Não Alimentar

Beatriz Imperatori, Directora-geral da Centromarca

Por a 16 de Outubro de 2009 as 5:29

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“O consumidor actualmente  não tem hipótese de escolha”

Há muito que a relação entre produção e distribuição está tensa. Marcas próprias, atrasos nos pagamentos, concentração, look alikes, são várias os pontos que desunem quem tem de trabalhar em conjunto.

O final do primeiro semestre de 2009 viu as marcas próprias da distribuição alcançar 33% de quota de mercado. Para a directora-geral da Centromarca, Beatriz Imperatori, “as condições não são iguais para todas as marcas”, admitindo que “o preço baixo das marcas brancas também está a ser pago pela contribuição da produção”.

Hipersuper(H): De acordo com os últimos dados da TNS, no primeiro semestre de 2009, a quota das marcas próprias atingiu os 33%. Para a Centromarca esta quota poderá chegar a que percentagem?
Beatriz Imperatori (B.I.):
Nós não comentamos quotas. As quotas são um reflexo de duas coisas: opção do consumidor que escolhe aquilo que tem na prateleira; e o que chamamos os bastidores, ou seja, o consumidor escolhe o que está na prateleira.

As dúvidas que temos são exactamente na parte dos bastidores em que entendemos que há cerca de 30% das marcas que têm um conjunto de regras que não são as mesmas dos restantes 70% das outras grandes marcas.

H: A questão principal está então no chegar ao linear?
B.I.:
Com certeza. É óbvio que o consumidor só pode escolher aquilo que está na prateleira. Aquilo que existe na prateleira, a forma como existe, a forma de chegar a essa mesma prateleira e a forma como está na prateleira, são variáveis. O que dizemos é que as condições não são iguais para todas as marcas. Nem todas as marcas têm acesso às mesmas regras e jogam com as mesmas regras. Ou seja, não têm acesso às prateleiras nas mesmas condições.

H: Essas condições são demasiadamente exageradas para as marcas de fabricante?
B.I.:
Não vou classificar de exageradas ou não. Cada um tem a sua autonomia na definição das suas próprias estratégias. Pela autonomia que temos é normal que cada uma das entidades, seja produção ou distribuição, assuma os riscos dessas mesmas estratégias. Quem define as regras de uma insígnia é a distribuição e os riscos dessa estratégia, mais grandes marcas ou mais marcas brancas, devem ser assumidos pela distribuição.

O problema está aquando da definição da estratégia que cabe à distribuição e o risco dessa estratégia depois é passada para a produção. Portanto, há aqui qualquer coisa que não está bem. Não podemos ter cada vez menos espaço na prateleira e ser-nos exigido o mesmo nível de contribuição para o negócio.

Uma coisa é termos um boa exposição, outra coisa é ter exposições manifestamente inferiores às que já tivemos e ter de contribuir para o negócio com os mesmos valores e estar a cobrir as menos-valias que vêm na sequência de outras estratégias, que são legítimas, mas é a distribuição que define o que acontece na loja, qual o espaço que dá a determinada marca. É a distribuição que define, também, o preço final ao consumidor das marcas, não só das brancas, como também das grandes marcas. A responsabilidade e definição do preço ao consumidor é da distribuição.

Nós passamos à distribuição um conjunto de condições que pode ter dois destinos e quem o define é a distribuição. Ou a distribuição actua como uma transmissão de benefício ao consumidor, ou seja, as condições que nós passamos à distribuição são passadas ao consumidor; ou a distribuição decide que as condições que passamos à distribuição têm dois destinos: ou vão directamente para a rentabilidade do seu negócio, ou podem subsidiar marcas brancas para que estas possam ter um preço mais baixo.

O preço baixo das marcas brancas também está a ser pago pela contribuição da produção.

H: Mas na actual conjuntura quem sai beneficiado não é o consumidor?
B.I.:
Penso que essa pergunta tem por trás uma concepção limitada do consumidor. O que me está a dizer é que o consumidor, neste momento, só faz a sua opção com base no preço. É verdade que o consumidor está mais sensível ao preço e que nas suas escolhas o factor preço é mais importante.

Relativamente a isso digo-lhe que não são só as marcas brancas que têm preços baixos. Primeiro, nós também gostaríamos de ter um preço mais baixo e muitas vezes as condições que passamos à distribuição não são muitas vezes repercutidas no nosso preço final. Não podemos fazer nada.

H: Teriam, portanto, condições para oferecer preços mais baixos?
B.I.:
Claramente. Nós sabemos que o consumidor está sensível ao preço e que o preço é cada vez mais importante, mas temos soluções para ajudá-lo. Nós prescindimos da nossa rentabilidade hoje, porque é difícil para todos e damos directamente contributo em preço.

Isto para dizer que a mensagem que quem dá preço e quem ajuda é a marca branca ou que o consumidor só poupa comprando marca de distribuição e que as grandes marcas não o fazem não é correcta.

H: O consumidor, em Portugal, penaliza a distribuição se esta não tiver no linear a marca que prefere?
B.I.:
O consumidor não tem grandes alternativas. Quando dizemos que o mercado é concentrado não é só porque temos clientes muito fortes. O prejuízo do mercado concentrado não é só ter clientes enormes que têm um peso brutal nas nossas vendas e com capacidade de negociação muito forte.

É também para o consumidor, porque não tem variedade, não tem escolha. O que nós assistimos nos últimos anos foi a uma homogeneização dos formatos.

O consumidor actualmente não tem hipótese de escolha em Portugal porque as insígnias não se distinguiram, todas elas fizeram o mesmo caminho.

Exemplo: nós tínhamos claramente mais variedade antes da operação de concentração Sonae/Carrefour.

H: Mas a concentração é o mercado livre. Também existe concentração do lado da produção?
B.I.:
Explique-me quem é que gere essa concentração? Quem é que determina que na prateleira só estão três marcas e exclui dez?

Quando a distribuição diz que a produção está concentrada, pois com certeza.

Se a distribuição não favorece a diversidade das marcas e não favorece a possibilidade de escolha ao consumidor e dispensa um conjunto razoável de marcas, é normal que as empresas desapareçam.

Em Portugal, para chegar a 50% dos consumidores, as marcas têm de passar por dois grupos de distribuição.

Quando uma empresa fica de fora de uma insígnia ou grupo de distribuição, fica pura e simplesmente sem um fatia do mercado e torna a operação menos rentável.

H: O antigo presidente da Centromarca referia que existia “uma pressão cada vez maior na relação distribuidor/produtor”. Essa pressão mantém-se ou foi aumentada?
B.I.:
Essa pressão existe na exacta medida do poder da distribuição e dos seus níveis de concentração.

Maior concentração, maior pressão. Não é novidade para ninguém.

H: O presidente da FIPA, por sua vez, admitia, em Abril de 2009, que “foi a própria indústria que decidiu produzir e aceitar as condições e contratos negociados entre as partes [produção vs distribuição].” A produção de MDD não veio ajudar, de alguma forma, a indústria que se encontrava em dificuldade?
B.I.:
Vou-lhe responder da seguinte forma: quando a marca branca surgiu, foram os especialistas que a produziam.

Era um negócio marginal que muitas vezes era útil, por causa de uma questão de escala, ocupação de linhas, industrial. As coisas evoluíram, tal como evoluiu a percepção em relação ao negócio das marcas próprias.

Hoje em dia, esse negócio – universo de associados da Centromarca – representa apenas 5%. Ou seja, é claramente um negócio residual.

Aquela percepção que existia no consumidor de que as marcas brancas são iguais porque são feitas nas mesmas fábricas pelas mesmas marcas já não é verdadeiro.

Existe mesmo um conjunto de marcas que já comunicam isso ao consumidor.

H: Mas as marcas foram prejudicadas por essa associação?
B.I.:
As marcas brancas foram beneficiadas.

H: As marcas de fabricante não foram prejudicadas?
B.I.:
Por uma transferência de consumo, evidentemente que foram.

H: Em relação à regulação, existe falta de regulação em Portugal? É essa falta de regulação que criticam relativamente à Intercompra.
B.I.:
As regras que existem têm de ser aplicados a todos. Se a Sonae quando compra o Carrefour o faz com todos os direitos e deveres, se a Jerónimo Martins quando compra o Plus o faz com todos os direitos e deveres, a Makro e Auchan quando se juntam devem fazê-lo, também, com todos os direitos e deveres.

Para nós, este acordo tem efeitos de operação de concentração. Portanto, no nosso entender, deveria de ir, com toda a naturalidade, à autoridade que aprecia este tipo de acordos.

O que nós esperamos da Autoridade da Concorrência (Adc) é que num espaço de tempo útil, esclareça o mercado.

H: Qual é esse espaço de tempo útil?
B.I.:
O espaço de tempo útil é aquele em que a decisão surja e que ainda permita aos fornecedores ter alguma liberdade de escolha e opção. Se a decisão chegar quando o tempo de mercado se esgotou, então o mercado já resolveu a questão com as regras actuais.

H: Mas já houve marcas que cederam?
B.I.:
Reforça o meu argumento. Para estarem presentes, tiveram de ceder. Se tivéssemos já uma decisão da Adc, a situação poderia ser diferente.

O tempo de decisão no mercado é muito curto e rápido. O nosso sector é rápido e exigente e as decisões tomam-se em dias. Não se está meses à espera, isso favorece um dos lados.

O tempo útil de decisão da AdC tem de ter em conta o tempo de facto de decisão do mercado.

O que queremos é regras claras, para que todos possamos saber quais são as regras do mercado. Essa é a verdadeira utilidade da AdC. Não são depois as multas.

H: Perante esta falta de decisão e tendo havido marcas que já cederam, teme que mais marcas o façam?
B.I.:
É altamente provável. Depende das negociações directas.

A Centromarca só actua no plano dos princípio legais. Tudo o que são análises feitas ao valor económico e de negócios que são propostos, a associação não tem absolutamente nada a ver com essas avaliações.

A preocupação da Centromarca está no plano legal e nesse plano actua nas entidades competentes. O que foi feito neste caso e nos outros.

H: Nos outros, nomeadamente o do ICAP com o E.Leclerc?
B.I.:
Exactamente. O processo do ICAP está decidido desde final de Julho a favor da Centromarca.

Essa decisão foi rapidíssima. É um dos grandes méritos do ICAP.

H: Outro assunto que a Centromarca trouxe para a praça prende-se com os atrasos de pagamentos da distribuição.
B.I.:
Neste caso, temos de distinguir o que são prazos acordados de situações em que, de facto, existem atrasos.
No primeiro caso, o que dizemos é, se as condições estão contratualizadas, então devem ser cumpridas.

No segundo caso, é extremamente penalizador para a indústria estar a ser a financiadora cash das operações da distribuição.

O negócio da distribuição é financeiro, paga a prazo e recebe a pronto.

H: A situação portuguesa é muito diferente do que se passa na restante Europa?
B.I.:
Portugal tem problemas característicos do nosso mercado. É pequeno e concentrado. As duas coisas juntas são graves.

H: Mas, tal como noutros mercados, a distribuição e produção estão “condenados” a viver em conjunto?
B.I.:
Nós não estamos condenados, porque foi uma opção nossa. A produção e a distribuição vão continuar a trabalhar juntos.

O objectivo último deve ser o consumidor. Nós inovamos para o consumidor. Se existem 30% de marcas próprias e 70% de marcas de fabricantes, todas elas são para o consumidor.

O caminho é em conjunto e é positivo. Não vamos uns para um lado e os outros para o outro. Isso não é possível e não é a nossa escolha.

H: A inovação é a arma das marcas?
B.I.:
Quando se pergunta ao consumidor, o que é uma marca e o que é uma marca branca? O consumidor responde para as marcas brancas preço mais baixo, qualidade q.b. e imitação.

Em relação à marca de fabricante, o consumidor responde: preço um pouco mais alto, muita qualidade e inovação.

O consumidor é inteligente…

H: Não tem é dinheiro na carteira?
B.I.:
Tem é sensibilidades e opções diferentes. As marcas hoje oferecem inovação com preço. Oferecemos o equilíbrio que o consumidor pede no contexto actual. O mais importante, enquanto consumidor, não é ter o mesmo ritmo de inovação que havia há cinco anos, mas ter inovação com outro preço.

H: Porque é que as marcas não se juntam e criam os seus próprios pontos de venda?
B.I.:
É uma possibilidade. Mas não é por existir essa possibilidade que deixamos de ter este problema. Para resolver este problema não vamos virar costas.

H: Não é virar costas, é criar uma alternativa, não excluindo a distribuição?
B.I.:
Com certeza que é uma alternativa, mas terá de perceber que a nossa especialidade é produzir e não distribuir, tal como a distribuição a especialidade não é produzir.

H: Mas está a produzir?
B.I.:
Não está a produzir, está a comercializar a sua marca.

H: Mas existem acordos com produtores que estão a produzir as marcas para a distribuição?
B.I.:
É o que nós fazemos. Temos acordos com distribuidores que vendem as nossas marcas.

O mundo destas marcas e a forma de fazer negócio destas marcas não se esgota na relação produção/distribuição. O consumidor não se esgota na compra ao supermercado. Cada vez mais, as marcas procuram canais alternativos, muito mais inovadores.

H: A relação produção/distribuição, ou seja, Centromarca vs APED necessita de um árbitro?
B.I.:
Em todas as situações onde existe conflito de interesses, mas alguma vontade de trabalhar em conjunto, os árbitros são bem-vindos. O árbitro é, por natureza, independente, permitindo ter um olhar objectivo sobre as coisas.

Sim, é bom ter um árbitro, seja ele a AdC, o ICAP, ou outra entidade qualquer.

H: Como é que vê a relação produção/distribuição no futuro?
B.I.:
Diferente, porque neste momento existem diversas iniciativas para que se trabalhe em conjunto.

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