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“Não se acredite no apocalipse do retalho físico”

Por a 28 de Junho de 2021 as 15:21

bernardoBernardo Perloiro, chief operating officer da retalhista Majid Al Futtaim, esteve de passagem por Portugal e foi orador no congresso da APDC. Ao Hipersuper, o responsável explica como as empresas de retalho estão mais aptas para lidar com a imprevisibilidade das operações

Bernardo Perloiro, agora COO da Majid Al Futtaim, esteve, antes disso, a trabalhar na Walmart China. Apesar de as operações online continuarem com ritmos de crescimento importantes, o responsável acredita que as lojas físicas continuarão a ter a mesma relevância nas operações. “As lojas físicas continuarão a ter o seu lugar, exatamente na medida em que mantiverem a relevância aos olhos dos seus clientes”, defende.

A pandemia teve implicações disruptivas na cadeia de abastecimento, nomeadamente ao nível da stockagem. Como é que as ferramentas tecnológicas ajudaram os retalhistas a manterem os seus stocks durante a pandemia?
A pandemia colocou desafios sem precedentes às empresas de distribuição alimentar, entre outras, e em particular nas áreas de “supply chain”. Mas, na verdade, é justo reconhecer que as disrupções de abastecimento foram meramente pontuais e quase irrelevantes, o que mostrou a resiliência do ecossistema e o nível de “readiness” dessas cadeias. Aqui, como noutras áreas, as ferramentas tecnológicas foram e são fundamentais, por exemplo na previsão das quantidades de produtos mais críticos e na sua articulação com a indústria.

A pandemia veio criar mais imprevisibilidade nas operações no retalho. Como é que as cadeias de retalho estão a responder a esta questão no sentido de racionalizarem as suas operação?
Em primeiro lugar temos que reconhecer e agradecer a enorme dedicação, esforço e abnegação de todos aqueles que, nas empresas de distribuição alimentar e nas diferentes indústrias, nos continuaram a garantir o abastecimento diário de todos os bens. Neste aspeto, Portugal comparou extraordinariamente bem com os restantes a nível global. Depois de num primeiro momento ter sido necessário fazer face a consumos de pânico, com situações pontuais de out of stock, e de ter de dar respostas imediatamente, as empresas conseguiram estabilizar os seus stocks e garantir a racionalização e eficiência das suas operações como anteriormente.

Depois do que se passou durante a pandemia – falo da corrida às lojas e à ruptura de stock – as companhias de distribuição estão mais preparadas para lidar com a imprevisibilidade?
Os diferentes sistemas das empresas foram sujeitos a stress tests durante a pandemia que quer do ponto de vista e revisão dos processos quer na adoção de novas tecnologias os colocam mais bem preparados para eventos no futuro.

Como é que se está a responder em termos de agilidade da operação para lidar com o imprevisível?
Um pouco por todo o mundo, durante o período critico da pandemia, as
empresas adotaram planos de contingência que simplificaram e agilizaram até à última potencia as suas operações ao essencial e verdadeiramente importante para os seus clientes. Após o período crítico, em muitos casos, estes planos e esta forma de atuar, passaram a ser o core da estratégia das empresas e desta forma os negócios e os processos de decisão que se tornaram bastante mais ágeis. Por outro lado, a pandemia acelerou a convergência de offline e online abrindo assim canais inovadores e complementares de servir os consumidores.

Porque é que a transparência supply chain transparência surge hoje como um elemento tão fundamental, quando no passado mal se colocava?
Sem dúvida que a transparência na cadeia de “supply chain”, até de uma forma geral em toda a atividade de uma empresa, é um elemento fundamental para a credibilidade e confiança dos consumidores. Todas as questões associadas a temas como, por exemplo, a sustentabilidade, segurança alimentar, qualidade intrínseca, rastreio dos produtos desde a origem, a produção local ou a neutralidade carbónica estão hoje na agenda dos consumidores, que mais educados e sensíveis em relação a estes temas se tornaram muito mais exigentes. A comunicação e a transparência são essenciais.

Fala-se também muito na centralidade do cliente. E hoje, as operações dos retalhistas estão em vários canais. Como colocar o cliente no centro da experiência de compra numa visão holística de toda a operação?
A visão só é holística exatamente se colocarmos o cliente no centro. Os diferentes canais são a resposta para servir os clientes “onde eles querem, quando querem e o que querem, sempre”. Mais do que um modelo de negócio ou estratégia é uma questão de sobrevivência. Customer Centric Always.

Depois da pandemia, o retalho tem de se reinventar? Essa reinvenção passa por que aspetos?
Recentemente no 30º Digital Business Congress da APDC tive oportunidade de partilhar aquelas que acredito serem as “7 Tendências de Inovação do Retalho” do momento atual: trazer as experiências de loja para o online; contact-free shopping, com recurso a tecnologia; novos conceitos de retalho que promovam a acessibilidade; robots inovadores, lojas autónomas e smart stores; relevância da saúde, bem-estar e higiene; dados e personalização; sustentabilidade, comunidades e experiência ou “fun”.

Em Portugal, onde o e-commerce era praticamente residual no retalho alimentar, houve um aumento muito significativo. É previsível que o online continue a crescer nos retalhistas alimentares?
O retalho como outras atividades há muito que passou a ser “phygital” – uma convergência entre o físico e o digital, onde o offline e o online se fundem e se combinam. Mais do que o “novo normal” o “next normal” será um espaço onde o online continuara a crescer a ritmos muito acelerados, mas onde a loja física terá o seu lugar desde que consiga manter a sua relevância e atratividade. Não se acredite, contudo, no apocalipse do retalho físico, pois ainda hoje em cada seis transações cinco delas ocorrem em lojas físicas. Mas os negócios estão a transformar-se rapidamente.

Dadas as características dos produtos vendidos no retalho alimentar, nomeadamente frescos, os clientes não poderão continuar a preferir deslocar-se aos pontos de venda? Ou é uma visão muito tradicionalista da realidade?
Sem dúvida que os frescos ou perecíveis, de uma forma geral, ainda são áreas que os clientes mais resistem a transferir para a compra online. Mas, à medida que a qualidade dos serviços evoluírem, acredito que algumas barreiras possam diluir-se. Por outro lado, a proximidade, a origem local, e a acessibilidade, a par com a diferenciação da experiência de compra das lojas físicas, podem contribuir para manter o tráfego offline.

Muitas operações online ainda não são rentáveis no retalho alimentar. Que estratégias devem ser adotadas para melhorar a rentabilidade das operações?
A utilização de tecnologia, sobretudo ao nível da automação, robotização e inteligência artificial são estratégias que a generalidade dos players tem vindo a implementar para ganhar eficiência e melhorar a rentabilidade das operações. Também no que diz respeito ‘a entrega ou “last mile”, que na generalidade dos casos ‘é a parte da operação que mais onera a exploração dos modelos de negócio online, desenvolvem-se muitas parcerias entre empresas, algumas delas start-up’s, descentralizam-se os locais de picking das ordens dos clientes por forma a estar mais próximo, ou também através da aplicação de tecnologia que vão desde eletrificação de redes de transporte, otimização de rotas de distribuição.

A pandemia veio mostrar, pelo menos em Portugal, que os clientes estão menos fiéis às insígnias e que se deslocaram a lojas de outro formato. No novo cenário e com as novas gerações a ser menos fiéis às marcas, o tema da fidelização constitui um desafio?
Sem dúvida. É por isso que a correta utilização de “data” ou dados é tão relevante para a construção de relacionamento com os consumidores e personalização da experiência de compra.

Começaram a surgir, há anos, pontos de venda sem colaboradores – Amazon Go, por exemplo – sendo possível fazer todas as compras através da tecnologia. Caminharemos inevitavelmente para aí ou este é um cenário bastante futurista?
Lojas “unmanned” ou autónomas, ou com mínimo de intervenção humana, já são uma realidade hoje em dia e continuarão a desenvolver-se para contextos sobretudo de conveniência e “food to go”.

Sendo o presente e o futuro phygital, as lojas físicas continuarão a ter a mesma importância?
As lojas físicas continuarão a ter o seu lugar, exatamente na medida em que mantiverem a relevância aos olhos dos seus clientes. Mais do que nunca as lojas físicas vão diferenciar-se pela experiência de compra, pela interação – humana e tecnológica, pelo aspeto sensorial. Nalguns casos poderão ser apenas “show rooms”, mas ainda assim determinantes para os retalhistas, fornecedores, marcas e clientes.

Neste âmbito, será no futuro mais fácil estudar o comportamento dos consumidores?
Haverá cada vez mais “data” e mais capacidade tecnológica e inteligência para tratar e utilizar os dados de forma efetiva no suporte das decisões quer dos retalhistas quer dos clientes. Um aspeto muito relevante é toda a questão de proteção de dados e privacidade.

E as cadeias de retalho terão ou poderão ser mais flexíveis na resposta que têm de dar aos clientes?
Embora soubéssemos, a pandemia mostrou e impulsionou uma muito maior necessidade de agilidade e utilização de tecnologia. As empresas aumentaram a velocidade das suas decisões de forma extraordinária e avançaram nos últimos 12 meses como talvez nunca tivessem feito antes. Flexibilidade, agilidade e adaptabilidade são o “name of the game”.

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