Outras Opiniões

Carrefour: um bom exemplo de criação de valor

Por a 5 de Outubro de 2007 as 9:00

luis ferreira

Em artigos anteriores abordei a temática da existência de valor nos balanços de alguns retalhistas europeus e como esse facto os estava a tornar alvos de firmas de private-equity. A título de exemplo, em Janeiro empresas como a Metro e a Carrefour tinham um terço do seu valor em bolsa justificado pelo activo imobiliário quando ajustado do valor de financiamento associado e goodwill. Como referi na altura, este facto levantava questões quanto à actuação da equipa de gestão no sentido de criação de valor para os accionistas. Efectivamente, os gestores estavam a fazer das empresas autênticos fundos de investimento imobiliário, desviando-se do objecto principal da sua actividade – retalho. Decerto que se pode defender que as lojas (activo imobiliário) são essenciais para o desenvolvimento da actividade, contudo a sua propriedade não é racional do ponto de vista de criação de valor empresarial. Os accionistas de uma empresa de retalho estão à espera que a sua performance esteja ligada ao seu comportamento operacional, ou seja, à sua capacidade de geração de cash-flow e de apresentar resultados e não à evolução do seu mercado imobiliário. Se quisessem essa exposição investiriam directamente num fundo. Desta forma, os gestores estavam a adicionar um risco à empresa, ao mesmo tempo que canalizam recursos, quer sejam financeiros quer sejam humanos, para uma actividade que não é o seu objecto, correndo o risco de descurar o investimento na área de negócio que gera cash-flow e colocando em xeque o crescimento futuro da empresa.

O contexto actual dos mercados financeiros, abalados por uma crise de crédito e sobretudo de confiança, gerada a partir do imobiliário americano, provocou alterações nas perspectivas das empresas retalhistas. Em primeiro lugar, deixou de ser exercida, por parte das empresas de private-equity a pressão sobre a gestão que era exercida há uns meses atrás. Isto porque as condições de financiamento das operações tornaram-se potencialmente mais onerosas e menos apelativas em termos de cláusulas de salvaguarda dos investidores. Além de que a expectativa de retorno assentava em grande medida nos activos imobiliários, que constituem o epicentro da actual crise financeira. Em segundo lugar, as empresas do sector retalhista começam a sentir na pele os efeitos da actual crise, sendo a perspectiva da diminuição do valor dos seus activos imobiliários reflectida no comportamento bolsista – afinal, a primeira consequência da existência de um risco desnecessário. Em terceiro lugar, o impacto que a crise financeira terá no consumidor irá depender do tempo que se fará sentir e, consequentemente, do eventual aumento das restrições na disponibilidade de crédito por parte dos bancos.

É neste cenário que a operação da Carrefour ganha maior destaque. A empresa vai realizar uma Oferta Publica de Venda de 20% de um veículo de investimento que agrega os activos imobiliários de França, Espanha e Itália (280 hipermercados e 540 supermercados), avaliados entre 12-15 mil milhões de Euros. Com esta operação, estima-se que a empresa encaixe entre 2,4 a 3 mil milhões de euros que servirão para financiar parte de um plano de recompra de acções na ordem dos 4,5 mil milhões de euros. Se é verdade que esta operação encontra um contexto financeiro desfavorável, também não é menos verdade que os seus objectivos enquadram-se na lógica de criação de valor para o accionista. A empresa consegue assim financiar um plano de remuneração dos accionistas, melhorando a sua rendibilidade e libertando parte de capital investido. Ao mesmo tempo, os stake-holders (investidores, credores, gestores) passam a ter uma ideia mais clara do valor dos activos imobiliário, em resultado do facto de ser um veículo de investimento cotado. Por último, esta operação abre novas possibilidade de financiamento, ao mesmo tempo que provoca uma diminuição do risco associado aos activos imobiliários.

Numa altura tão conturbada dos mercados financeiros, as boas decisões da equipa de gestão, ainda para mais quando não resultam da pressão das empresas de private-equity com o intuito de proteger a sua posição, ganham ainda mais importância, não só prática, mas também simbólica. Estas são as empresas que a longo prazo criarão valor, não só para os seus accionistas, mas para todos os agentes que interagem com a organização.

Luís Ferreira, Analista da Personal Value

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