FMCG Marcas

Manuel Barata Simões, Porta-voz da ACHOC

Por a 16 de Abril de 2009 as 18:25

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“A distribuição está a  reduzir os lineares de chocolate”

Esteve 17 anos ao serviço da distribuição em Portugal e é com convicção que agora aponta o dedo aos retalhistas. O porta-voz da Associação dos Industriais de Chocolate acusa as grandes superfícies de travarem o desenvolvimento do sector.

Em causa está a redução do linear dedicado ao chocolate. Manuel Barata Simões assegura que a categoria “é rentável e tem boa rotação. É curioso, surpreendente e inexplicável que tenha estado a haver uma redução de linear em algumas categorias de chocolate”. O porta-voz da associação volta ainda a alertar os governantes para a diferença do IVA face a Espanha. “O Estado é fortemente prejudicado”, assegura, acrescentado que “há cash&carry espanhóis junto às fronteiras para abastecerem os comerciantes portugueses”.

Hipersuper (H): Quanto vale o mercado de chocolate em Portugal?
Manuel Barata Simões (M.B.S.):
O consumo interno ronda 12.500 toneladas, segundo dados de 2007. A produção local está próxima das três mil toneladas, e uma boa parte destina-se à exportação. A Imperial, um dos dois únicos fabricantes de chocolate em Portugal, exporta para mais de 20 países.

O outro associado da ACHOC [Associação dos Industriais de Chocolate e Confeitaria], que também é produtor, a Vienense, cobre o mercado nacional em épocas sazonais, e fora dessas épocas a sua distribuição é essencialmente regional.

H: Portugal já teve, no entanto, mais fabricantes?
M.B.S.:
Sim. A Nestlé tinha unidades de produção em Portugal, mas optou por fechá-las para concentrar a produção em dois ou três locais a nível europeu e beneficiar de economias de escalas.

Com a adesão de Portugal à C.E.E. [Comunidade Económica Europeia, em 1986], esteve em aceso debate as pautas aduaneiras, ou seja o proteccionismo que o País tinha em relação a alguns produtos, como o chocolate.

A taxa de importação de chocolate era de 6%. Imposto esse que, de um dia para o outro, quase sem informação ao sector, passou a ser zero. Como consequência registou-se uma entrada aceleradíssima das grandes marcas internacionais que tinham, e continuam a ter, com algumas excepções, preços de produto acabado mais baixos face aos produtores locais. Algumas empresas estrangeiras punham o preço do produto no ponto de venda mais baixo do que estava à saída das máquinas de alguns produtores.

H: Porquê?
M.B.S.:
Excesso de mão-de-obra e também porque não se actualizaram do ponto de vista técnico. As máquinas e equipamentos eram lentos e pouco produtivos. Além disso, as multinacionais começaram a trazer um conceito de consumo novo: a pequena barra, os chamados snacks. Em Portugal, não havia produção e sequer equipamentos para fabricá-las.

Isto significa duas coisas: um acto de compra mais barato e uma quantidade de consumo mais baixa, com menos efeitos perniciosos. Ainda se verifica o hábito, muito lusitano, de comprar uma tablete de chocolate e comê-la toda de uma vez só.

H: No entanto, Portugal continua a ter o consumo per capita mais baixo da Europa?
M.B.S.:
Sim. Na ordem de 1,4kg/ano. Em Espanha, é de 3,6kg, em Itália anda na casa dos 4kg e em Inglaterra 12kg.
Por duas razões: permanece a ideia de que o chocolate é um produto de oferta para ocasiões especiais. Ou seja, o consumo é muito sazonal. A Páscoa e o Natal representam mais de 60% do consumo anual.

Além disso, os portugueses desconhecem os benefícios do chocolate para a saúde, quando ingerido moderadamente. Mantêm-se uma série de mitos, como “o chocolate faz mal aos dentes”.

H: O que tem sido feito pela indústria para incentivar o consumo?
M.B.S.:
Divulgar os benefícios e explicar que o consumo moderado e regular de chocolate é saudável.

H: A estratégia está a dar frutos?
M.B.S.:
Não é imediato. Tem-se registado uma ligeira mas sustentada subida do consumo. Em Portugal, há restrições para a identificação correcta do consumo. A livre movimentação transfronteiriça de produtos leva a que não apareça nas estatísticas o chocolate que é consumido cá mas trazido de Espanha. E é uma quantidade exorbitante mas que não conseguimos quantificar. Porquê? Em Portugal, o chocolate paga um IVA de 20%. Em Espanha paga 7%. Ou seja, só a diferença do IVA chega a ser superior à margem de comercialização de alguns retalhistas.

H: Qual é a proposta da ACHOC?
M.B.S.:
Introduzir o chocolate na categoria alimentar, porque é realmente um produto alimentar, e ser taxado a 5% ou eventualmente a 12%, a categoria intermédia.

H: Há, então, muitos retalhistas portugueses que abastecem em Espanha?
M.B.S.:
Sim, existem cash&carry espanhóis junto às fronteiras para abastecerem os comerciantes portugueses. Há muitos anos que alertamos os sucessivos governos para este problema. Durante o Governo de Durão Barroso foi feito um estudo que provava que o Estado é fortemente prejudicado. Não recebe IVA, já que a mercadoria vem de fora, e é lesado ao nível do próprio IRC, que não entra na contabilização ordinária da empresa. Isto na vertente de retalho.

H: E no caso da indústria?
M.B.S.:
Na produção, há outro aspecto complicado. Quando as multinacionais analisam as estatísticas de cada país verificam que o consumo em Espanha cresce e em Portugal se mantém estabilizado. Então, para quê ter um quartel-general em Portugal? Fecham a delegação portuguesa e transferem-na para Espanha. Como já aconteceu com uma série de empresas.

Resultado: mais prejuízos, menos emprego, impostos e serviços, e tudo o que gira à volta de uma empresa.

Isto torna difícil ter valores efectivos sobre o consumo.

Mais, tem um peso muito razoável, mas não conseguimos quantificar, o produto que vem de Espanha que não é chocolate, são sucedâneos, e são vendidos em feiras pelos retalhistas itinerantes.

H: O canal alimentar é o peso pesado na distribuição de chocolate?
M.B.S.:
Sim, mas a grande distribuição está a reduzir o linear dedicado ao chocolate. É curioso, surpreendente e inexplicável que tenha estado a haver uma redução de linear em algumas categorias de chocolate. Há falta de informação entre nós e a distribuição, que não tem mostrado muita abertura para resolver isto, seja a nível da APED (Associação das Empresas de Distribuição), seja a nível individual das diferentes cadeias.

H: A redução é em favor de marcas próprias?
M.B.S.:
Sim, naturalmente, mas também da categoria de forma global. Não entendemos. Porque é rentável e tem boa rotação. Parece-nos que a estratégia parte de um pressuposto errado que é: “há produtos de maior rotação”.

É evidente que se reduzirem o linear, a rotação diminui.

Tem havido aqui uma falta de entendimento com todas as cadeias de distribuição, embora esta redução seja mais evidente numas que noutras. Há uma transformação aceleradíssima, insígnias que alteraram completamente o conceito, concentrações entre empresas do sector, mas as grandes superfícies de forma global reduzem o linear e não entendemos o que está a acontecer.

Há ainda outra questão que se prende com aquilo que a distribuição considera a sazonalidade. No Natal e na Páscoa os lineares aumentam e ganham destaque. Porquê?

Não se pode consumir no resto do ano, inclusive no Verão?
ACHOC: meio século de história
A Associação dos Industriais de Chocolate e Confeitaria (ACHOC) conheceu a luz do Sol em 1988, mas a historia da entidade empresarial começa nos anos 60, com a criação do Grémio dos Industriais de Massas Alimentícias, Bolachas e Chocolates.

Após o 25 de Abril de 1974, grande parte dos grémios são transformados em associações e é decretada a autonomia de cada uma daquelas áreas de actividade. Assim, surge a ACHOC, cuja missão ainda hoje se mantém firme:

Representar os industriais de chocolate a operar no País, independentemente de terem sede produtiva em Portugal.

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