Feiras

Luíz Branco, Presidente da ICA Expo

Por a 17 de Outubro de 2008 as 9:30

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“Queremos colocar o cooperativismo em contacto com o mercado privado”

Pela primeira vez, várias cooperativas de todo o mundo juntam-se numa feira, que tem por objectivo não só dar a conhecer o modelo de negócio do cooperativismo, mas também potenciar parcerias e abrir as portas de cooperativas locais ao mundo.

De 23 a 25 de Outubro, Lisboa será a anfitriã da primeira feira mundial do cooperativismo. Em conversa com o Hipersuper, Luíz Branco, presidente da ICA Expo, revelou quais as suas expectativas em relação ao evento.

Hipersuper (H): Esta é a primeira feira do cooperativismo a nível mundial. Porque sentiram a necessidade de fazer este evento agora?
Luíz Branco (L.B.):
Na verdade, é um projecto que vem amadurecendo há uns quatro anos. Já organizámos algumas feiras para o cooperativismo regionais, inclusivamente uma em 2006 em Portugal, uma feira bi-nacional entre o Brasil e Portugal, que funcionou como uma espécie de piloto para esta feira.

A ICA Internacional, que fica na Suíça, via a necessidade de internacionalização das cooperativas, de ampliação dos negócios, porque a cooperativa é uma empresa, está dentro do mercado, tem concorrência e não tinha uma feira especifica a nível mundial. A ICA assumiu essa responsabilidade e lançou esta feira.

H: Quais os principais objectivos da feira?
L.B.:
Queremos colocar o cooperativismo em contacto com o mercado privado, colocá-lo para fora dos muros cooperativistas, integrar com essas empresas, com o mercado, mostrar os diferenciais das empresas cooperativas.

H: Como é que o cooperativismo pode “saltar o muro”?
L.B.:
Até agora o cooperativismo apenas trabalhava em eventos dentro do próprio cooperativismo. A questão de internacionalizar, mostrar os produtos, os diferenciais, porque são produtos com responsabilidade social, comércio justo, não tem intermédios, directo do produtor para o supermercado, é importante.

H: Porque é que a escolha caiu sobre Lisboa?
L.B.:
Na verdade, a ICA queria um país da Europa para fazer a feira, por ser um continente mais central. Candidatámos Portugal, até em função do piloto que houve em 2006. Nós enquanto empresa organizadora, já temos uma estrutura, fornecedores, parceiros, etc. Além disso, a FIL tem uma óptima estrutura, mesmo de logística, uma rede de hoteis muito boa e, dentro da Europa, é o país que tem o clima mais agradável esta altura, tudo isto se conjuga.

O próprio cooperativismo de Portugal assumiu essa responsabilidade, tanto a CONFAGRI (confederação das cooperativas agrícolas), o INSCOOP (Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo), a CONFECOOP (Confederação Cooperativa Portuguesa), que são os orgãos da ICA em Portugal. As entidades que congregam as cooperativas assumiram a primeira feira mundial do cooperativismo.

H: Quantos expositores vão ter na feira?
L.B.:
De expositores devem chegar por volta de 140, dentro de 26, 27 ou 28 países presentes na feira.

Poucos países representados

H: Esta feira foi bem recebida pelas cooperativas?
L.B.:
Sim, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. A ICA congrega 86 países, só estão um terço dos países, mas já é um óptimo começo para a primeira edição da feira. É sempre mais difícil porque não há uma história para mostrar, não há estatísticas, costumamos dizer que vendemos um sonho, na próxima edição já podemos vender estatísticas, resultados.

H: A adesão ficou aquém das vossas expectativas?
L.B.:
Imaginámos conseguir um pouco mais, mas existem vários factores que fomos descobrindo. Por exemplo, recebemos um cancelamento de um stand da Geórgia por causa da guerra. Quando estamos a envolver o mundo, acabamos por esbarrar em várias coisas que temos que escapam do nosso controlo.

H: Mas esperavam ter mais expositores?
L.B.:
Não tanto de expositores, mais de presença de países. No entanto, os principais países estão lá, além de Portugal, estão lá a França, Itália, Espanha, Inglaterra, Roménia, Polónia, Rússia, Brasil, Estados Unidos, Coreia, Indonésia, Malásia.

H: Quais são os países mais representados?
L.B.:
Portugal, por motivos óbvios.

H: Acha que a realização desta feira pode ser benéfico para o cooperativismo português?
L.B.:
Tenho a certeza. Não só pelo cooperativismo em Portugal, até mesmo para o País.

H: Quem vão ser os expositores?
L.B.:
Os expositores são essencialmente cooperativas.

H: Empresas a titulo privado não podem participar?
L.B.:
Não. A menos que sejam entidades, como o AICEP. Como expositores apenas o cooperativismo, por isso, vai ser muito benéfico para o cooperativismo mundial e português, porque a feira procura internacionalizar as cooperativas, promover os negócios, o próprio AICEP vai dar uma palestra de internacionalização das cooperativas num evento paralelo.

H: Como é que é possível internacionalizar as cooperativas?
L.B.
: Preparando-as tanto a nível de produção, como exportar, que países é que o seu produto pode atingir. Vamos ter um programa para o que chamamos de “hosteds buyers”, ou seja, subsidiamos um leque de compradores internacionais para virem à feira, com visitas agendadas. O programa une o que o expositor quer vender, ao que o comprador quer comprar.

H: Que compradores vão marcar presença nesse programa?
L.B.:
Já temos compradores do Carrefour, da rede Sonae e outros tantos.

H: Quais são as mais-valias que a feira pode trazer?
L.B.:
Para além dos negócios, que é o principal foco, é possível fazer um pouco mais de marketing das cooperativas, na linha do conhecimento é possível interagir com outros países, outras tecnologias, conhecer experiências doutros países dentro do cooperativismo, ver como está a concorrência, relacionamento, formar alianças estratégicas. A feira não acaba quando acaba a feira, tem prolongamento durante o ano inteiro.

80% sector agrícola

H: Quais os sectores mais representados na feira?
L.B.:
É o sector agrícola. Nós costumamos dizer que é uma feira de alimentos, só que com a diferença de serem alimentos de cooperativas. Basicamente 80% é da área agrícola, é o grande sector. A parte de vinhos, azeites, mel, café, vários produtos commodities, mas produtos industrializados, como sumos, bebidas.

O cooperativismo tem vários sectores, agrícola, crédito, habitação, transportes, saúde, produção, mas o sector que tem o perfil de estar na feira é o agrícola, que tem o produto para se vender, além disso temos algumas cooperativas do sector de produção, aqueles que têm produtos que não sejam da área agrícola.

H: Como por exemplo…
L.B.:
Do Iraque vêm cooperativas que vendem tapetes, do Brasil que trazem copos, mas o forte da feira são alimentos e bebidas.

H: Como é que conseguiram aliciar as cooperativas a participar na feira?
L.B.:
A grande questão é mesmo o negócio.

H: Este ano houve a feira Alimentação na Exponor, para o ano há a Alimentaria, que é a maior feira de alimentação do País, e esta feira fica no meio. Foi fácil convencê-los a participar?
L.B.:
Pois, o público visitante é o mesmo: os retalhistas, bares, restaurantes, hoteis, distribuidores, grossistas. A diferença entre a Alimentaria e a nossa feira é o expositor. Ali a Nestlé não entra, entra só uma cooperativa na área de lacticínios, como vêm várias dos Açores.

É uma feira muito sectorial, mas apesar de ter 80% na área de alimentos e bebidas, a China vai trazer tecidos. Então, um visitante de um hotel numa feira de alimentação apenas compra alimentos, mas aqui também pode comprar artigos de decoração, tecidos, outras coisas. Há um leque mais variado. Isto com o mote de ser cooperativa, de ter comércio justo, responsabilidade social.

H: Acha que o consumidor vê isso como uma mais-valia?
L.B.:
É uma mais-valia para o retalhista, porque o consumidor de hoje está mais exigente, escolhe os produtos consoante estes factores. Inclusivamente é mais barato, porque elimina-se o distribuidor, não pode confundir responsabilidade social no marketing e na essência, como é o cooperativismo, isto é uma forma de trabalho.

H: Quanto custa ter uma banca de exposição na feira?
L.B.:
Custa 165 euros por metro quadrado. É um valor que não é caro, nem barato. Há feiras mais baratas, depende muito da promessa que se faz. O local de exposição é a FIL, por isso há vários factores que têm custo, isso temos que cobrar. Mas o valor está na média.

H: Qual é a área de exposição?
L.B.:
Vamos estar no pavilhão 1 da FIL, que tem uma área total de 10 mil metros, os stands vão ocupar por volta de 3.500 metros quadrados, mais uma outra área de 2 mil, que vai ser de congressos, para palestras e workshops. Alguns expositores vão mostrar alguns produtos, vão haver encontros do sector, como o encontro internacional das cooperativas de consumo, VIII encontro internacional dos países de língua portuguesa. Há um seminário na área da energia renovável. Vai haver uma reunião da ICA Internacional, da Global 300, que são as maiores cooperativas do mundo. Existem cooperativas que facturam mais de 15 mil milhões por ano, estas 300 maiores cooperativas juntas têm um PIB maior do que o Canadá, têm uma força económica muito grande.

H: Quais são as grandes diferenças entre um produto comercializado por uma empresa privada e uma cooperativa?
L.B.:
No produto não há nenhuma diferença, é mais um modelo económico, porque é possível ter produtos mais baratos, mas com qualidade tão boa. O produtor é o dono do produto, até ao final, normalmente o produtor agarra no que produz, vende e não pensa mais nisso. O produtor recebe pelo produto, tem uma parte do lucro, ele recebe mais, como comércio justo, tem mais vantagens com isso.

Existem vários produtos, que o próprio consumidor não sabe que vêm de cooperativas. Aqui em Portugal podemos citar a Agros, Mimosa, que provêm de uma grande cooperativa, assim como vinhos. Na Polónia, por exemplo, 90% da economia é baseada em cooperativas, 50% das exportações do Brasil, na área agrícola, são de cooperativas.

H: E em Portugal?
L.B.:
É parecido com o do Brasil, movimenta uns 6% do PIB. Existem por volta de duas mil cooperativas registadas.

H: Destas duas mil, quantas estarão presentes?
L.B.:
Como visitante estarão. Como expositores, de Portugal, vão estar presente cerca de 40 cooperativas, um número pequeno perto das duas mil existentes, mas para uma feira não é.

Há outra situação interessante. Existem cooperativas de consumo, que são supermercados, estas não vão ser expositoras, vão ser visitantes, comprar produtos. A isso chamamos de intercooperativismo e conseguem fazer acções muito interessantes.

H: Como por exemplo?
L.B.:
Diminuir custos de compra, para o consumidor depois ter um produto mais barato. O próprio consumidor quando compra, tem que ser cooperado, sócio da cooperativa, e no final do ano recebe um dividendo da cooperativa, o lucro da cooperativa é dividido pelos sócios. É um sistema económico organizado mundialmente pela ICA, cuja sede fica na Suíça, que divide o mundo por quatro continentes, por sua vez, os países de cada continente tem a sua organização e ainda regionais. Eu acho que é o único sector económico organizado mundialmente, tem princípios, todos os anos a ICA lança um tema para que as cooperativas trabalhem esse tema no mundo inteiro.

H: Quais são os grandes desafios do cooperativismo?
L.B.:
O desafio é mostrar o seu trabalho e este ser compreendido, muitas pessoas pensam que as cooperativas existem porque fechou uma empresa e os funcionários tomaram conta dela. Mas o cooperativismo é uma economia muito forte, que propõe pegar no melhor do capitalismo e do socialismo e juntá-los, mas são empresas, têm concorrência.

De volta a Lisboa

H: Terminando a feira, como avalia o sucesso ou insucesso da mesma?
L.B.:
De várias formas práticas, quanto os expositores tiveram de resultado de negócios, quantos visitantes estiveram na feira. Se os expositores renovarem na própria feira, significa que rendeu bastante.

H: Quantos visitantes esperam?
L.B.:
Aproximadamente 10 mil em três dias, entre os quais, por volta de mil compradores.

H: Não estará aberta ao grande público…
L.B.:
Não. É uma feira para profissionais.

H: Faz parte dos vossos planos fazer uma segunda edição?
L.B.:
Sim, será bienal. Justamente para intercalar com outro grande evento mundial da ICA, a Assembleia Mundial, que é um grande encontro, onde se debatem temas importantes.

H: E será sempre em Lisboa ou vai ser rotativa?
L.B.:
A ideia é ser sempre em Lisboa, para se demarcar da Assembleia. Fazer a feira em várias cidades foi pensado, mas uma feira fixa dá mais resultados a longo prazo. Há grandes feiras que são fixas, como a Alimentaria.

H: Então, se tudo correr bem, podemos esperar uma segunda edição da feira do cooperativismo em Lisboa?
L.B.:
A primeira parte já correu bem. Estes 3.500 metros quadrados de feira para primeiro ano já é bastante bom. Daqui a dois anos devemos aumentar o espaço para cinco mil metros quadrados. Deverá haver um crescimento, até porque este ano o trabalho foi realizado num ano, para a próxima edição teremos dois anos para trabalhar e já teremos um exemplo para apresentar.

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