Outras Opiniões

O fim de uma era….

Por a 3 de Outubro de 2008 as 9:30

luis ferreira

Os mercados financeiros atravessam um período de forte instabilidade, que tem resultado em alterações profundas do panorama financeiro e que marcará o contexto económico e político das próximas décadas.

A fase de expansão a que se assistiu nos últimos 25 anos teve como base a valorização dos activos imobiliários e consequente explosão no crédito, por via da securitização dos créditos hipotecários. Esta “reciclagem” do crédito no mercado levou a que as instituições financeiras ficassem propensas a assumir cada vez mais risco, já que este era supostamente vendido no mercado. Contudo, e ao contrário do que faria pensar, a responsabilidade das instituições financeiras não ficou pela venda dos créditos hipotecários, já que muitos desses novos activos “reciclados” voltaram ao balanço das instituições financeiras para assombrar o seu futuro. A história é “mais” uma de tantas outras que ocorreram no passado. Tudo se inicia por uma classe de activos que começa a valorizar derivado de fundamentais sólidos, rapidamente passa para uma fase de aceleração no seu preço, por via de um aumento do crédito baseado nesses activos, até que se torna insustentável, completamente fora da realidade e tudo cai por terra como um baralho de cartas.

Aliás, a fase de aceleração está sempre associada a supostas mudanças de paradigmas, como ocorreu no caso do Nasdaq, com as novas formas de avaliação baseadas no número de visitas dos websites ou dos incrementos de produtividade decorrentes da disseminação do uso da tecnologia e que alteraria o crescimento potencial da economia. Ou ainda mais recentemente o preço do petróleo, com as “teses” do “peak oil” e do paradigma do crescimento chinês. Contudo, as bolhas associadas ao mercado imobiliário sempre foram aquelas que mais consequências tiveram a nível financeiro, económico e com capacidade de alterar as regras do jogo nos anos vindouros. As crises de 1929 – Grande Depressão – e de finais dos anos 80 e inícios de anos 90 – Savings & Loans – foram grandes responsáveis pelo enquadramento financeiro, económico e até político que temos actualmente. A imagem de sucesso do modelo capitalista, muitas vezes associado ao modelo democrático de uma forma abusiva, tem as suas fundações no quadro orgânico criado após cada uma das crises imobiliárias vividas.

Neste momento, o sistema capitalista encontra-se à prova e uma vez mais tal decorre de uma crise imobiliária com consequências desconhecidas, mas já de si bastante dolorosas. O panorama financeiro irá alterar-se, principalmente nos EUA, começando pelo fim do modelo de negócio do puro Banco de Investimento decorrente das enormes perdas resultantes dos elevados riscos assumidos nos balanços e sem uma base de capital sólida. Primeiro foi a Bear Stearns, depois a Lehman, a Merrill Lynch também saiu de cena pelo facto de ter sido adquirida pelo Bank of America, restando portanto Morgan Stanley e Goldman Sachs. Contudo, as consequências não se ficam pela “falência” deste modelo de negócio. Também as empresas quase governamentais Fannie Mae e Freddie Mac foram nacionalizadas, com o intuito de estabilizar o mercado de titularização de créditos hipotecários e fazer face a necessidades de capital que o mercado financeiro já não estava disposto a aceitar. No fundo terminou-se com um modelo híbrido já anteriormente posto em causa e sobre o qual nunca tinha havido a coragem política para terminar. De um momento para o outro, o país que sempre advogou um fundamentalismo de mercado tornou-se num país onde é possível expropriar os accionistas de valor de um dia para o outro, sem qualquer aviso prévio, nacionalizando ou patrocinando compras a preços de liquidação, com a justificação de que tal atitude irá servir o melhor interesse de todos – excluindo os accionistas – e, mais grave do que isso, sem qualquer tipo de discussão. No Reino Unido também se assistiu a uma nacionalização, nomeadamente do Northern Rock, mas pelo menos houve um debate político sério nas consequências e na forma como deveria ser levado a cabo. Pode não servir de muito, mas existiu preocupação ao contrário do que acontece nos EUA, onde se adoptou uma postura de acção para fazer face a momentos de stress sem questionar as suas consequências. É evidente que os accionistas devem ser remunerados de acordo com o desenvolvimento do negócio e com os riscos que são assumidos, daí se aceitar a falência das empresas, até pelo seu efeito regenerativo do tecido empresarial. No entanto, quando as empresas são nacionalizadas, está inerente uma apropriação de valor do negócio aos detentores do capital que não é condizente com uma economia de mercado.

Em suma, o ciclo de expansão, que foi caracterizado por um fundamentalismo de mercado, deu lugar, na sua fase de declínio, a um modelo “socialista”. As consequências desta alteração dogmática serão sentidas nos próximos anos, principalmente porque altera a forma como o resto do mundo olha para os EUA, com impacto ao nível do fluxo de capitais e prémios de risco exigidos pelos accionistas para remunerar o seu capital. Esta crise tem o potencial de, para além de alterar o enquadramento financeiro, também poder vir a alterar o equilíbrio de forças no plano económico e político mundial. Até hoje, a economia de mercado sempre saiu mais forte do que nunca. Contudo, a severidade desta crise aumenta o desafio que tem pela frente e o desfecho é actualmente imprevisível.

Luís Ferreira, Asset Manager and Analyst da LJ Carregosa

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