Bebidas

Europa menos alcoólica

Por a 7 de Outubro de 2005 as 15:07

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As principais economias europeias estão a consumir cada vez menos bebidas alcoólicas. Estudos referentes à evolução do consumo de cerveja, espirituosas e vinho, revelam que só esta última categoria registou comportamento positivo nos últimos cinco anos, com especial destaque para os mercados do Reino Unido e, curiosamente, Portugal. França e Alemanha, por seu turno, são as grandes responsáveis pelo “défice” do sector.

O último relatório da Mintel, empresa de market research internacional, mostra que o consumo de bebidas alcoólicas está em quebra na Europa dos Quinze. Analisando o período de 1999 a 2004, este relatório é confirmado pelos dados do globaldrinks.com, revelando uma diminuição de 500 milhões de litros, passando de 45,2 para 44,7 mil milhões de litros. A maior descida registada no período em análise pertence à cerveja, tendo perdido cerca de 700 milhões de litros no espaço de cinco anos, enquanto as espirituosas apresentaram uma quebra de 150 milhões de litros. O vinho, mercê da subida de 30 milhões de litros, passou de 12,832 para 12,862 mil milhões de litros, registando uma evolução que poderá parecer insignificante, mas que para o sector vitivinícola em geral é de extrema importância. Fora destes três segmentos principais, o globaldrinks.com considera ainda uma quarta categoria, que inclui todas as restantes bebidas alcoólicas e que, no período analisado, terá subido mais de 300 milhões de litros.

Em França, o consumo global de bebidas alcoólicas desceu seis por cento entre 1999 e 2004, perdendo mais de 600 milhões de litros, ficando abaixo dos seis mil milhões de litros. Na Alemanha, por sua vez, as quedas no consumo foram de oito pontos percentuais durante o período em análise, fixando-se nos 12,4 mil milhões de litros. Os dados de duas das principais economias europeias, portanto, confirmam o comportamento negativo do sector. Aliás, na realidade estes são os dois impulsionadores das quebras de consumo, pois em conjunto desceram 1,2 mil milhões de litros enquanto os Quinze, no seu global, assinalam uma descida de 500 milhões de litros. Ou seja, as quebras em França e na Alemanha ultrapassaram subidas registadas em alguns dos outros estados-membros, originado o contexto global negativo acima referido.

Existem, no entanto, segmentos de mercado que nestes dois países registam comportamentos antagónicos, com a tradicionalmente vínica França a baixar drasticamente o consumo de vinho, perdendo mais de 300 milhões de litros no período de cinco anos, fixando-se o volume total consumido em terras gaulesas nos 3,2 mil milhões de litros. Mas não foi só o vinho que registou quebras significativas nos hábitos de consumo dos franceses. A cerveja perdeu cerca 270 milhões de litros de 1999 a 2004, aproximando este segmento de mercado “perigosamente” da fasquia dos dois mil milhões de litros, situação aliás que o globaldrinks.com prevê que aconteça já no presente exercício de 2005. Com um peso relativamente insignificante face aos outros segmentos de mercado, as espirituosas registaram uma quebra de 28 milhões de litros, fixando-se o seu consumo nos 325 milhões de litros. A “abstémia” gaulesa é confirmada com a análise ao consumo per capita de bebidas alcoólicas, descendo este de 107 para 94,8 litros ao ano. De facto, entre os três segmentos em análise (cerveja, vinho e espirituosas), todos apresentam quebras no período de 1999 a 2004, com a diminuição no vinho a ser a mais significativa. A cerveja, que apresentava um consumo per capita de 38,9 litros em 1999, baixou para 33,6 litros em 2004, enquanto o vinho viu o seu consumo descer de 60,2 litros para 53,8, mantendo as espirituosas uma quebra gradual de 0,1 pontos nestes cinco anos, fixando-se nos 5,4 litros no final de 2004.

Na “vizinha” Alemanha, a já referida quebra global de 600 milhões de litros nas bebidas alcoólicas teve na cerveja a sua principal razão. País tradicionalmente conotado ao consumo desta bebida, a cerveja caiu perto de 800 milhões de litros em apenas cinco anos, baixando a fasquia dos dez mil milhões de litros. Também as bebidas espirituosas registaram uma quebra, baixando de 478 para 390 milhões de litros, correspondendo a uma descida de 88 milhões de litros. Ao contrário dos seus “vizinhos” franceses, o mercado do vinho está em crescendo em terras germânicas. Com um volume de 1,97 mil milhões de litros em 1999, o vinho tem vindo a ganhar quota de mercado, ultrapassando em 2004 os dois mil milhões de litros.

Também no caso alemão, o consumo per capita confirma a descida do volume total consumido, baixando 11 litros em apenas cinco anos. De destacar a quebra na tradicional cerveja, passando de 128,5 para 116,6 litros, enquanto o segmento do vinho viu o seu consumo aumentar 0,1 pontos em cada ano no período em análise. Embora com pouca expressão, as espirituosas baixaram 1,2 litros, passando de 5,9 para 4,7 litros em 2004.

Reino vínico

Contrastando com estas duas realidades continentais, aparece o Reino Unido, onde de 1999 a 2004 o consumo de bebidas alcoólicas registou um aumento de cinco pontos percentuais, ultrapassando a barreira dos oito mil milhões de litros. O relatório da Mintel salienta que, nos próximos 12 meses, o consumidor britânico é o que com maior probabilidade irá consumir uma bebida alcoólica (88%), enquanto esta probabilidade desce para os 86% no caso francês e para 70% no caso germânico.

Hanna Kivimaki, sénior consumer analyst da Mintel e responsável por este relatório, refere que o vinho «é parte integrante da herança francesa, mas a indústria vitivinícola perdeu o “Norte”. É certo que o sector do vinho continua a ser o maior nas bebidas alcoólicas em França, mas está a perder o seu papel tradicional e central como acompanhamento das refeições e para muitos consumidores a água tornou-se na bebida habitual às horas das refeições. No Reino Unido, por sua vez, existe um novo cosmopolitismo que ajudou ao impulso espectacular conseguido pelo mercado das bebidas desde o início da década de 90 – o crescente aumento no consumo de vinho». Actualmente, as vendas de vinho no Reino Unido já ultrapassaram as das bebidas espirituosas e o mercado está a ser conduzido por aumentos nos rendimentos, hábitos de consumo ascendentes, tendências claras para a preferência pelo home entertainment, levando as pessoas a consumir em casa, e campanhas de promoção agressivas efectuadas pelos distribuidores e retalhistas, destacando ainda «o impacto que a popularidade do vinho teve junto das mulheres no crescimento deste mercado».

No que diz respeito ao Reino Unido, os números do globaldrinks.com revelam que o mercado das bebidas alcoólicas está em crescendo, passando o volume, de 1999 para 2004, de 7,74 mil milhões para 8,27 mil milhões de litros. Apesar de no último ano se ter registado uma quebra no consumo de cerveja, durante o período de cinco anos em análise esta bebida apresentou uma subida de 83 milhões de litros, ficando ligeiramente abaixo dos seis mil milhões de litros. Também as bebidas espirituosas registaram uma ligeira subida nos cinco anos em análise, aumentando em oito milhões de litros o volume consumido em terras de sua majestade, fixando-se no final do último exercício em 238 milhões de litros.

Quanto ao consumo per capita, o Reino Unido (passou de 132,4 para 139,3 litros) foi, dos quatro países em análise, o único a apresentar subidas em todos os segmentos, apesar de, no caso da cerveja, o aumento se ter fixado nuns insignificantes 0,1 litros. Já no caso do vinho, a evolução foi expressiva, passando cada britânico a consumir mais seis litros de vinho por ano, marcando uma evolução de 14,3 para 20,3 litros em apenas cinco anos. Também nas bebidas espirituosas houve uma evolução, embora muito ligeira, com os britânicos a consumirem mais 0,1 litros que em 1999.

Porter com razão

Quando, em Maio de 2003, Chris Malone da Monitor Group, referiu na apresentação do Estudo Porter que o mercado estratégico a ter em conta pelo cluster do vinho português seria o Reino Unido – juntamente com os Estados Unidos da América –, foram muitas as vozes a questionar esta linha de orientação para a exportação dos produtos da fileira vitivinícola nacional. O relatório da Mintel revela que, apesar da cerveja constituir ainda o maior mercado de bebidas no Reino Unido com 52 por cento em volume, o vinho está a ganhar cada vez mais terreno, situando-se a quota actual nos 25 pontos percentuais, com as vendas de vinhos de marca, em valor, a ultrapassaram as de cerveja.

Quanto ao mercado interno, Portugal viu o consumo de bebidas alcoólicas crescer cerca de sete milhões de litros, segundo os dados do globaldrinks.com, passando de 1,137 para 1,144 mil milhões de litros no período de 1999 a 2004. Entre os segmentos analisados, a cerveja perdeu cerca de 43 milhões de litros, baixando a fasquia dos 600 milhões. Em contraponto, o consumo de vinho passou de 460 para os 506 milhões de litros, numa evolução gradual ao longo dos últimos cinco anos. Neste particular, o trabalho desenvolvido ao nível do retalho, criando zonas de loja mais cuidadas e organizadas, por exemplo, por região vitivinícola, tal como as feiras especializadas que ocorrem anualmente, vieram criar uma maior cultura de consumo, fomentando a curiosidade e a experimentação. Já em relação às bebidas espirituosas, apesar de possuírem pouca expressão quando comparadas com os outros dois segmentos em análise, o seu comportamento mantém-se estável, com uma evolução de um milhão de litros ao longo destes cinco anos. Baseando-nos nos dados fornecidos pela AC Nielsen para o ano de 2004, verificamos que, no caso da cerveja, a balança do consumo pende claramente para o canal Horeca, apresentando um volume de vendas na ordem dos 250 milhões de litros (mais 100 milhões que no canal Alimentar e mais 50 milhões do que na Noite, que a Nielsen não incorpora nos seus estudos), enquanto que no vinho acontece exactamente o oposto. Neste segmento de mercado a preferência vai claramente para o consumo caseiro, com os dados fornecidos pelo INA da AC Nielsen a apresentarem 60 milhões de litros de volume contra 24 milhões no INCIM. Neste particular, o canal Noite tem uma expressão bem mais diminuta.

Quanto às vendas em valor no canal Alimentar, os 177 milhões de euros de vinho comercializados (correspondendo a 60 milhões de litros), representando quase um terço do volume de vendas da cerveja, ficam apenas a dois milhões de euros da bebida alcoólica mais vendida em Portugal. Com 179 milhões de euros, a cerveja apresentou um crescimento zero no último exercício, enquanto que o vinho, após dois anos de crescimento na casa dos 15 pontos percentuais, viu as suas vendas serem prejudicadas com uma descida de dois por cento, fixando-se nos 177 milhões de euros. No canal Horeca, a diferença entre estes dois segmentos é bem mais significativa, mercê do “disparo” das vendas em volume no caso da cerveja e da descida no caso dos vinhos. Assim, e apesar da queda de três por cento, a cerveja apresenta um valor de vendas na ordem dos 580 milhões de euros, enquanto o segmento do vinho – com uma diminuição de um ponto percentual – fixa os seus ganhos para o ano de 2004 nos 178 milhões de euros, curiosamente um valor praticamente idêntico nos dois canais.

Futuro menos alcoólico . Novamente impulsionada pelo contributo negativo da Alemanha e da França, a Europa dos Quinze, segundo as previsões do globaldrinks.com, deverá registar um decréscimo de 120 milhões de litros no consumo de bebidas alcoólicas até 2008, fazendo com que, num espaço de dez anos, o consumo na UE registe uma quebra de 600 milhões de litros. Com a cerveja a liderar as descidas, o estudo do globaldrinks.com antecipa uma quebra de 640 milhões de litros no consumo de cerveja em uma década, com o consumo per capita a baixar de 78,2 litros em 1999 para os 74,4 litros em 2008.

Já no caso do vinho, este segmento irá registar uma evolução de 47 milhões de litros no consumo global no espaço europeu, passando de 12,836 mil milhões de litros para 12,883 mil milhões de litros, apesar do mesmo estudo revelar uma ligeira quebra no consumo per capita, passando este de 34,2 para 33,4 litros no período em análise, devido ao aumento previsto para a população europeia. A ajudar a quebra no consumo de bebidas alcoólicas aparecem também as espirituosas, apresentando uma descida de 189 milhões de litros, passando de 1,769 para 1,580 mil milhões de litros, com o consumo per capita a descer de 4,7 para 4,1 litros dentro de três anos.

Quanto aos países analisados, e para o mesmo período de tempo, a Alemanha deverá apresentar a maior quebra com 993 milhões de litros, passando de 13,023 para 12,030 mil milhões. A causadora desta descida “vertiginosa” é a cerveja apresentando um deficit de 978 milhões de litros em 2008, enquanto o vinho é a única bebida alcoólica a apresentar uma subida, prevendo-se o consumo de mais 60 milhões.

Em França, o estudo prognostica uma quebra de 816 milhões de litros no consumo de bebidas alcoólicas, com o vinho a assumir-se como principal razão para este decréscimo. De facto, a descida de 460 milhões de litros no segmento do vinho aliados aos 335 milhões da cerveja, confirmam a diminuição do consumo per capita em solo francês, passando de 107 (1999) para 89 litros em 2008.

Comportamento completamente diferente das duas outras “potências europeias” apresenta o Reino Unido. Juntamente com os crescimentos esperados para outros países, o consumo nas bebidas alcoólicas deverá aumentar no país qualquer coisa como 680 milhões de litros, correspondendo à passagem de 7,745 para 8,425 mil milhões de litros de 1999 a 2008. O destaque vai para o vinho, com um aumento de 533 milhões de litros, colocando a fasquia nos 1,370 mil milhões de litros consumidos em 2008. Também a cerveja, com uma subida de 153 milhões de litros, ultrapassa a barreira dos seis mil milhões, constituindo o aumento de 20 milhões de litros no consumo de bebidas espirituosas um número insignificante quando comparado com os dois outros “concorrentes”. De facto, o aumento no consumo per capita no segmento do vinho é expressivo, passando cada britânico a consumir mais oito litros de vinho por ano, passando de 14,3 para 22,8 litros, enquanto na cerveja esse número se mantém igual.

Quanto a Portugal, o estudo do globaldrinks.com coloca o consumo em alta, passando de 1,137 para 1,164 mil milhões de litros. Nos segmentos de bebidas em análise, a cerveja apresenta um decréscimo de 33 milhões de litros no período de 1999 a 2008, enquanto o vinho vê o seu consumo aumentar em 54 milhões de litros, fixando-se nos 514 milhões. Já nas bebidas espirituosas o aumento é de um milhão de litros. No que diz respeito ao consumo per capita, confirma-se uma descida de quatro litros no consumo de cerveja, fixando-se em 2008 nos 58,3 litros, para nos vinhos a realidade ser bem diferente, revelando uma subida de cinco litros, colocando o consumo individual médio por ano de cada português bem perto dos 50 litros.