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“A aproximação ao momento pré-covid vai depender muito da confiança”

Por a 10 de Julho de 2020 as 15:41

1Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca, considera que a inovação vai ter um papel importante durante a crise, mas avisa que esta terá de ser mais assertiva

Pedro Pimentel considera que os bens de grande consumo, em algumas categorias, são os mais resilientes durante as crises. Apesar de tudo, vai haver perdas, mais numas categorias do que noutras. “Muitas vezes é preferível gerir uma rentabilidade menor, mas em que consigamos trabalhar com ela num prazo mais longo do que uma situação em que os altos e baixos são muito frequentes”, diz, referindo-se à incerteza que a pandemia está a gerar na economia. Por outro lado, na relação entre marcas de fabricante e cadeias de distribuição, o diretor-geral da Centromarca pensa que não se irão repetir práticas do passado, mas avisa que haverá sempre essa tentação.

Que perplexidades a situação pandémica está a gerar nos fabricantes?
A questão mais complicada é como fazer outlook para daqui a três ou seis meses. Numa empresa, se tiver de discutir previsibilidade e rentabilidade, esta última é muito importante. Mas a previsibilidade também é. Muitas vezes é preferível gerir uma rentabilidade menor, mas em que consigamos trabalhar com ela num prazo mais longo do que uma situação em que os altos e baixos são muito frequentes.

O que está a gerar mais preocupação?
Em primeiro lugar, a questão económica. Na sociedade vamos ter, em média, rendimentos disponíveis mais baixos, o que terá consequências no consumo. Embora a maioria dos associados da Centromarca atue num setor bastante resiliente, não deixa de sofrer os impactos destas crises. Num primeiro momento, há uma troca de consumo fora de casa para dentro de casa, o que não afeta demasiado numa primeira fase o consumo. Depois, as pessoas, confrontadas com um rendimento menor, tendem não a reduzir o seu consumo, mas a baixar o padrão de valor do seu consumo.

Em relação à última crise, há agora uma maior componente de incerteza. Está a gerar mais stress nas empresas?
Sim. Nas empresas que trabalham apenas monoproduto, ou duas ou três referências, é mais antecipável se a situação é mais gravosa ou não. A incerteza existe, e multiplica-se francamente, quando falamos de empresas que têm multiproduto. Muitas vezes, a mesma empresa vende produtos que até estão a vender muito bem e estão a reagir muito bem à crise e outros que não vendem absolutamente nada. E depois temos empresas que, basicamente, estão em gamas muito interessantes do ponto de vista estrutural, mas que, nesta fase, por as pessoas estarem muito tempo em casa, saem penalizadas.

O que esperar com a reabertura?
Não nos vai colocar no momento menos um. Mas a aproximação a esse momento menos um vai depender muito da confiança. E aqui uma das chaves está em não deixarmos de ser quem éramos. Mesmo não tendo a perspetiva de manter um rendimento ao nível do que tínhamos antes, há comportamentos que são quase implícitos à natureza humana, dada a natureza de países como o nosso, onde as pessoas fazem uma vida exterior muito forte. Neste tempo, o importante é conseguir convencer as pessoas que, com as regras novas, estas não serão impeditivas de fazerem basicamente tudo, mas com um determinado conjunto de cuidados.

No canal da distribuição houve a fase de açambarcamento. Depois as coisas estabilizaram. Pode dizer-se que já há uma quebra?
Se compararmos com as semanas homólogas de 2019, o pré-covid e o pós-covid, em 2020, estão a ser francamente mais favoráveis que o 2019. Mas, pela natureza da situação, não me parece que se possa cantar antecipadamente vitória, que vá ser um ano que vá fechar favorável. À data, e os últimos dados que temos disponíveis de mercado, de meados de maio, são francamente positivos. Mas não estamos a falar de um universo todo positivo.

Quais são os positivos?
Tudo o que tem a ver com alimentação, principalmente a mais básica. E tudo o que tem a ver com a higiene. Tudo o que tem a ver a ver com vida exterior, como produtos de cuidados masculino, produtos de indulgência, como bebidas espirituosas, são categorias mais afetadas. Porque as pessoas dificilmente fazem as compras com o mesmo ritmo calmo que esse tipo de compra exige. Fazem, nesta altura, num ritmo acelerado. As pessoas estão a comprar aquilo que mais precisam sempre com a convicção. de que, quanto menos minutos estiverem dentro de uma loja, mais tranquilo é para a sua situação.

2Já assistimos a um aumento das promoções.
Depois das semanas da grande confusão e de açambarcamento e, quando as pessoas começaram a ir muito menos às lojas, o impacto das promoções nas vendas totais baixou claramente. Muitas promoções que são contratadas pelos supermercados dizem respeito a produtos que não têm nada a ver com a alimentação básica. A partir do momento em que as pessoas não compram uma parte substancial destes produtos significa que, dentro dos 100% das compras que fazem, logicamente o peso da promoção baixou. E o peso da promoção baixou mais de 40%.

Mas prevê-se que aumente…
Esse aumento é por força da quebra de rendimento das famílias e porque ao, longo destas semanas, o comportamento do retalho não foi exatamente igual. E a reação natural numa competição, porque não deixa de ser uma competição entre retalhistas, é que aqueles que se sentem mais pressionados em quota de mercado em termos de vendas, reajam. Um dos males deste período de Covid é que, apesar de tudo, no último ano e meio dois anos, sentíamos que a pressão promocional existia, mas que os retalhistas começavam a dar atenção a outros aspetos da área comercial que não apenas o preço e a prateleira. O temor destas coisas é colocar-nos, outra vez, perante uma guerra pura e dura de prateleira.

Haverá barreiras à entrada nos supermercados?
É natural que os haja. A partir do momento em que estamos a falar das marcas de distribuidor e a partir do momento em que estamos a falar do maior peso que as marcas de distribuidor podem ter nas vendas, tudo passa por uma questão tão simples como o facto de o peso das vendas derivarem muito do espaço de prateleira que se ocupa. Não sendo o espaço de prateleira infinito, a partir do momento em que se ocupa mais metros com um determinado tipo de produto, tem de se desocupar metros com outro tipo de produto. A competição entre marcas de distribuição e as marcas de fabricante faz-se a vários níveis, como a qualidade e preço. Mas faz-se essencialmente ao nível do gap de preço, sendo que esse gap de preço não tem a ver com os custos dos produtos, mas muitas vezes com as margens que são aplicadas aos produtos.

O que sucede então?
Quando se alarga o gap, estamos a conduzir as pessoas para o produto que, por diferencial, é mais barato. Sabemos que nas alturas em que a competição não é apenas entre as marcas, mas também é uma competição entre retalhistas, basta que uma das insígnias baixe os preços das marcas próprias para motivar normalmente a reação de outros. O mercado todo, não sendo objeto dessa competição, acaba por sofrer sempre um dano colateral. É expectável que isso aconteça, que a promoção vá ser utilizada neste momento.

Na última crise, as marcas de fabricante, através do esforço promocional, acabaram por ter um bom desempenho.
Quando uma cadeia de distribuição quer fazer promoções, é natural que as faça com todos os produtos, inclusive com os próprios. Mas do ponto de vista de concorrência é mais fácil quando essa promoção é feita com produtos que as pessoas facilmente comparam em termos de preço de prateleira de um lado e do outro. No período mais forte da crise anterior, vimos que o comportamento de Portugal era bastante atípico relativamente a dois níveis. No peso da marca própria, que não disparou em Portugal, ao contrário de outros países, porque a promoção era essencialmente feita com produtos de marca de fabricante. O esforço associado à promoção era suportado não pelo retalhista, mas pelo fabricante. Isso ajudou. Isso fazia com que o gap de preços entre a marca branca e a marca de fabricante não fosse tão elevado.

E nas cadeias de discount?
Fora de Portugal as alturas de crescimento do Aldi e do Lidl ocorreram em períodos de crise. Em Portugal, não. O Aldi não teve grandes crescimentos. O Minipreço pior ainda. Apostando as grandes cadeias, principalmente duas, num forte movimento promocional, a dada altura, as pessoas já não percebem qual é o hard dicounter. Hoje, o posicionamento das várias cadeias está um pouco diferente. As duas alemãs, e também o Minipreço com o boost que teve agora, estão mais preparadas.

As marcas da distribuição começaram a colocar produtos mais sofisticados nas prateleiras. Em relação à última crise, esta componente poderá dificultar a vida das marcas de fabricante?
A evolução das marcas do distribuidor vai no sentido de uma aproximação na qualidade, na embalagem e na imagem. É óbvio que as pessoas têm cada vez mais encontrado na marca de distribuidor uma resposta que não é de falta de qualidade. Atualmente, o mercado penaliza imediatamente a falta de qualidade. Os produtos que são maus, saem. As marcas de distribuição estão mais preparadas para fazer esta passagem, porque têm esse grau de sofisticação. Mas também é preciso ter a noção que, quando entramos em níveis de qualidade superiores e de sofisticação superiores, os gaps de preço não podem ser tão elevados, porque o nível de qualidade que está implícito num produto não permite que os diferenciais de preço sejam assim tão altos.

3Ou seja…
Quem está numa cadeia de retalho, tem umas torneiras que abre e fecha, mediante o que são os seus interesses em cada momento. Mas, ao fazerem isso, não podem perder o consumidor colocando os preços excessivos ou a qualidade demasiado baixa. E também não podem perder os fornecedores porque são estes que fornecem as suas marcas. Em relação a momentos anteriores, há também alguma probabilidade de, neste período de crise, haver convulsões. Estamos todos preparados, fornecedores, espaços e consumidores, para ver estas coisas com um grau de maturidade diferente daquele que tivemos em 2012.

Disse recentemente ter o receio de voltar a práticas antigas. Quer concretizar melhor?
A partir do momento em que todos temos contas a apresentar no final de cada período a acionistas e verificamos que as coisas não estão a correr bem, há sempre alguma tentativa de irmos recuperar uma parte que perdemos em outros locais. E é isso que queremos evitar. Nesta altura estamos todos enfiados no mesmo barco. Independentemente de haver empresas com um comportamento melhor ou pior, os próprios retalhistas, até este momento, não se estão a queixar propriamente do ano. Mas vão-se queixar. Porque o ano não vai ser favorável. Temos de estar muito atentos para que não haja a tentação de ir a outra casa que não a nossa tentar repor aquilo que são situações menos próprias num determinado contexto.

Defende que o risco da inovação é maior. E esta é importante para criar diferenciação. Estas decisões são, de momento, mais complicadas, imagino.
Percebemos que a inovação tem um custo e este não é pequeno em termos de desenvolvimento até chegar ao mercado. Se o mercado não responder positivamente à inovação, o que se percebe é que se fez um investimento que falhou. E sabemos que, quando as pessoas têm menos dinheiro no bolso e menos apetência a gastar dinheiro, a probabilidade desse investimento falhar é maior. Há um equilíbrio muito complicado de gerir entre o que é o esforço e o custo desse esforço e os resultados que depois podemos expectar dele. O que é relevante para as marcas é terem de se focar em aspetos que correspondem aos anseios das pessoas, quer em termos de mensagem, quer em termos de conteúdo do produto.

Passa por refazer os planos de lançamentos?
É necessário perceber se o grau de prioridade para o consumidor desses desafios anteriores é exatamente igual agora e se há desafios novos. Tivemos uma mudança de contexto e, essa mudança, tem aspetos críticos para quem decide. Os patamares de preço que eu pensaria para um produto podem hoje não ser exequíveis porque as pessoas não estão disponíveis para gastar. E perceber se o nível de preocupações e de prioridades associadas àquele consumo é o mesmo do que há uns meses. Vai haver mudanças, mas não vão ser tão amplas como alguns estudos querem fazer crer. A inovação é relevante. Mas vai ter de ser uma inovação numericamente ainda mais baixa do que é normal. Tem é de ser assertiva.

Das marcas de fabricante que estão mais expostas ao canal Horeca, houve o encerramento dos estabelecimentos e agora há outra incerteza relacionada com a segurança que as pessoas vão sentir para frequentar esse canal, além das limitações que ainda existem. O que é essas marcas poderão fazer para saírem menos prejudicadas desta situação?
Essa é das equações mais complicadas, porque interfere com uma segunda derivada, que é a do turismo. Para além disso, o comércio que teve mais dinâmica nos últimos três quatro anos foi nas zonas onde a movimentação turística era muito forte. O que se está a passar no canal horeca tem muito a ver confiança. E a confiança é uma coisa muito complicada de gerir. Neste momento, o problema não são as regras que foram impostas na restauração. O problema, neste momento, é muito mais a falta do cliente do que o problema de as mesas estarem espaçadas. As pessoas ainda não estão a recuperar.

Uma situação ainda difícil.
Do ponto de vista das marcas, levanta um problema muito complicado a dois níveis. O primeiro é o de ajudar à reabertura. Mas há um segundo. Basicamente todos os estabelecimentos que fecharam e alguns fecharam a meio de março, não pagaram também o que tinham encomendado e comprado antes das datas. Para quem vende, há um misto de ter de ajudar as casas, porque se eu não ajudar, eu não vendo. Mas há alguns clientes, que não sabem se terão condições para se aguentarem. E estar a alimentar máquinas que não vão ter condições para continuar é uma questão muito complicada. As marcas estão a fazer algumas coisas interessantes, seja com a reorganização dos contratos de fornecimento, seja oferecendo produto.

Tem-se falado muito que o aumento do e-commerce continuará depois desta fase. Não será um cenário demasiado otimista?
Em Portugal, um pouco acima de 1% das vendas eram feitas online no supermercado. Se tivermos um crescimento de 400% no online, passamos de 1% para 5%. Não estamos a falar de uma coisa estratosférica. Quem faz compras online na área do supermercado, normalmente não gosta muito de comprar produtos frescos online. E muitas pessoas não gostam de pagar portes para receber encomendas. E os supermercados, e bem, cobram portes nada exagerados. Fazer compras online significa pagar portes. Do lado positivo há três ou quatro coisas que parecem óbvias.

Quais?
Houve muita gente que não tinha até aqui feito compras online. E a coisa não correu mal. Quanto mais não seja para aquilo que são as águas ou o papel higiénico. Há muita gente, possivelmente improvável, que do ponto de vista do comércio eletrónico, no geral, se introduziu agora. Em Portugal, à data de hoje, temos três cadeias de distribuição que têm online. E uma quarta que não tem, mas trabalha com o Mercadão. Começando a existir mercado, estas cadeias que hoje não estão no oniline vão ser convidadas a aderir rapidamente, porque não vão querer perder este mercado. A dada altura vai haver dois movimentos, o da procura e o da da oferta. Os dois vão contribuir para que o online cresça. A entrega online é muito cara. É pouco rentável quando comparada com o comércio convencional. Julgo que o que vai vingar será aquilo que o Continente está a tentar fazer com mais impacto, que são os sistemas de click and go.

Porquê?
De um lado, o consumidor sente que não paga os tais portes e, como tal, poupa o dinheiro Segundo, não fica sujeito às janelas horárias. E faz aquilo quando lhe dá mais jeito. E o distribuidor também ganha, porque a entrega é muito cara. Para o retalhista, o negócio online não é demasiado favorável. Tem de haver um mix que lhe permita estar presente no online, satisfazer o consumidor e, ao mesmo tempo, ter um grau de rentabilidade um pouco maior. Vão ser os sistemas que vão prevalecer

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