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Onde está o leite?

Por a 21 de Setembro de 2007 as 9:00

leite

A produção de leite escasseia um pouco por todo o Mundo. Mas, o consumo, esse caminha a passos largos na companhia da subida galopante do preço deste bem essencial. Na origem desta tendência que preocupa a fileira do leite estão numerosos factores. O diminuição das ajudas à produção, a transferência de produtores de leite para o sector dos bio-combustíveis e o aumento dos preços dos cereais, que eleva os custos da alimentação animal, contribuíram em força para a quebra de produção na Europa, explicou ao Hipersuper Fernando Cardoso, secretário-geral da FENELAC (Federação Nacional das Uniões das Cooperativas de Leite e Lacticínios).

A seca registada na Austrália e Nova Zelândia, assim como a tempestade que assolou a Argentina, por sua vez, condicionaram o fornecimento dos mercados internacionais, sublinha Pedro Pimentel, secretário-geral da ANIL (Associação Nacional dos Industriais dos Lacticínios).

Para agravar o cenário, o consumo de leite e derivados cresceu nos países em vias de desenvolvimento, em especial na China, Índia e a Leste da Europa, e as doenças detectadas em explorações europeias dificultam a renovação dos efectivos, recorda Cláudia Portugal, directora-geral da Fromageries Bel, que comercializa em Portugal as emblemáticas marcas President e Terra Nostra.

Em Portugal, a produção registou quebras no último ano e meio e situa-se entre 110 e 125 mil toneladas abaixo da quota leiteira atribuída ao País, cerca de 2 milhões de toneladas. «A queda seguiu-se à ultrapassagem da quota leiteira nacional no final da campanha 2005/2006 e à normal desaceleração produtiva posterior devido à ameaça de pagamento de multa», explica Pedro Pimentel.

O abandono produtivo não se afigura para o secretário-geral da ANIL o principal motivo da diminuição na produção de leite. O nível de preços ao produtor em 2006/2007, o aumento da despesa de alimentação animal e a dificuldade em substituir os efectivos, constituem as principais razões. «Quando os aumentos de preço começaram a surtir efeito, sobretudo em Abril e Maio, os produtores não foram capazes de reagir com aumentos de produção, em larga medida, porque as explorações não dispõem animais, em qualidade e quantidade, para fazer face a este desafio».

Espanha deficitária
O factor mais decisivo para a “subida anormal e vertiginosa” do preço do leite no mercado nacional é, na opinião de Cláudia Portugal, a escassez de leite em Espanha. «Os espanhóis negociaram mal a sua quota leiteira com a Comunidade Europeia, tornando-a deficitária para as suas necessidades. Mas, como havia excesso de produção leiteira na Europa, sobretudo em França, o leite descia em grandes quantidades para Espanha. Agora, pelo contrário, escasseia, e muito, e Espanha socorre-se do mercado português com uma economia bem mais débil».

O que fazer perante este cenário? «À indústria portuguesa não resta outra solução senão acompanhar a escalada de preços para evitar que maiores volumes de leite produzidos em Portugal saiam para Espanha». A consequência? O preço ao produtor tem «aumentado significativamente, mas este custo não está reflectido no preço do leite negociado entre a indústria e a distribuição», avisa Fernando Cardoso.

Segundo uma análise recente do Eurostat, o preço do leite em Portugal é superior à média europeia. Cláudia Portugal aponta vários factores para justificar a inflação: «Agricultura de minifúndio, custo de produção, preço dos combustíveis, entre outros, mas também a política de preços imposta pela Lactogal, cujo controlo da matéria-prima é muito elevado e superior a 75%, que tem sido a grande protagonista na definição de preços de referência no acesso ao leite».

A Lactogal detém 62% da quota de mercado no segmento do leite e coloca anualmente no mercado 750 milhões de litros de leite embalado.

Os responsáveis pelas associações do sector deixam escapar sinais de surpresa perante os dados da Eurostat. «Os preços em Espanha batem recordes ao nível do consumidor. Talvez o estudo se tenha debruçado sobre o preço mais baixo em cada país, indicador que achamos pouco caracterizador e mesmo enganador», afiança Fernando Cardoso. O secretário-geral da ANIL corrobora: «Em Portugal, há que considerar que as lojas de desconto e os produtos de marca branca, apesar da sua crescente importância, ainda têm quotas de mercado relativamente baixas face aos países a Norte e Centro da Europa».

UE marca pontos
Até à data não há «sinais evidentes de recuperação» da crise instalada em Portugal, assegura Fernando Cardoso. O recobro da produção de leite é «sempre lento» e «provavelmente até 2008 não se registarão alterações significativas no quadro actual». Entre os motivos que complicam este processo de recuperação o responsável da FENELAC destaca a «dificuldade de licenciamento das explorações e a não consagração do sector leiteiro como prioritário no acesso aos fundos estruturais, no âmbito do Plano de Desenvolvimento Rural 2007-2013».

A produção leiteira do País em 2007 deverá registar 938 mil toneladas, estima Pedro Pimentel, que avalia o volume de negócios do sector em 1.750 milhões de euros.

O secretário-geral da ANIL não acredita que o preço do leite volte a atingir as cotações anteriores. «O equilíbrio entre a oferta e a procura não se vai processar aos mesmos preços que se vinham verificando. As cotações actuais são excepcionais, mas as cotações médias dos últimos dez anos não serão mais do que uma miragem face aos novos cenários para os sector».

Más notícias à parte, há «uma interessante virtualidade nesta crise: os preços nos mercados internacionais e, em consequência, os preços nas maiores potências leiteiras do hemisfério Sul (Nova Zelândia, Austrália, Argentina, Brasil e Uruguai), têm vindo progressivamente a aproximar-se dos valores praticados na Europa e EUA, o que torna a competição comercial muito mais aberta e tem permitido à UE marcar pontos em mercados que, até aqui, lhe estavam vedados», remata Pedro Pimentel.
Ameaças e desafios
Ameaças
Factores que possam contribuir para a diminuição da produção leiteira nacional – diminuição de ajudas à produção, desmantelamento das quotas leiteiras, aumento dos custos com a alimentação animal, constrangimentos legais e burocráticos e ausência de apoios públicos adequados;

Importação crescente de alguns tipos de produtos, com destaque para os queijos e os iogurtes e leites fermentados;

Concentração dos vários segmentos da moderna distribuição (convencional, hard discount) e o peso crescente dos produtos de marca branca e primeiro preço;

Desafios
Fortalecer o tecido produtivo em torno de um núcleo alargado de explorações leiteiras profissionais, competitivas, bem geridas e bem dimensionadas;

Valorização da matéria-prima produzida no País, apostando nos produtos de maior valor acrescentado;

Apostar num portfólio de produtos funcionais, de valor percebido pelos consumidores, sem descurar todo o património de produtos tradicionais, de elevado valor cultural e gustativo;

Aposta no segmento biológico, como alternativa oferecida ao consumidor e não como canibalizador dos produtos lácteos convencionais, e em novos segmentos de mercado, como sejam idosos, em movimento, no escritório, na escola, entre outros.

Controlar espiral inflacionista dos preços de leite à produção

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