Outras Opiniões

Dívida Mortal

Por a 27 de Agosto de 2007 as 15:00

 alexandre mota

Imagine o leitor que pretende investir num produto de taxa fixa com poucos riscos e com uma remuneração superior à dívida pública (por exemplo 2% acima do yield da dívida pública). Suponha que tem disponível um produto AAA, ou seja, com rating de excelente qualidade e com a remuneração exigida por si. É tentador…

Vejamos agora o produto do lado do emitente: para garantir tal yield, o emitente tem de diversificar os investimentos entre dívida de excelente qualidade, boa qualidade e má qualidade, dado que o valor dos yields cresce na razão inversa da qualidade da dívida subjacente. Dessa forma o emitente consegue “garantir” a taxa exigida. Provavelmente este raciocínio simples não chega, pois terá de pedir emprestado a taxas de curto prazo e aplicar a taxas de longo prazo, o que gera o chamado carry positivo, enquanto a situação se mantiver.

Qual a qualidade desta dívida? Não é preciso grandes raciocínios para não considerar estas dívidas como de excelente qualidade. Bem… mas foi isso que aconteceu: grande parte das dívidas colaterizadas (CDO) tinham rating AAA o que significa que a probabilidade de serem honradas era considerada elevada pelas principais agências de rating.

Vejamos então o que correu mal neste tipo de instrumentos. Nos últimos anos proliferaram CDO`s (colatarized debt obligations) construídos da forma acima descrita. À medida que os spreads (diferença entre os yields de alta e de baixa qualidade) estreitaram e a pressão dos investidores em busca de “yields elevados e garantidos” aumentava, os emitentes, para fazer face à procura, mantinham ou elevavam os yields através do aumento da alavancagem (tomada de dívida para financiar a compra de mais dívida) e/ou deterioração do valor dos colaterais, ou seja, maior percentagem de investimento em dívidas de baixa qualidade.

Que fizeram as agências de rating? Nada.

Entretanto, o próprio cenário de taxas de juro inverteu-se. As taxas de longo prazo (aplicação) começaram a cair para baixo das taxas de curto prazo (financiamento). O carry positivo inverteu-se e torna-se negativo. Por sua vez, do lado dos activos as coisas começaram a correr mal, os devedores de má qualidade (surpresa?!) não pagaram, ou melhor, a percentagem dos que não pagaram aumentou.

Conclusão: no activo passamos a ter alguma (cada vez menos) dívida de boa qualidade e muita dívida de má qualidade que passou a vale zero ou quase zero. No passivo passamos a ter valores a pagar que superam os activos. Ora, quando os activos são menores que os passivos, podemos declarar-nos insolventes e foi isso que aconteceu a alguns fundos que investiam neste tipo de dívida mortal.

Que implicações poderá ter este tipo de situação nos vários mercados?

Considerar que é uma situação passageira e perfeitamente circunscrita é a versão oficial das autoridades monetárias americanas, mas parece-nos interessante considerar a possibilidade de contágio a outros sectores, designadamente ao mercado accionista e cambial.

No mercado accionista a reduzida liquidez e spreads mais elevados ao nível do financiamento podem por em causa muitas operações de fusões e aquisições.

No mercado cambial a deterioração das condições de crédito poderá provocar uma liquidação de posições em divisas mais arriscadas, ou em que os gestores têm maior exposição. Teoricamente, o iene poderá ser o mais beneficiado, tal como aconteceu por breves semanas em Fevereiro.

Alexandre Mota, Analista da Golden Assets

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *