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Entrevista a Paulo Nunes de Almeida, Vice-presidente da AEP

Por a 16 de Abril de 2009 as 18:25

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“O projecto vingou e está vivo”

O “Compro o que é Nosso” vai conhecer uma lufada de ar fresco. Uma oportunidade gerada pela crise. Com os portugueses preocupados com o desemprego e mais sensíveis aos problemas do País, a altura revela-se ideal para convencer os consumidores a comprar o que de bom se faz por cá.

A AEP (Associação Empresarial de Portugal) vai desembolsar um milhão de euros para conferir novo fôlego ao “Compre o que é Nosso”. Paulo Nunes de Almeida, vice-presidente da AEP, explica os objectivos traçados para a nova fase do projecto. A importância das fusões na competitividade das PME, os perigos do proteccionismo, as oportunidades em mercados exóticos, e outras questões, em discurso directo.

Hipersuper (H): O “Compre o que é Nosso” nasceu há ano e meio. Que balanço faz do projecto?
Paulo Nunes de Almeida (P.N.A.):
É positivo. Sabíamos que não ia ser fácil. Mexe com questões culturais, com a forma de estar dos portugueses, que durante muitos anos não se habituaram a dar valor àquilo que é deles. Por outro lado, o projecto tinha de ser extremamente cauteloso relativamente a uma palavra que hoje está mais na gíria, mas que na altura não se falava tanto. Não nos podíamos associar a um projecto que tentasse proteger mercados.

H: Têm actualmente 323 adesões.
P.N.A.:
Sim. Este projecto é diferente dos anteriores.

Durante muito tempo, as empresas não tinham de pagar para aderir a este tipo de iniciativas. Como este projecto é financiado por capitais privados, pela própria AEP, patrocinadores e empresas aderentes, temíamos que a adesão fosse mais difícil, o que não se veio a verificar.

As empresas entenderam que para beneficiar do logotipo “Compre o que é Nosso”, através de uma campanha colectiva, teriam que pagar um valor, que está ao alcance de qualquer empresa.

Face a este cenário, terem aderido 323 empresas, que representam acima de um milhar de marcas, com uma distribuição geográfica equilibrada, é um bom resultado.

Apesar de o projecto ser da responsabilidade de uma associação com peso maior no Norte. O balanço positivo, não significa que está concluído. Estão criadas as condições para que este projecto possa entrar numa nova fase de dinamização.

H: Esta é a melhor altura para a dinamização?
P.N.A.:
Os portugueses estão preocupados com a situação conjuntural em todo o Mundo, particularmente em Portugal. A questão do emprego é a grande preocupação, não há ninguém que não tenha na sua família ou grupo de amigos uma situação de desemprego.

As pessoas estão mais sensíveis. Vamos reforçar a aposta no projecto com a mesma filosofia: não somos proteccionistas, acreditamos num projecto que ajude a valorizar o que é português e ajude os consumidores a perceberem que tem cada vez mais opções de escolha.

H: Que investimento vão aplicar nesta nova fase?
P.N.A.:
O investimento global, para comunicação e consultoria, está na casa de um milhão de euros. Grande parte do investimento vai ser suportado pela AEP.

H: De que forma pode o projecto alavancar a economia portuguesa?
P.N.A.:
Temos um problema complicado em Portugal, mas também em toda a Europa, um défice estrutural entre aquilo que exportamos e importamos. Isto gera défice comercial e endividamento.

Ultrapassámos de certa forma a questão do defice público mas hoje a grande preocupação é o endividamento das empresas, do País e das famílias.

Isto pode atingir uma situação insustentável a curto prazo. Todo o apoio que possa ser dado às empresas para, por um lado, terem maior quota no seu próprio mercado e, por outro, reunirem condições para se lançarem nos mercados externos, deve ser a grande prioridade.

E este projecto concentra essas duas grandes opções, porque actuamos do lado da oferta, tentado valorizá-la.

Ou seja, criando condições aos empresários para serem mais competitivos.

H: Como se ajuda as empresas a serem mais competitivas?
P.N.A.:
Esse é o papel da AEP, através do apoio à inovação, valorização dos recursos humanos. A AEP é a maior formadora privada do País, na área da informação, apoio à internacionalização. Temos em 2009 o maior plano de internacionalização.

Assim, ao apoiar a valorização da oferta nacional estamos a criar condições para que haja mais produtos portugueses que possam vingar no mercado interno e se possam alavancar nos mercados externos. Se conseguirmos sensibilizar os consumidores para esta realidade, e sabendo que este é o momento propício para isso, temos todas as condições para o relançamento do programa, que teve inicio este mês.

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Nova fase
H: Quais são os objectivos do relançamento?P.N.A.:
Tornar o projecto mais conhecido, aumentar o número de empresas aderentes e tentar que estas se associem ao esforço de comunicação que vamos fazer.

A nova fase, através de um plano de meios, vai utilizar diferentes formas de comunicação para mostrar que o projecto vingou e está vivo.

Desejamos que o número de adesões ultrapasse as 500 empresas até ao final do ano.

A meta é levar o consumidor a perceber que a aquisição de produtos com este logotipo traz benefícios para o País, mas também para si e para as suas famílias.

H: Os consumidores estão mais sensibilizados para isso?
P.N.A.:
Sim. Se hoje existirem produtos no mercado com uma relação preço/qualidade atractiva, e se as pessoas sentirem que aquele produto é bom e pode ser comparado aos outros, não tenho a mínima dúvida que se compra o que é português.

O português quando é motivado para essas questões responde bem. Se tivermos produtos de qualidade a concorrer ao lado de outros importados, que têm também qualidade, mas se as pessoas sentirem que no acto de escolha podem optar por produtos que geram valor acrescentado em Portugal, que paga impostos no País, e criam emprego, vão comprar.

H: Os produtores nacionais têm capacidade para responder ao desafio?
P.N.A.:
Os produtores já perceberam que neste mundo global não podem assistir impávidos e serenos ao desenrolar dos acontecimentos. Depois da crise, vai vencer quem conseguir introduzir nas suas empresas dinâmicas de competitividade que lhes permitam serem melhores.

Neste momento particularmente difícil, a AEP está a sentir as empresas a acorrerem mais à associação a pedir apoio e a dizer “não nos vamos deixar abater”. Estamos com uma dinâmica de internacionalização brutal, as pessoas querem diversificar mercados, deixar de estarem concentradas no destino tradicional das exportações, como Espanha, Reino Unido, Alemanha e França. Estamos a investir na Jordânia, Irão, Líbia, América Latina, entre outros países.

Estamos a ter uma procura enorme a nível de formação profissional. As empresas já perceberam que, num País com as nossas características, o melhor investimento que podemos fazer é nas pessoas. Não temos riquezas naturais.

É preciso também desmistificar a palavra inovação. Inovar não é descobrir algo transcendente, podemos inovar no dia-a-dia das empresas, pode ser a nível logístico, de procedimentos, comunicação, de diferentes formas. E isto está ao alcance de qualquer empresa.

H: A falta de inovação deve-se ao desconhecimento ou falta de massa critica?
P.N.A.:
Muitas das vezes nunca foi transmitido às pessoas essa necessidade. Esse é o papel das associações. Vamos lançar um projecto, em parceria com o IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento). Chama-se “Programa Dimensão” e o objectivo é explicar que a dimensão média das empresas em Portugal é reduzida.

Se nós vivíamos antes num mercado minimamente protegido, em que essa dimensão era compatível com a orgânica de mercado, hoje no mercado global temos que ter empresas com maior capacidade de intervenção.

O objectivo do programa é sensibilizar e mobilizar os empresários para que, através de movimentos de concentração, possam ter empresas com mais estrutura, dimensão e mais competitivas.

E também desmistificar a ideia de que as fusões são só para a banca, seguros, farmacêuticas ou companhias de aviação. Porque é que duas ou três empresas não se podem juntar e tornarem-se uma média empresa com recursos humanos de mais qualidade e maior capacidade de penetração no mercado?

O mercado também tem de depurar. Nem toda a gente pode ser empresário e vingar. Aqueles que vão vencer, estão sensibilizados e motivados para valorizar a sua empresa e o seu produto.

Kit de produtividade
H: Lançaram também em meados de 2008, o kit de produtividade.P.N.A.:
O kit foi uma ferramenta que nasceu no âmbito do “Compre o que é Nosso”. É direccionado para a valorização da oferta porque toca um conjunto de áreas da empresa onde, através de um trabalho muito objectivo e de uma política de pequenos passos, se podem conseguir resultados a muito curto prazo. Estou a falar nas áreas de logística, marketing, recursos humanos, financeira, distribuição. Fizemos um documento com utilização prática, casos que as empresas pudessem seguir no interior das suas empresas, sem terem necessidade de gastos de consultoria.

Também aqui desmistificamos a ideia de que a consultoria é algo muito complexo, que exige muitas horas e muita gente. Apontamos para esta nova fase do projecto uma actualização do kit, adicionado um conjunto de informações que foram surgindo com a dinâmica dos tempos.

H: Segundo o secretário de Estado da indústria espanhola, Miguel Sebastián, se cada espanhol comprar mais 150 euros de produtos internos, a quebra de consumo será travada e serão salvos 120 mil empregos. Qual é a realidade em Portugal?
P.N.A.:
Estamos a ir num caminho extremamente perigoso relativamente à questão das trocas comerciais. Espero que daqui a uns anos não seja mais uma bomba que rebente à semelhança das que rebentaram agora.

Há uma diferença grande entre espanhóis e portugueses. O espanhol é, por si só, muito mais nacionalista e virado para o consumo de produtos nacionais.

Sem querer quantificar, a consequência do nosso trabalho vai ser isso mesmo que o secretário de Estado pretende.

Ou seja, importar menos e exportar mais. Sem saber os números como ele colocou em cima da mesa, é através desse esforço colectivo que vamos atingir objectivos. O Estado português também deveria dar mais apoio a este tipo de projectos. O Estado também consome e investe. E muitas vezes não são dadas condições às empresas portuguesas merecem. Muito pelo contrário.

H: Encontra paralelo entre o Compro o que é Nosso a recente cláusula Buy American, criada por Barack Obama?
P.N.A.:
Neste momento difícil, há uma tendência para se explorar em termos públicos um conjunto de afirmações que as pessoas gostam de ouvir. Quando olhamos à nossa volta e vemos um conjunto de indústrias que são historicamente a imagem de um país a entrarem numa situação de pré-falência, e sabendo que uma das formas de recuperação é através do consumo, eu compreendo que essas situações existam.

Nós vamos um pouco mais longe: não dizemos para comprar produtos portugueses mas sim para comprar produtos portugueses que tenham qualidade e que mereçam. É diferente. Este projecto nasceu quando o que estava na moda era precisamente o contrário. A liberalização, a globalização e a abertura dos mercados.
“A nossa luta é contra o proteccionismo”

O “Compre o que é Nosso” não é uma projecto proteccionista mas sim de valorização da oferta nacional que contribui para a riqueza do País, defende Paulo Nunes de Almeida.

H: O “Compre o que é Nosso” é um projecto proteccionista?
P.N.A.:
Não. Se há entidade que sempre defendeu a abertura dos mercados como a melhor forma para o desenvolvimento dos países, apoiar o tecido empresarial e promover o bem-estar do consumidor, é a AEP. Ao longo dos mais de 160 anos de história.

Uma das vertentes deste projecto é a valorização da oferta nacional. Dos produtos fabricados em Portugal, que geram valor acrescentado no País.

O proteccionismo enquanto palavra é um pouco ambígua.

Tudo pode ser, e ao mesmo tempo nada pode ser, proteccionismo. Quando, por exemplo, o Estado avança com uma garantia pública ao sistema bancário nacional, isso pode ser considerado uma medida proteccionista, como também pode ser considerado um pacote financeiro de apoio específico às PME (Pequenas e Médias Empresas).

O que verdadeiramente preocupa a AEP é que ainda hoje não existe, nesta globalização que se tenta impor, uma abertura e liberalização dos mercados. É contra isso que lutamos.

H: Não existe?
P.N.A.:
Os mercados, obviamente, estão abertos. No entanto, há países na Organização Mundial do Comércio que criam entraves à importação de produtos de outros países.

Criam tarifas aduaneiras elevadas ou obstáculos não tarifários à importação. Isso é proteccionismo, com o qual não concordamos.

Somos a favor da liberalização dos mercados, da ética nas trocas comerciais, mas entendemos que, enquanto associação que tem uma ligação forte ao tecido empresarial, faz sentido criar um projecto que, por um lado, valorize a oferta nacional e, por outro, sensibilize o consumidor para o que de bom se faz em Portugal.

Corremos o risco, mas o projecto nunca foi apelidado de proteccionista.

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