Bebidas

Taco a taco

Por a 5 de Abril de 2006 as 11:00

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A competitividade entre as duas grandes cervejeiras, hoje claramente posicionadas como empresas de bebidas, nunca foi tão feroz. Um verdadeiro braço-de-ferro que tem por consequência a constante inovação de mercado e uma agressividade comercial sem precedentes. Guerra que tem tido o condão de potenciar a performance das duas empresas.

A apresentação de resultados das duas grandes cervejeiras mostra que conseguiram contornar as dificuldades que se antecipavam perante um mercado estagnado e onde a retracção de consumo atinge quase todas as categorias de produto, o que foi especialmente sentido no canal Horeca. A grande explicação para esse facto reside na capacidade, bem demonstrada pelas duas empresas ao longo de 2005, de inovar, tanto no segmento cerveja, onde a agressividade comercial é crescente, como nas restantes bebidas.

Assim sendo, de acordo com a contabilidade Nielsen, o sector INCIM estagnou em volume mas conseguiu crescer três pontos percentuais em valor, dado que reflecte precisamente a capacidade de inovação que se consubstanciou em produtos de maior valor acrescentado e onde é possível explorar maiores margens de lucro. Melhor comportamento teve o INA, com um crescimento de 9,6% em quantidade e 5,7 pontos em valor. Contudo, neste caso é preciso ter em atenção que a guerra de preços que se verificou no canal – e que fica bem demonstrada pela subida superior em volume do que em valor, contrariamente ao que se passou no Consumo Imediato – acabou por levar muitos dos operadores Horeca a comprarem nas grandes superfícies comerciais.

De qualquer modo, e tendo por base os dados reportados pela consultora, o sector representa vendas próximas dos 170 milhões de litros em INA e quase 250 milhões em INCIM. Contudo, e tendo em atenção que a Nielsen não cobre, por exemplo, a Noite ou as lojas Lidl, calcula-se que o volume total do mercado português ascenda aos 600 milhões de litros. Em valor, e considerando que aqui o diferencial face ao universo é ainda maior porque no canal Noite a cerveja é vendida a preços mais elevados, a Nielsen aponta praticamente 190 milhões de euros para o canal Alimentar e perto dos 600 milhões de euros em Horeca, onde as margens, como é evidente, também são mais altas. O exercício é fácil de fazer: um litro de cerveja custa em INA 1,1 euros enquanto em Horeca ascende a 2,3 euros.

Inovação constante

Começando pelo mercado de cerveja, que continua claramente a ser a principal área de actividade da Unicer e da Central, não obstante um posicionamento cada vez mais alargado a outras bebidas, desde logo deve ser referido que a competitividade entre estas duas empresas atingiu picos de agressividade. Tal facto tem reflexo directo num ritmo de apresentação de novos produtos nunca antes visto e também em muito maior contundência ao nível do discurso, incluindo na divulgação de quotas de mercado.

A este propósito não deixa de ser curioso verificar a dicotomia que se estabeleceu, com a Unicer a comunicar números em volume, argumentando ser esse o indicador que reflecte de facto a preferência dos consumidores, e a Central de Cervejas a declarar participações de mercado em valor, salientando que esse deve ser o objectivo estratégico para potenciar a performance quer dos próprios fabricantes quer dos clientes.

Certo é que esta maior pressão está a obrigar as empresas a investirem em novos produtos, reformulações de formato, etc. Não é por acaso que a Central de Cervejas declarou planos a este nível que passam por apresentar uma novidade por mês durante todo o exercício de 2006, mesmo que aqui estejam consideradas outras categorias de produto além da cerveja. Da mesma forma, a Unicer já em 2005 mostrou forte dinâmica a este nível, filosofia que se mantém intacta para o ano em curso.

Centrando-nos nas cervejas, teremos obviamente que destacar os lançamentos da Bohemia e da Zer0% por parte da Central, ainda durante 2005. São novidades que orgulharam de forma particularmente visível a empresa, em especial a Bohemia, e que responderam aos produtos que a Unicer vinha colocando no mercado nos últimos anos, como a Green (2004) ou a Stout (2003), por exemplo. Acima de tudo, serviram para consolidar a ideia de que o sector de cerveja é segmentável, procurando novos nichos e momentos de consumo, em especial junto de quem não tem por hábito consumir o produto ou apenas o fazia em determinadas circunstâncias. Por exemplo, a Central acaba de colocar no mercado a Bohemia 0,75 lt, precisamente numa lógica de reforçar o consumo também à hora da refeição, como desde início deixou claro na sua comunicação.

A Central Cervejas e Bebidas definiu claramente que vai apostar em força nas suas marcas âncora Sagres e Luso. Assim sendo, no sector de cervejas continua a ser a primeira a receber todas as novidades. Foi o caso, já em 2006, da Bohemia 1835, um lançamento limitado a um milhão de garrafas que, curiosamente ou não, surgiu precisamente na mesma altura em que a principal concorrente lançava a Abadia, ainda que com uma filosofia totalmente diferente em termos de volumes colocados no mercado. Pouco tempo mais tarde a empresa dava a conhecer a Shopp, que volta a abrir um novo segmento de mercado, e avançava com um novo formato para a Bohemia “tradicional”.

Ano XL

Como não podia deixar de ser, a Unicer, também se tem caracterizado pela constante capacidade de inovação. No final de 2005 inovou ao nível da embalagem, tendo apresentado a primeira garrafa de meio litro do mercado português, a bem conhecida XL, isto depois de ter apresentado a Cristal Weiss, mostrando que as outras marcas não estão esquecidas, e a Super Bock Twin no segmento sem álcool. O exercício de 2005 ficou marcado pelo lançamento de duas novas referências neste segmento – a Central apresentou a Zer0% – e a verdade é que mexeu com o mercado. É certo que continua a representar apenas 5% em INA e 4% em Horeca face ao total de consumo de cerveja em volume, mas evoluiu no primeiro caso 27% e no segundo à volta dos quinze pontos no último ano móvel.

Mais recentemente, a Unicer dava a conhecer a Abadia, para a qual definiu um lançamento bastante ambicioso e que, segundo reporta a empresa, entre 19 de Janeiro (data do lançamento) e o final de Fevereiro, ou seja, pouco mais de um mês, vendeu 2,4 milhões de litros. A empresa considera a Abadia «o maior sucesso já ocorrido no lançamento de uma cerveja em Portugal». Voltando aos formatos, a empresa colocou “em linha” a Super Bock Mini, inteiramente feita com cevada produzida em Portugal. A ideia é criar um sentimento de afinidade emocional nas regiões dos produtores agregados ao projecto (Alentejo e Ribatejo) onde o consumo depende muito do formato mini e a Sagres tem uma posição muito forte, uma vez que trabalha os 20 cl há muitos anos. Esta constitui, aliás, a estratégia da Unicer para contornar a vantagem competitiva histórica do rival.

Ainda mais recente é o novo projecto para coluna de frio em barril de 20 litros, especialmente destinado a pequenos estabelecimentos com pouca rotação de cerveja. O projecto foi concebido em Portugal e posteriormente desenvolvido pela Carlsberg, accionista da Unicer, em Copenhaga, permitindo a manutenção da qualidade da cerveja durante um mês, ao contrário das tradicionais dificuldades nos normais barris de 30 e 50 litros, que duram pouco mais de uma semana com a qualidade inicial.

Esta tem sido, diga-se, uma área de forte investimento de ambas as companhias. Também a Central de Cervejas apresentou recentemente um outro projecto para o canal Horeca, o qual permite descer a temperatura a que a “fresquinha” é servida para apenas um grau. De facto, esta noção de serviço tem sido uma das apostas estratégicas das cervejeiras, já muito trabalhada durante 2005 e que neste exercício ganha contornos ainda mais ambiciosos, concretamente ao nível da tecnologia instalada em ponto de venda.

Eficiência melhora lucro

O volume de negócios da Unicer manteve-se em linha com 2004, atingindo 408,9 milhões de euros. Contudo, e apesar de a empresa adoptar na sua contabilidade o International Finantial Reporting System, os lucros evoluíram 10,5%, cifrando-se nos 43,5 milhões de euros. De acordo com Ferreira de Oliveira, presidente do conselho de administração da Unicer, esta performance foi conseguida devido à «melhoria do mix de produtos, procurando nichos de valor acrescentado, e através de um grande esforço na redução de custos a nível interno», que chegou aos cinco milhões de euros, precisamente o valor em que os resultados operacionais melhoraram de 2004 para 2005.

O dado é particularmente assinalável na medida em que a empresa fez crescer o investimento em cerca de 50% no exercício, para um total de 37,9 milhões de euros, e também num cenário continuado de retracção de consumo. Durante o ano, a empresa colocou no mercado 700,7 milhões de litros de bebidas, indicador que se encontra também em linha com o registado um ano antes, mas que ainda assim constitui novo recorde anual. A cerveja representa 58% deste volume (há cinco anos valia 70%), as águas 31% e os sumos e refrigerantes 9%. Os vinhos e os cafés, com contribuição de apenas um ponto percentual de cada uma das áreas de negócio, continuam a ser marginais, mas os objectivos estratégicos passam claramente pelo reforço de posições nos dois segmentos.

Na cerveja em barril, destaca a empresa, foram alcançadas quotas históricas que ultrapassaram os 60% do mercado, ao mesmo tempo que duplicou a compra de cevada nacional. Este projecto, já referido acima, contratualizou durante 2005 quase 15.000 toneladas aos cerca de 150 produtores agregados e que representam uma área cultivada superior a cinco mil hectares. Os objectivos passam por atingir nove mil em 2006 e entre 25 a 30 mil toneladas. A este ritmo, a Unicer espera em breve eliminar a importação da sua principal matéria-prima.

Quanto às exportações, a empresa aguarda deferimento para instalação de uma unidade industrial em Angola, concentrando as operações na Europa, e muito concretamente em Espanha. Esta vertente evoluiu 20% desde 2002, atingindo no último exercício 108 milhões de litros, oitenta milhões dos quais com destino no continente africano. Os planos passam por integrar a operação com produção local, de modo a evitar custos logísticos e de transporte excessivos.

Recorde operacional

Já a Central Cervejas e Bebidas atingiu um crescimento das vendas totais de 6,9%, fruto de um volume de negócios de 332 milhões de euros, contra 311 milhões registados em 2004. De acordo com Alberto da Ponte, administrador-delegado da Central de Cervejas, esta evolução «excede as expectativas que apontavam para vendas de 325 milhões». Outro dado particularmente relevante foi o crescimento de 12,6% na exportação de cerveja e de quase 40 pontos nas águas, isto sem incluir o mercado angolano. A Central colocou fora do país 36 milhões de litros de cerveja e 11 milhões de água. Os resultados operacionais foram especialmente relevantes, ao atingirem 60 milhões de euros, um recorde que consolida um crescimento de 25% em apenas dois anos.

Segundo Alberto da Ponte, «o facto de o mercado de cerveja ter evoluído 3,2% em 2005 deve-se à Bohemia, que sem ter canibalizado outras extensões de Sagres, trouxe novos consumidores. Sem Bohemia – frisou – o mercado teria apenas crescido 1,9%». Em consequência, e perante objectivos que passavam pela conquista de um ponto percentual ao ano, a marca Sagres ganhou 3% em termos de quota, enquanto a Central no seu todo (na área de cervejas) também conquistou 2,1 pontos. Nas águas a evolução foi mais moderada: 0,8% para a SCC e 1,8% para a Luso em concreto, revelou o administrador ao admitir, também, que o foco estratégico da empresa que comanda estará centrado precisamente em Sagres e Luso, «as duas marcas mais lusófonas do grande consumo que alguma vez vi no mercado», lembrou Alberto da Ponte.

A exportação será um dos pontos fortes de 2006, bem como a política de inovação, para a qual já está prometida um lançamento por mês (os mais recentes são a Bohemia versão 75 cl e dois novos sabores Lusofresh). Para a Chopp, também apresentada recentemente, a Central espera comercializar durante o exercício 11 milhões de litros e atingir uma participação de mercado de 2,4%.