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A escalada de Bezos e da Amazon durante a pandemia

Por a 12 de Outubro de 2020 as 15:16

Jeff BezosDurante a pandemia, a gigante norte-americana ultrapassou 1,5 biliões de euros em capitalização bolsista. Como um vendedor de livros online alcançou uma fortuna que chegou a atingir recentemente 207 mil milhões de euros

É o homem mais rico do mundo com um património líquido que atingiu o seu pico a 2 de setembro, avaliado em 207 mil milhões de dólares. A companhia que fundou não parou de valorizar durante a pandemia. O comércio online disparou e, como seria de prever, a Amazon acabaria de ser uma das companhias com as ações a disparar em bolsa durante a pandemia. Se a empresa ultrapassou uma capitalização, em bolsa, de 1 bilião de dólares em fevereiro de 2020, em reação aos resultados atingidos no quarto trimestre de 2019, a meta agora passa por chegar a um valor de 2 biliões de dólares. A sua capitalização bolsista é, neste momento, de 1,58 biliões de dólares.

Se cada ação da gigante tecnológica valia 1.875 euros na abertura da bolsa a 2 de janeiro, o valor atual é bastante superior. À data de 15 de setembro, dia do fecho desta edição, a companhia abria o mercado a negociar a 3.136 de dólares por título, acabando a sessão com cada ação avaliada em 3.146 de dólares. Neste mesmo dia, a companhia fundada por Bezos acabara de anunciar o lançamento da plataforma de comércio “luxury stores” para marcas de luxo, disponível apenas na aplicação da Amazon e que teve como primeiro parceiro o estilista Oscar de la Renta. O que provocou, no mesmo dia, uma valorização da companhia em bolsa. O património líquido do fundador, um dia antes, era de 183 mil milhões de dólares. Esta é a mais recente aposta da companhia de um homem que sempre disse ter sido guiado pela intuição e pela paixão quando aposta num projeto.

Mas recuemos para se perceber a dimensão dos ganhos da Amazon durante o confinamento. Num período em que a crise económica se agudizou um pouco por todo o mundo, com o desemprego a disparar, a Amazon, ainda que tenha tido despesas de 4 mil milhões de dólares  em medidas de segurança relacionadas com a Covid.19, acabou o segundo trimestre com um resultado líquido de 5,2 mil milhões de dólares, o dobro do atingido no mesmo período de 2019, de 2,6 mil milhões de dólares. A Amazon, só nos Estados Unidos, foi empresas beneficiadas com o crescimento do comércio eletrónico, cujas vendas cresceram 92,7% em maio, de acordo com um estudo da Mastercard, que indicava ainda que os consumidores norte-americanos gastaram mais de 53 mil milhões de euros em compras via e-ecommerce, em abril e maio.

Os analistas, após os resultados da companhia fundada por Bezos, já prognosticavam não estar muito distante o dia em que a Amazon atingirá um valor de 2 biliões de euros. Foi o caso de Lloyd Walmsley, analista do Deutsche Bank, que acredita que a companhia poderá atingir essa meta num futuro não muito distante. O analista, que elevou o preço-alvo das ações de 3.300 dólares para 4.000 dólares, justificou que as ações da Amazon “dominam totalmente” as tendências de mercado. O analista não foi o único a prever um crescimento de 30% no próximo ano em relação ao valor atual das ações da companhia. O UBS prevê que cada ação também poderá atingir 4.000 euros. Embora a própria Amazon tenha salientado que existe um clima de incerteza por causa da pandemia, o facto de os consumidores terem aderido em massa ao e-commerce para evitar deslocações às lojas físicas poderá perfeitamente colocar o valor acionista da Amazon nesse patamar.

Com as receitas a subirem 40% e obtendo o maior lucro dos 26 anos da sua história, a empresa não tem parado de contratar, de crescer e de adquirir. Anunciou, ainda na semana passada, a contratação de 100 mil trabalhadores nos Estados Unidos, na sua quarta vaga de contratações anunciada este ano no país. As vagas serão ocupadas em tempo parcial e total no Canadá e nos Estados Unidos em cem novos armazéns e centros de operações. A companhia, no início de setembro, abriu um processo de recrutamento de 33 mil trabalhadores para cargos corporativos e tecnológicos. E anunciou 100 mil e 75 mil empregos para as suas operações em março e abril, respetivamente.

As contratações refletem, aliás, a constante necessidade da maior companhia de comércio online, a nível mundial, de ter mais força de trabalho para selecionar, embalar e enviar os produtos para os seus clientes. A Amazon está, ao mesmo tempo, a investir no aprofundamento da automação nas suas infraestruturas mais recentes. “Continuaremos a implementar a tecnologia onde for apropriado” e “onde podemos melhorar nossa operação geral”, disse Boler Davis, recentemente nomeado para liderar a equipa sénior da Amazon, em entrevista.

Por outro lado, a companhia norte-americana viu aprovada, em agosto, a aquisição de uma participação de 16% na empresa de entrega de comida online Deliveroo, por parte do regulador britânico da concorrência, presente em vários países. Mais um investimento, mais uma oportunidade para fazer uma companhia crescer e avançar para outros territórios.

Da incerteza para o domínio do comércio global

amazon_go_2O império da Amazon abrange, hoje, o maior marketplace mundial, lojas físicas de retalho, conteúdos televisivos. E tudo começou numa modesta garagem. E com o lançamento de uma plataforma de comércio eletrónico que Bezos, em 1995, aquando do seu lançamento oficial, a denominou como a plataforma com “Maior Livraria da Terra”. À época, o próprio Jeff Bezos e os seus poucos colaboradores empacotavam e enviavam, por correio, as encomendas.  A primeira venda, em julho de 1995, foi o livro “Fluid Concepts & Creative Analogies: Computer Models of the Fundamental Mechanisms of Thought”, de Douglas Hofstadter. Mas os primeiros seis meses da operação não foram promissores. A empresa vendeu apenas meio milhão de dólares em livros num semestre. Apesar de uns primeiros meses dececionantes, a companhia do jovem Bezos atingiu vendas de 15,7 milhões de dólares em 1996. No ano seguinte subiram para 157,8 milhões de dólares. Quatro ano mais tarde, a Amazon atingia uma receita de 1,6 mil milhões de euros. Ainda assim, a empresa acabaria o ano com prejuízos de 719 milhões de euros.

No mesmo ano, Bezos levantava dúvidas sobre o sucesso da operação: “Não há garantia de que a Amazon.com possa ser uma empresa de sucesso. O que estamos a tentar fazer é muito complicado”. Os próprios investidores, vivendo na época da bolha das dot.com, duvidavam da rentabilidade do negócio, depois de a Amazon já ter os próprios ativos e armazéns para expedir as encomendas, apelidando-o como mais um sonho febril das dot.com.

Mas não passou muito tempo até a Amazon expandir os horizontes. Em 1998, a Amazon inicia a venda de CDs, numa secção lançada com 125 mil títulos. Seguiu-se o lançamento, em 1999, de um marketplace onde a empresa permitiria a vendedores terceirizados o comércio de produtos usados. Passaram, em breve, a ser comercializados, produtos de eletrónica, brinquedos e utensílios de cozinha. E no final da década de 90, com o alargamento da rede de armazéns das empresas a ajudar a aumentar a oferta da plataforma, esta começou a ganhar grande popularidade junto dos clientes. Seguem-se o lançamento do Prime, em 2005, e do Kindle dois anos depois, tornando-se líder global do setor.

“Não havia uma única pessoa com experiência financeira que apoiasse a decisão de lançar o Amazon Prime. Zero. Todos mostravam que seria um desastre. Logo, tudo tinha de ser feito com coragem”, afirmou Jeff Bezos, em 2018, numa entrevista no Economic Club Washington D.C. Na cabeça do fundador da Amazon as decisões eram baseadas não só na razão. A intuição foi sempre uma componente importante na explicação do seu sucesso. “Quando se pode tomar uma decisão com base na análise, devemos tomá-la, mas na vida as decisões mais importantes são sempre feitas com instinto, intuição, gosto, coração”, afirmou na mesma entrevista.

O império da Amazon não tem parado de crescer, tendo a companhia de Seattle adquirido, em 2017, a Whole Foods por 14 mil milhões de dólares, a sua maior aquisição de sempre, depois de, em 2015, ter aberto a primeira loja física da cadeia de livros Book Stores. Surge, em 2018, a Amazon Go, um modelo disruptivo no setor do retalho alimentar.  Uma das razões para a companhia avançar para o comércio físico prende-se com o aumento da eficiência da operação, como explicava um artigo publicado na Forbes em 2018.  Numa época em que a omincalidade invadiu a lógica do comércio, as redes de lojas físicas podetão funcionar como pontos de recolha dos clientes, reduzindo os custos de entrega da empresa. E, além disso, atrai clientes para a loja, que podem adquirir mais artigos quando fazem a recolha do seu pedido online.

Mas a Amazon ganhou tanto poder, que é acusada de tirania por parte dos vendedores presentes na plataforma. É o caso de Charlene Anderson, vendedora de artigos de artesanato. À revista Time, Anderson conta que, em março, a Amazon notificou os vendedores de que, durante a pandemia, os seus armazéns apenas aceitariam alimentos básicos, produtos médicos e outros produtos com elevada procura, não determinado o que aceitaria. Anderson contou à revista que podia enviar alguns dos seus produtos, enquanto outros não. Podia enviar agulhas de tricô de um determinado tamanho, mas de outro não. Esta arbitrariedade fez com que muitos vendedores vissem as suas vendas descer exponencialmente. O poder da Amazon deixa, porém, os vendedores sem alternativa. “O que vamos fazer, protestar e não vender na Amazon? ”, questionou a vendedora. “Se o fizer, simplesmente vou matar todo o meu negócio. Eles encontrarão outra pessoa para vender esses produtos”, acrescentou. A Amazon tem vindo a ser investigada por práticas anti-concorrenciais e de abuso da sua posição no mercado em vários mercados, nomeadamente na Europa e na Índia. A história de Bezos, como a de todos os grandes empresários de sucesso, resume-se, portanto, em poucas palavras: sucesso, poder e uma ambição desmesurada.

*Artigo originalmente publicado na edição de setembro do Hipersuper

 

 

 

 

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