FMCG Vinhos

Paulo Amorim, Presidente da ANCEVE

Por a 2 de Maio de 2008 as 9:30

anceve

«Portugal vai “explodir” brevemente»

Terminada a presidência do G7, mantendo a liderança da ANCEVE e vice-presidência da ViniPortugal, Paulo Amorim dá os primeiros passos como produtor de vinhos. O jornal Hipersuper foi tentar perceber o que o levou a concretizar uma “visão”.

Detentor de um conhecimento profundo do mundo vitivinícola nacional e internacional, mantendo, ao longo dos últimos 25 anos, diversos cargos que possibilitaram um contacto com diversas realidades, Paulo Amorim decidiu apostar no vinho, mas como produtor. A primeira produção sairá em Maio e o projecto Wine Vision terá néctares do Alentejo, Douro e Verdes.

Hipersuper (H.): Terminada a presidência do G7, ao fim de mais de 15 anos, quais foram os pontos altos que marcaram a sua passagem pela liderança do grupo?
Paulo Amorim (P.A.):
O ponto alto do G7 foi, sem dúvida, o ter conseguido fundar o G7, tratando-se de um projecto pioneiro em Portugal, de cooperação entre empresas concorrentes seja qual for o sector de actividade.

Os “Velhos do Restelo”, davam um prazo de seis meses ao projecto. Mas o que mais me orgulha é, de facto, ter conseguido colocar pessoas a por de lado o que as desunia e a concentrarem-se nas pontes que as unia para um bem comum, o vinho português.

H: E havia muita coisa que desunia estas empresas?
P.A.:
Claro. E tivemos várias vicissitudes com empresas a sair, que faliram, que foram vendidas ou compradas.

Mas o que prevaleceu foi, na realidade, a cooperação e visão de um projecto comum a bem não só dos vinhos das empresas do G7, mas dos vinhos portugueses.

H: Houve alguma coisa que ficou por fazer?
P.A.:
Sim. Gostava de ter conseguido concretizar dois sonhos: uma estrutura comercial conjunta, tendo inclusivamente registado a marca – Sette – e ter criado uma central de compras.

No primeiro caso, tratava-se, no fundo, de uma estrutura comercial que vendesse um vinho feito por alguns enólogos de várias casas, inclusivamente fazer um blend de várias regiões.

O outro dossier que tenho pena não ter conseguido concretizar, e que tal como o anterior houve sempre uma empresa a votar sistematicamente contra, foi a criação de uma central de compras que, em meu entender, seria uma mais-valia para todas as empresas que compunham o G7.

H: Além do G7, é vice-presidente da ViniPortugal que encomendou há alguns anos o Estudo Porter. As indicações dadas por esse estudo estão a ser seguidas?
P.A.:
Nós estamos, neste momento, a fazer uma avaliação da implementação das recomendações do Estudo Porter. Do nosso ponto de vista, a ViniPortugal tem seguido um caminho positivo no que concerne a execução das principais recomendações, sendo que é preciso reconhecer que havia algumas recomendações que iriam ser agilizadas por outros organismos, como o caso do ICEP, agora AICEP.

Por exemplo, o ICEP, que fez parte do Comité Executivo do Estudo Porter, ficou de criar um número de telefone gratuito para utilização nos contra-rótulos em todos os vinhos nacionais e que permitiria ao consumidor telefonar, fazer reclamações, recomendações, etc.. Isso morreu com a mudança dramática que tem ocorrido ao longo de todo este tempo no ICEP.

Outra recomendação que tinha a ver directamente com o ICEP que, na altura tutelava o turismo, prendia-se com a ligação cada vez mais premente entre o vinho, gastronomia e o turismo, de modo a criar sinergias que não estão a ser aproveitadas.

H: Os mercados prioritários indicados pelo Estudo Porter continuam a ser os mesmos (EUA, Reino Unido, Alemanha, Escandinávia)?
P.A.:
Continuam a ser os mesmos, mas há muitas pessoas que não se revêem nesses mercados e pensa que deveriam ser revistos, apontando para mercados como o Sudeste asiático, China ou Rússia, entre outros.

Isso, no entanto, foi o que fizemos muitos anos antes do Estudo Porter, ou seja, seguir um pouco ao sabor do vento. Defendo e sempre defendi que temos poucas balas e que estas não deverão ser disparadas para sítios distintos, mas sim apontadas a alvos estratégicos.

H: Tem sido recorrente ouvir que os vinhos portugueses não vencem no mercado de exportação devido a uma falta de imagem de Portugal como país. Essa falta de imagem tem-se prejudicado as nossas exportações?
P.A.:
Essa foi uma das conclusões do Estudo Porter. O facto de não existir uma “Marca Portugal”, não somos conhecidos lá fora, sendo frequentemente dados exemplos de nos EUA não saberem onde fica Portugal ou de os nossos vinhos nos lineares dos supermercados aparecerem como pertencentes a Espanha.

H: No entanto, não faltaram críticos ao Estudo Porter?
P.A.:
Penso que foram poucas as pessoas que leram o Estudo Porter. O que tenho dito às pessoas é que o Estudo Porter não é uma Bíblia. Os produtores não são obrigados a segui-lo. O que o estudo fez e faz é dar indicações, de acordo com várias análises e conclusões. É um bom diagnóstico e desenha um bom plano de acção.

H: O que é que mudou no panorama do vinho nacional e internacional nestes 16 anos?
P.A.:
No panorama nacional assistimos a uma mudança dramática. Há 16 anos, tínhamos “meia dúzia” de vinhos de qualidade e quando se ia a um restaurante, a oferta de vinho era extremamente reduzida, e na Distribuição Moderna os lineares não eram o que são hoje.

Por isso, Portugal fez uma grande revolução na enologia, temos de fazê-la agora na viticultura.

No plano internacional, a evolução do Novo Mundo foi muito rápida. Foi um cataclismo que bateu como um tornado nas mentalidades conservadoras.

H: A linguagem do vinho ainda continua a ser muito difícil?
P.A.:
Sim, mas a culpa é muito dos críticos de vinho que tentam impor-se e credibilizar-se pela utilização de palavrões ou chavões que muitas vezes os consumidores não conhecem e não entendem, indo buscar, nos descritivos dos vinhos, coisas que para os consumidores são inventadas. Descrevem-se aromas e sensações tão rebuscadas, com nomes tão exóticos que é difícil para o consumidor comum identificar-se com tal vinho.

H: Mas que mais-valias possuem os vinhos portugueses em relação aos vinhos australianos, neo-zelandeses, chilenos ou espanhóis?
P.A.:
Desde logo a diversidade das nossas castas, desde que saibamos focar-nos num naipe de castas. Portugal possui cerca de 350 castas, dessas utilizamos aproximadamente 70. Do meu ponto de vista deveríamos focar-nos em 15 castas.

Outra mais-valia é a nossa capacidade para efectuar blends de castas, que é notória a nível mundial com o Vinho do Porto e que possui uma técnica apurada. É precisamente essa técnica apurada que temos de transmitir aos mercados e que é a nossa grande frescura e novidade, fugindo aos padrões actuais, especialmente provenientes de França.

Já em relação à relação preço/qualidade, penso que já não funciona como vantagem competitiva, porque, de facto, o Novo Mundo está a produzir vinhos com uma qualidade honesta e a preços imbatíveis.

H: Recentemente foi realizada um conferência pela ANCEVE que contou com a ASAE. Que conclusões saíram dessa conferência?
P.A.:
O objectivo da conferência foi dar a possibilidade ao sector de ouvir o que a ASAE tinha para dizer em termos de práticas de controlo de certificação, de dossiers que transitaram do IVV para a ASAE, para o sector fazer perguntas e também para a ASAE perceber que a fileira está cá para perseguir a qualidade, sobretudo as empresas mais dinâmicas e com capacidade de gestão mais moderna.

Contudo, é preciso notar que estas empresas não tentam perseguir a qualidade, práticas de gestão e certificação porque a ASAE existe. Compreendem que o mercado não se compadece com empresas que não sigam estas exigências e necessidades de um mundo moderno.

H: Outro assunto que a ANCEVE colocou a debate, prende-se com a reestruturação das CVR´s. A falta de decisão neste dossier tem atrasado o desenvolvimento do sector vitivinícola nacional?
P.A.:
Há uma certa tendência em Portugal para se anunciar coisas e dossiers e que depois há muitas pessoas interessadas em que essas questões não se resolvam e que aposta no tempo. Entretanto caem no esquecimento, surgem dossiers mais mediáticos e não se resolve nada.

Na realidade, o ministro na primeira reunião da ANCEVE foi muito assertivo, deu prazos que não foram cumpridos, voltou a dar prazos que voltaram a não ser cumpridos.

Tenho pena que ainda não se tenha chegado à fusão entre algumas CVR´s como o Dão, Bairrada e Beiras, ou entre Estremadura e Ribatejo, como também vejo que as duas únicas regiões que fizeram eleições ao abrigo da nova lei, foi a CVRVV, pioneira nesta e noutras matérias, e Península de Setúbal.

H: Quanto à comercialização, que peso tem a Distribuição Moderna nos vinhos portugueses?
P.A.:
A verdade é que o empresário do vinho sente que tem um poder de negociação cada vez mais débil junto da distribuição. Por isso, aquelas empresas que estão representadas no mercado nacional em empresas de distribuição como maior portfólio e massa critica, estão melhor preparadas e equipadas para negociar com a Distribuição Moderna.

H: Mas esse peso é excessivo em Portugal?
P.A.:
Tem o peso que tem. Hoje em dia 75% do mercado de vinho é feito pela Distribuição Moderna. Não quer dizer que seja excessivo ou reduzido, é a economia a funcionar. Mas este é um tema muito sensível, tal como é o das margens na restauração que ninguém quer debater.

H: E a concentração na Distribuição Moderna é prejudicial?
P.A.:
É a economia a funcionar. É como no sector do vinho onde existem projectos que não vão ter sucesso e aí vai ser o mercado e a economia a funcionar. Portanto, se o mercado permite que existam concentrações cada vez maiores, e não só na distribuição nacional como internacional, como noutros sectores de actividade, é a economia livre a funcionar.

No entanto, reconheço que esta realidade cria mais dificuldades negociais aos produtores.

H: Mas existem vinhos a mais na Distribuição Moderna?
P.A.:
Sem dúvida, mas será o próprio mercado a ditar quem permanecerá no mercado. Há projectos que vão desaparecer e outros que vão ser absorvidos por empresas maiores.

H: Um facto ao qual os produtores não poderão ficar indiferentes, prende-se com o aparecimento do conceito discount, onde encontramos vinhos estrangeiros a preços muito inferiores aos praticados pelos produtores portugueses.
P.A.:
Penso que somos muito chauvinistas no que toca o consumo e isso tem protegido a indústria nacional do vinho. Se o consumidor português ao longo destes anos tivesse sido mais exigente, a indústria tinha sido obrigado a dar corda aos sapatos mais depressa e a ter exigências de qualidade e evolução mais rápida.

Nós actualmente encontramos vinhos nos lineares do Lidl ou outros discounts provenientes do Chile, Austrália ou Nova Zelândia que nos fazem questionar como é possível colocar vinhos a esses preços nos lineares.

H: Ao longo dos últimos anos, muito se tem falado de estratégias, estudos e, no entanto, continuamos a referir que falta imagem, marketing e promoção. Conseguirá Portugal alguma vez impor-se como um player forte no panorama internacional do vinho?
P.A.:
Forte depende da conotação da palavra, porque temos a massa critica que temos. Produzimos cerca de 7 milhões de hectolitros, exportamos mais de um milhão e podemos aumentar essas exportações, mas nunca seremos um país que consiga produzir 40 milhões de hectolitros.

Agora acredito, e por isso enveredei pela concretização de um velho sonho ao tornar-me produtor, de que Portugal está no top of mind dos especialistas. Isto é um reconhecimento do trabalho honesto e dinâmico que se tem feito na enologia nacional, na viticultura onde estamos a dar passos interessantes, no marketing e promoção começámos a ter uma estratégia mais consistente ou que no packaging e design estamos a melhorar.

Por outro lado, começam a aparecer alguns vinhos, embora de produção muito limitada, recorrentemente com pontuações altas nas mais variadas revistas da especialidade e penso que Portugal vai “explodir” brevemente.

H: E essa “explosão” está mais perto?
P.A.:
Sim, cada vez está mais perto. Em termos qualitativos estamos a apresentar um trabalho consistente e isso está a ser reconhecido a nível internacional.

Vinhos com vision

H: Recentemente lançou o seu próprio projecto, Wine Vision. Como está a correr essa “visão”?
P.A.:
Era um sonho antigo que está a correr muito bem, fruto da parceria com Alexandre Relvas, Filipe de Botton, ambos da Logoplaste, e o enólogo Luís Duarte.

Tentei tirar partido do capital de prestígio que consegui em 25 anos de trabalho no mundo do vinho, indo ter com as pessoas lá fora, explicando o projecto e ao longo de um ano fomos conseguindo um capital de clientes, sem ter uma única garrafa, que nos asseguram, a partir de Maio de 2008 com o lançamentos dos vinhos, uma série de entidades no estrangeiro a comprar os nossos vinhos.

H: A Wine Vision irá produzir vinhos de que regiões?
P.A.:
Alentejo, Verdes e Douro. O conceito é muito simples: uma empresa, três regiões. A aposta nestas três regiões deve-se ao facto de julgarmos serem estas as regiões com maior potencial.

Teremos uma marca por região, mas todas com uma assinatura comum: Wine Vision. O cliente ou consumidor saberá sempre que está a comprar um produto da Wine Vision com a assinatura do enólogo Luís Duarte.

Além disso, cada região terá três segmentos: no Douro e Alentejo teremos um vinho de entrada, um Reserva e um Grande Reserva. Nos Verdes teremos um vinho de entrada, um Escolha e um Grande Escolha.

H: O projecto destina-se ao mercado nacional ou exportação?
P.A.:
O projecto da Wine Vision é vocacionado para a exportação. No entanto, por causa de algumas entrevistas que têm sido publicadas, temos sido contactados por algumas empresas da distribuição. Naturalmente que iremos reunir-nos com essas empresas, até porque o mercado nacional continua a ser o maior mercado para os vinhos portugueses, sem, no entanto, esquecer que o core business é a exportação: EUA, Canadá, Brasil, Angola, França, Reino Unido, Noruega, Suécia, Alemanha, Luxemburgo.

H: E têm capacidade de produção para tantos mercados?
P.A.:
Sim. Numa fase inicial, o nosso business plan estipula uma produção de 250 a 300 mil garrafas, mas se as coisas correrem bem estamos preparados para tal realidade. A adega que está a ser construída no Alentejo – a LogoAdega – prevê um crescimento na produção, caso seja necessário, como esperamos.

H: E era esta a sua “vision” para o vinho como produtor?
P.A.:
Era. É um gosto e um descanso enorme trabalhar com um enólogo que possui uma enorme visão de mercado e com uma abertura de espírito que é muito de Novo Mundo. Ou seja, não fazer só aquilo que gosta como enólogo, mas produzir vinhos que o mercado quer e gosta. No fundo, temos de produzir vinhos que se bebam.

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