Outras Opiniões

Porque é que o leite é diferente do petróleo???….

Por a 29 de Junho de 2007 as 8:00

 pedro pimentel

Nas últimas semanas, em todo o mundo, as pessoas ligadas ao mundo do leite seguem a evolução das cotações dos seus produtos na bolsa de mercadorias de Chicago, ou os indicadores divulgados pela Onilait, em França ou pela ZMP, na Alemanha, com a mesma atenção e devoção com que os indicadores da bolsa (como o PSI-20, o IBEX-35, o Dow Jones,…) ou o barril de Brent são diária e religiosamente seguidos pelos analistas económicos.

O crescimento galopante das cotações do leite em pó ou do soro em pó (mais, respectivamente, 75 e 114% do que o que se verificava há um ano atrás), começa a merecer dos analistas uma avaliação especulativa e apressada, próxima da “cavalgada das valquírias” em que se converteram os comentários à evolução da cotação do petróleo nos primeiros meses de 2006.

Há contudo que verificar, antes de mais, as causas – estruturais ou conjunturais – deste inflacionamento dos preços, tentar perceber se esta evolução é ou não sustentada e dar conta de quais as consequências potenciais para o mercado lácteo nacional.

Todos os estudos produzidos nos últimos anos são coincidentes na referência de que o consumo de leite e seus derivados, à escala global, sofrerá um crescimento sustentado, derivado, principalmente, da conjugação de dois factores: a evolução favorável do rendimento disponível nos mais importantes países em vias de desenvolvimento (China, Índia, Sudoeste Asiático, Norte de África e Médio Oriente, América Latina) e a ocidentalização dos hábitos alimentares na Ásia, com uma evolução muito positiva dos consumos per capita dos vários lacticínios na Índia e na China.

No entanto e apesar disso, a evolução das cotações ao longo dos anos tinha apresentado oscilações nos dois sentidos que não permitiam prever o que se vem verificando nos últimos meses, até pelo próprio crescimento interno da produção leiteira nessas zonas do globo. Assim, há que procurar outras justificações, agora do lado da oferta e aqui observamos que um dos principais países exportadores de produtos lácteos – a Austrália – foi castigado com uma seca muito severa no último ano que teve consequências notórias ao nível da diminuição dos volumes colocados no mercado. A própria Europa, em razão das medidas ligadas à PAC, tem vindo a substituir sucessivamente a produção de lácteos ditos industriais, por outros de maior valor acrescentado e destinados aos seus mercados domésticos. Nas últimas semanas, a Argentina, o Uruguai, o Chile e o Sul do Brasil, foram fustigados por violentas tempestades que limitaram igualmente a sua capacidade produtiva e, muito provavelmente, haverá por aqui também 'mão amiga' de brokers e especuladores que estão por certo nesta altura a realizar fortíssimas mais valias.

Estes factores a que se adiciona a ausência dos tradicionais stocks de intervenção que, normalmente, quer Estados Unidos, quer União Europeia utilizavam para 'arrefecer' estes aquecimentos súbitos do mercado, justificam, em minha opinião, quase totalmente a situação em que vivemos.

O leite pela sua natureza e degradabilidade é um típico produto de proximidade. As estatísticas comprovam que as transacções internacionais se fazem basicamente com quatro produtos – manteiga, leite em pó, soro em pó e queijo – sendo que apenas o último deles é, em parte, canalizado directamente para o consumidor. Todos os outros têm como destino a incorporação industrial e assim é porque estes produtos são os únicos que pelas suas características e pela forma como são armazenados e transportados permitem a respectiva movimentação a longas distâncias.

Julgo que basta o seguinte indicador para ter a noção concreta de qual o enquadramento em que o sector se movimenta: apenas 8% do leite produzido em todo o mundo é objecto de transacções internacionais e apenas 6% do leite produzido na União Europeia cruza as fronteiras com direcção a países terceiros.

Passemos, então, ao caso português. No nosso país, as produções de leite em pó, soro em pó e manteiga são, no contexto europeu, relativamente escassas. Se a produção de soro em pó é, antes de mais, a forma mais expedita de solucionar o problema ambiental representado pelo lactosoro resultante da produção do queijo, a da manteiga justifica-se pelos excedentes de gordura do leite que resultam do facto de uma parcela muito significativa do leite líquido que bebemos em nossas casas ser magro ou meio gordo. A produção de leite em pó é quase totalmente efectuada nos Açores e é a forma mais usual de proceder à regulação industrial das dificuldades derivadas da sazonalidade produtiva, que naquele Arquipélago é mais significativa, na razão do regime alimentar seguido pelos animais da região.

Assim e à escala nacional, os benefícios, ao nível das receitas, que poderiam resultar do aproveitamento destas elevadas cotações são bastante escassos. Prova sintomática disto mesmo, está na redução em mais de 25% da produção de leite em pó dos três primeiros meses do corrente ano, em relação a igual período do ano passado (3.066 ton vs 4.121 ton).

Há igualmente que considerar o impacto desta evolução de preços relativamente às empresas do sector que incorporam bens adquiridos externamente (essencialmente leite em pó) nos seus produtos. Obviamente, essa incorporação se feita em moldes idênticos é muito penalizada pelo forte aumento do leite em pó. No entanto, essa incorporação, na grande maioria dos casos, resulta de motivos técnicos, mas, muito particularmente, de motivos de economia face à utilização de leite em natureza. Sendo assim, a maior parte das empresas está, nesta altura, pura e simplesmente a abdicar da incorporação de leite em pó, utilizando leite cru em sua substituição, sendo que o mercado nacional (e ibérico) de abastecimento tem permitido, com mais ou menos dificuldades, colmatar essas necessidades adicionais.

Assim, até pela relativa auto-suficiência do mercado lácteo português, muito dificilmente serão sentidos, ao nível dos diversos elos da fileira, impactos significativos deste ciclo conjuntural de evolução de preços (que apesar disso poderá ainda prolongar-se por mais alguns meses). Refira-se, ainda, que essa tem, também, sido a evolução verificada nos mercados lácteos de grande parte dos países europeus e a prática das mais importantes empresas europeias, que à euforia do comércio internacional, contrapõe uma elevada sobriedade de actuação nos seus mercados de influência.

Uma última nota para referir que apesar do claro sinal conjuntural que esta situação apresenta, os vários estudos coincidem na conclusão de que os preços destes bens muito dificilmente voltarão às cotações anteriores ao início deste período. Isto poderá ter um outro impacto positivo que é o de aproximar muito mais rapidamente os preços europeus dos preços do mercado mundial, o que, tendo em conta os cenários de futura liberalização do sector, poderá acabar por ser uma importante ajuda no percurso de adaptação a esse novo cenário que o sector lácteo português e europeu terão por certo que trilhar.
Pedro Pimentel, Secretário-geral da ANIL

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