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Carlos Moedas: “Há em Portugal um invulgar clima de inovação tecnológica”

Por a 2 de Abril de 2018 as 11:16
Crédito: Paula Nunes

Carlos Moedas foi o convidado da primeira edição das conferências CSP Talks. Olhando para a Europa na próxima década, o comissário europeu para a Ciência, Inovação e Tecnologia defende uma maior soberania do poder central europeu para colmatar as lacunas do mercado digital e incentivar o investimento

A “fragmentação legislativa” do mercado europeu e a “unanimidade” requerida nas decisões afetas aos países-membros são os principais entraves à captação de investimento e ao desenvolvimento de um mercado digital único na Europa, sendo por isso necessário aumentar os “poderes reais da Comissão Europeia” (CE), defendeu Carlos Moedas, comissário europeu para a Ciência, Inovação e Tecnologia, durante a primeira edição do evento CSP Talks. A iniciativa organizada pela Confederação dos Serviços de Portugal (CSP) e pelo jornal online ECO teve a sua primeira edição em janeiro deste ano.

Para colmatar estes problemas, segundo o responsável, o programa que a CE está a preparar para o período de 2021 e 2027 tem como pilares “dar mais força ao poder executivo europeu e desenvolver o mercado digital único”. O documento fica concluído no final da primeira metade do ano, pelo que este é o momento de países-membros e agentes económicos “puxarem a brasa à sua sardinha” e influenciar as decisões políticas que vão condicionar os próximos dez anos de uma comunidade europeia já sem o Reino Unido, alertou o antigo secretário de Estado Adjunto do Governo de Passos Coelho.

Carlos Moedas defende que a Europa precisa ter capacidade de elaborar um modelo político que permita passar de uma economia “de distribuição” para uma economia de “acesso” – “o que tem que ver com os serviços”.

Depois de “comandar a primeira fase da revolução digital”, com o surgimento de empresas como a Nokia ou a Siemens, a comunidade europeia perdeu a liderança para os Estados Unidos. A segunda fase da digitalização da economia é comandada por multinacionais como Google, Facebook ou Uber.

“A boa notícia é que estamos a entrar numa terceira fase”, explica o comissário, para quem “um dos pontos fracos” da comunidade europeia, como um todo, assenta na dificuldade de passar da ciência e do conhecimento ao produto. “A Europa é boa a transformar dinheiro em conhecimento mas não o contrário”.

Vislumbrando uma emergente terceira fase da digitalização, que está a colocar a Europa numa posição mais favorável em termos competitivos, o comissário acredita que Portugal “tem uma grande oportunidade no mundo digital”, por ter conseguido “criar nos últimos dez anos uma extraordinária rede de empreendedores”.

“Há um clima de inovação tecnológica que não se sente em outros países. Portugal é um país de ‘early adopters’, onde as pessoas gostam de experimentar e tem empresas como a Feedzai, por exemplo, que hoje vende produtos de segurança bancária nos Estados Unidos. Não conheço na Europa muitas que façam o mesmo”.

Os desafios do financiamento e do mercado digital único

O comissário com mandato até 2019 não tem dúvidas: uma das “peças fundamentais” que falta para acelerar o desenvolvimento da Europa é o financiamento. “Os Estados Unidos, por exemplo, por serem muito menos dependentes da dívida bancária, levantaram no ano passado 36 mil milhões de dólares em investimento, enquanto a Europa levantou cinco ou seis mil milhões de dólares. O que é mais extraordinário é que um país pequeno como Israel consegue levantar quase tanto capital como toda a Comunidade Europeia”.

Lembrando que durante a crise “o dinheiro para capital de risco veio de fundos públicos”, Carlos Moedas sublinha a necessidade de atrair capital privado. Para isso, há que “conseguir provar que a Europa não é um conjunto fragmentado de leis e de Estados, na qual para construir uma empresa europeia é preciso instalar uma filial em cada país da comunidade. Somos 500 milhões de habitantes e temos que atuar como um todo”.

Já no sentido contrário – quando se trata de ser a Europa a conceder financiamento a operadores estrangeiros -, o comissário pensa que a Comissão tem sido “ingénua”.

“A política na Europa é a mais correta mas apercebi-me do quão ingénuos somos por assumirmos que os outros países obedecem às mesmas regras e princípios. Por exemplo, há empresas chinesas na Europa a receber apoio financeiro público, mas não há reciprocidade do Estado chinês para as empresas europeias que se instalam lá”.

Neste sentido, o responsável pensa que a melhor forma de “civilizar a globalização” passa por “obedecer ao princípio da reciprocidade”: apenas firmar parceria com empresas ou países que estejam em consonância em termos de regras e valores.

No que diz respeito ao desenvolvimento do mercado digital único na Europa, a unanimidade” entre os 27 estados é um dos principais entraves. “É quase impossível haver unanimidade entre 27 países. Para o mercado digital único temos que ter unanimidade em questões relacionadas com a atividade fiscal e impostos, entre outros aspetos. Já poderíamos ter avançado na legislação – os países pagavam impostos onde produzem – mas nem todos estão de acordo. E aí precisávamos de sair da regra da unanimidade. É importante revertermos certas regras para acelerar as tomadas de decisão na Europa. Muitas vezes não é a Comissão Europeia que travas as decisões, mas os países”, remata o comissário.

 

 

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