, recicláveis e com design. Refiro-me naturalmente, às gôndolas, móveis expositores sem os quais nunca seria possível expor e apresentar um número tão elevado de produtos de forma tão impactante, vísivel e acessível aos consumidores. Refiro-me, por fim ao Check-out, móvel de fim de linha do circuito da loja, no qual antes o operador digitava os preços e actualmente lê os códigos de barras dos produtos, faz a conta e recebe o respectivo pagamento enquanto os clientes ensacam os produtos e os transportam para casa.

 

José António Rousseau

Consultor e docente no IADE/IPAM

www.rousseau.com.pt

 

 

*Primeira parte da rubrica “ADN da Distribuição” que este mês é sobre o livre serviço (A segunda parte será publicada a 26 de Junho)

 

 

 

 

 

 

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