Destaque Destaque Homepage FMCG Homepage Newsletter

A revolução da proteína vegetal e as boas práticas internacionais de inovação

Por a 4 de Abril de 2022 as 16:00

GrupoMontalvaA forma de inovar no grande consumo está a mudar. A desaceleração que a pandemia imprimiu aos negócios conferiu às empresas tempo para refletir sobre os tradicionais processos de pesquisa e desenvolvimento e reinventar o conceito de inovação. Na primeira pessoa, Vitoria D’Orey Branco (Izidoro), partilha a sua experiência

Por Victoria D’Orey Branco, diretora de compras e head of R&D do grupo Montalva*

O grupo Montalva tem a marca Izidoro que, neste momento, é líder de mercado, seguida de perto por várias empresas. Em termos de inovação, em 2021, tivemos um ano totalmente disruptivo. Somos reconhecidos como especialistas em proteína animal, trabalhamos desde prado ao prato, com bovinos e suínos, mas, no ano passado, resolvemos passar a ser conhecidos como especialistas em proteína. Porque começamos a ver que o mercado da proteína vegetal é um caminho. A gama plant-based que lançámos no ano passado é atualmente um dos pilares do crescimento das vendas, quer em salsichas quer em transformados, como hambúrgueres e carne picada. Neste momento, a nossa equipa de inovação e desenvolvimento está 50% focada em produtos de proteína vegetal. Se há dois anos tivéssemos esta conversa, eu diria que a minha equipa estaria totalmente focada a fazer salsichas, fiambre, carne fresca, lombo de porco, entre outros produtos. E hoje é especialista em proteína vegetal, nomeadamente proteína de ervilha e de soja. Estamos a tentar trazer os tradicionais sabores portugueses à proteína vegetal. A verdade é que estamos a construir o nosso trilho, porque somos reconhecidos pela proteína animal e queremos ser também reconhecidos como especialistas em proteína vegetal.

Os equipamentos de produção são exatamente os mesmos e o conhecimento estamos a adquirir. Estamos a formar a nossa equipa principalmente na Holanda e na Alemanha, para depois trazer o conhecimento para dentro das nossas equipas. É este foco que estamos a dar à equipa de inovação.

Outra mudança que levámos a cabo no ano passado e que representou uma verdadeira disrupção foi termos começado a gerir a nossa equipa de tecnólogos de forma completamente diferente. A pandemia concedeu-nos algum tempo para visitar indústrias que consideramos de referência no setor e fora do setor, principalmente nos EUA, para perceber como o R+I+D (Research, Development and Innovation) era feito, não da maneira como nós o fazemos, seguindo os processos tradicionais de inovação e desenvolvimento. E foi assim que criámos dentro da equipa o projeto “Entra”. Quer as ideias cheguem através de clientes ou do marketing, já não sou eu que atribuo o projeto a determinada pessoa. Agora é a pessoa dentro da equipa que mostra mais carinho pelo projeto que fica com ele. Foi uma aposta ganha. Nunca nos tínhamos lembrado disto. Eramos nós que definíamos que tecnólogo ia fazer o quê. Neste momento, a pessoa que mais se revê no projeto é aquela que fica com ele, mesmo que não tenha o conhecimento específico daquela área. O que notamos é que uma pessoa quando gosta e está empenhada, mesmo não dominando o tema, tem gosto em aprofundar, e, depois, o projeto e o próprio contacto com o cliente correm melhor e de forma mais natural.

Com o cenário de “perfect storm” que enfrentamos economicamente, a subida do preço das commodities agrícolas e energéticas, transversal a todos os setores, as quebras na “supply chain” e os preços nunca vistos. Não é nos últimos dez, nem nos últimos 20, nunca tínhamos visto mesmo preços assim. Isto gerou muitas dificuldades ao grupo, quer em termos de tesouraria, quer em termos de encontrar as matérias-primas que precisamos para o plant-based, porque quando vamos à procura de alternativas elas também não existem no mercado. E isto acaba naturalmente por influenciar também os processos de inovação.

Para prevenir quebras de abastecimento, o grupo, assim que começou a perceber que iam acontecer quebras na “supply chain”, e rateio de matérias-primas que sabíamos que iríamos precisar, como conservantes e outras que precisamos para os nossos processos, fizemos uma cobertura para um ano. Podem imaginar o esforço financeiro que o grupo teve de fazer entre junho e dezembro do ano passado para não sofrer quebras na cadeia de abastecimento. Porque somos responsáveis por 70 ou 80% da carne fresca e outros tipos de alimentos nos supermercados e não nos poderíamos dar ao luxo de falhar o abastecimento.

As duas proteínas alternativas que mais trabalhamos são a soja e a ervilha. Trabalhamos com um fornecedor alemão que é um dos maiores produtores destes dois tipos de proteína. Fizemos um contrato de fornecimento também para um ano. Além disso, tivemos de arranjar um armazém externo para conseguirmos trazer todas as proteínas que precisávamos, tendo em conta uma projeção de vendas que fizemos até dezembro 2022.

Estamos também a introduzir alguns derivados de proteínas leguminosas produzidas em Portugal. Embora a quantidade que nós precisamos não possa ser substituída na totalidade por produto português, estamos a tentar incorporar, pelo menos, 10% de proteína de grão-de-bico e estamos a estudar outras alternativas, como a farinha de castanha.

*Depoimento recolhido pela jornalista Rita Gonçalves, na conferência “Food and Drink Trends 2022”, organizada pela Portugal Foods

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *