FMCG Marcas

Nuno Leite, Coordenador do departamento Crises Corporate Issues da GCI

Por a 2 de Maio de 2008 as 9:30

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«Em 95% dos casos as crises são previsíveis»

A máxima “só acontece aos outros” não se aplica quando se trata de crises. Uma crise não distingue as grandes das pequenas empresas e chga sem avisar. Em casos extremos pode ditar o fim de uma marca. O segredo está na prevenção, pelo que as companhias têm que se preparar.

Cerca de 95% das crises são previsíveis. Mas quando o assunto sai para domínio público, 24 horas é o tempo máximo que a empresa tem para reagir e passar mensagem e valores que pretendem. Em entrevista ao Hipersuper, Nuno Leite explica o que deve e não deve fazer em tempos de crise.

Hipersuper (H.): O que é uma crise?
Nuno Leite (N.L.):
Não é nada de transcendente. Uma crise são todos aqueles acontecimentos que têm potencial danoso para afectar a imagem de uma marca, empresa, produto. Pode advir de informação, desinformação, especulação.

H: Como se manifesta uma crise?
N.L.:
Tem várias fases, várias repercussões e poderá ter diferentes resultados que podem fazer com que a empresa seja impactada de forma negativa ou pelo contrário demonstre um bom sistema de organização.

Os programas de gestão e prevenção de crise apostam cerca de 95% na prevenção. Os outros 5% nós dividimos: 4% para a preparação e temos uns meros 0,7% e 0,3% para recuperação de imagem. Mas em 95% dos casos as crises são previsíveis.

H: Como é que se prevê uma crise?
N.L.:
Através dos estudos exaustivos dos cenários das empresas. Existe o domínio externo e o domínio interno, todas as empresas têm uma linha que são os running issues, assuntos que têm potencial para que, nalgum momento, entrem no domínio externo.

No domínio interno ainda estamos na prevenção e monitorização. Há temas que têm potencial para trazer acontecimentos com efeito danoso, esses cenários têm que estar previamente delineados, seja qual for a empresa e acompanhar a evolução dos mesmos a nível interno. Mais de 95%, estão dentro do domínio interno, daí que é possível prever as crises.

Por exemplo, numa grande superfície a queda de uma estrutura é um cenário previsível num dossier, que se intitula manual de crise e para o qual estão englobadas uma séries e mensagens, identificados uma série de públicos, para na altura exacta começar a implementação do plano de Gestão de Crise.

H: Como é um manual de crise?
N.L.:
O manual de crise é uma ferramenta simples, onde a empresa agrupa informação dos cenários plausíveis de crise, que contem informação sectorial, onde estão definidas as key mensages, os valores da empresa. O manual de crise engloba statements, os contactos específicos, toda a organização interna da equipa de gestão de crise. É uma ferramenta que deve ser actualizada no minimo duas vezes por ano. É o manual que permite a uniformização da comunicação, uma situação de crise propícia algum nervosismo, muitas vezes por especulação alimentada e com o advento da Internet, a circulação da informação é muitas vezes muito difícil de controlar.

H: Como é se processa a escolha para o porta-voz?
N.L.:
Esse é um tema ao qual damos muita atenção, porque vai ser a imagem da empresa. Em termos de coordenação interna, regra geral é o CEO da empresa que assume a função. O porta-voz deve ser alguém que está dentro da agenda dos media, tem formação de media training.

Quando o CEO não é utilizado, poderá ser um director de comunicação. Mas caso a crise entre no nível três, terá sempre que ser a figura máxima, tem que haver um paralelismo entre a assumpção de responsabilidade e a entidade máxima.

Quanto mais pessoas houver com o domínio da mensagem, mais esta se dilui. A informação deve estar centralizada. Defendo que deve ser uma pessoa, para não deturpar a mensagem.

Reagir rápido

H: O que fazer quando a crise passa o domínio externo?
N.L.:
Reagir o mais rápido possível. O tempo de reacção em gestão de crise é um elemento fundamental para ditar o sucesso ou insucesso de um programa de gestão de crise. 24 horas é o tempo limite para qualquer empresa se organizar. Se não se organizar em 24 horas, nunca vai ter a minima hipótese de vingar. Não havendo preparação, prevenção, as empresas muito dificilmente vão ter capacidade para reagir à crise.

A reacção tem que ser imediata, têm que ser apuradas responsabilidades, um dos erros recorrentes é tentar apontar culpas a outros, tem que ser feito um estudo imediato.

Dentro do sector alimentar há bons casos, como o caso da Heineken, que há cerca de 10 anos detectou que havia um problema na linha de produção em que parte da garrafa tinha um defeito no vidro e partia. A Heineken fez uma recolha de mais de 10 milhões de garrafas do mercado, onde só 10% tinham defeito. Se não fosse uma situação bem gerida, poderia ter tido um potencial nefasto para a marca.

No entanto a marca comunicou imediatamente com os seus públicos internos e externos, demonstrando uma atitude de responsabilidade. Não só solucionou a potencial crise que poderia ter repercussões graves, como demonstrou os seus valores. A crise não tem que ser vista como algo negativo.

H: Comunicar com o público interno é tão importante como com o externo?
N.L.:
Não há nada pior do que, no fluxo de comunicação interno de uma empresa, conhecer novidades ou informação através da Imprensa, as pessoas sentem-se defraudadas.

A crise tem valor involuntário de notícia e os públicos internos devem ser os primeiros a ser informados. Ser informado significa juntar trabalhadores, enviar um comunicado interno. Cinco dias são os picos de desenvolvimento do máximo de notícias de uma crise, assim que se entra em domínio externo, se a reacção for imediata vai permitir que, a partir do primeiro fluxo noticioso, as keys messages já estejam inseridas na informação que vai ser publicada. Ainda que se atinja um pico de noticias alto no primeiro dia, que normalmente dura dois a três dias, se a reacção for imediata todas as keys messages vão estar nestes fluxos de notícias até ao abrandamento. Neste processo, o público interno tem que ser continuamente informado.

H: O que é uma reacção imediata?
N.L.:
A empresa tem que assumir culpas. A especulação é um elemento que está sempre presente na gestão de crise e que muitas vezes empola a informação, tornando-a desinformação. Daí a necessidade da reacção, porque existe um fluxo de comunicação, há informação que entra e informação que sai, tem que se perceber a informação que está a circular por fora, para ser descodificada a nível interno, para que quando for para domínio público vá com as mensagens da empresa.

Não estamos a falar de nenhum tipo de manipulação, estamos a colocar as mensagens que são importantes, para que a fonte de informação seja sempre a empresa. Se isto não acontecer, o rumor e a especulação podem atingir proporções grandes, ditando mesmo o fim da marca ou empresa.

H: Que danos pode causar uma crise mal gerida numa empresa?
N.L.:
Pode ditar o fim de uma empresa ou marca. Construir uma boa imagem, um bom nome leva muitos anos, mas a sua destruição pode ser ditada num dia. O primeiro erro para uma crise acontecer é dizer que “a nós não nos acontece”.

H: O que é não se pode fazer em cenário de crise?
N.L.:
Mentir, ocultar informação, apontar o dedo, espectacularizar a informação. Pelo facto de determos o controlo de informação, não temos o direito, nem nunca se deve em termos estratégicos, de espectacularizar a informação, temos que ser comedidos naquilo que comunicamos, porque aquilo que dizemos hoje, na próxima semana pode-se voltar contra nós e acontecer com algumas das mensagens que eram desnecessárias.

Nunca se deve dizer “não prestamos declarações”, isto leva a que haja especulação, há alimentação e descontrolo do fluxo de informação.

H: Essa informação pode virar-se contra a empresa…
N.L.:
As crises, muitas vezes pelo seu forte potencial, não só são reincidentes, como podem alimentar outros focos. Se um tema de uma empresa entra em domínio público, entra na agenda dos media, podemos enfrentar uma linha de tempo em que a comunicação social vai estar a dar especial atenção a esse tema. Isso pode realimentar vários focos de crise, daí que a monotorização não seja exclusivo da crise em si, inclusivamente o estar informado sobre o que está na agenda da comunicação social, permite-nos perceber onde está o interesse e cruzá-lo com todo o processo de gestão interno da empresa.

H: Um caso hipotético: tenho uma empresa de iogurtes e vão estragados para o mercado. O que devo fazer?
N.L.:
O mercado alimentar é muito sensível. Onde existem pessoas existe um foco, uma atenção redobrada. Sejam iogurtes estragados ou quaisquer produtos alimentares. Há uma identificação imediata do lote e fazer a comunicação da retirada imediata do produto .

H: Não se deve tentar abafar o caso…
N.L.:
Sim. Isso é sonegação de informação, estamos a sonegar informação que, ao vir a público, traz mais potencial danoso do que demonstrar a responsabilidade que a marca X vai retirar o produto Y do mercado porque detectou qualquer coisa. Estamos a demonstrar responsabilidade da empresa, em qualquer processo as pessoas estão sempre primeiro. Deve assumir-se que existe um problema e apresentar de imediato uma solução.

O advento da Internet

H: Há marcas que são alvos especiais de criticas, nomeadamente multinacionais. Essas empresas têm que estar sempre atentas a possíveis crises. Porquê?
N.L.:
É muito compreender porque é que as grandes marcas estão sempre na ordem do dia, para o bem o para o mal. Ser o maior significa ser o case study. Se falarmos no mercado do fast food, sem apontar marcas, todos sabemos de quem estamos a falar. Isto tanto acontece na comida como na bebida. Ser a maior marca leva-nos a um foco de atenção permanente dos meios, dos negócios, recursos humanos, produtos.

Mas têm uma grande máquina por trás, uma equipa permanente de gestão de crise, têm um sistema de report, a nível internacional completamente organizado, porque muitas vezes estão presentes nos cinco continentes.

H: Uma crise que acontece num país pode espalhar-se pelo mundo..
N.L.:
Falámos há pouco no advento da Internet, hoje em dia há a globalização, pensar local mas olhando para o global. A informação hoje é à escala global e em tempo real.

H: É possível combater o efeito “bola de neve” da Internet?
N.L.:
É um desafio muito grande. São muito poucas as empresas preparadas para uma monitorização optimizada das comunicações electrónicas, da blogosfera, dos meios de comunicação, onde há um casamento entre a comunicação social e a Internet. O efeito “bola de neve” é um grande desafio para as marcas e empresas. A maior parte delas não têm mecanismos de formação que lhes permita perceber o que se está a passar neste mundo. Há muitos mitos na Internet sobre marcas, onde em formato de contra-informação, se alimentam fantasias. Com que marcas? Com que empresas? As grandes marcas, o líder está permanentemente exposto a todos os focos de atenção, isso leva à proliferação de mitos, e-mails absurdos com esse tipo de marketing viral.

H: Por onde passa esse desafio?
N.L.:
Passa por as marcas acompanharem, darem atenção e entenderem que actualmente a Internet tem mais potencial no fluxo de informação do que os meios de comunicação tradicionais. Tem outro potencial, é imediato, o que hoje é do conhecimento de dez pessoas, num estalar de dedos é do conhecimento do País. Há situações de crise que entram para a agenda nacional, através de algo que apareceu na Internet, no You Tube, blogues, etc.

H: Mas como se combate?
N.L.:
Normalmente essa informação é infundamentada, os cidadãos também já se apercebem que nem tudo o que é visto na Internet é verdade. Não tem que haver uma reacção directa das empresas, muitas vezes é isso que se pretende quando é lançada uma desinformação, pretende-se reacção. As empresas têm é que ter uma forma de controlar a informação, ter conhecimento da informação que circula para colocá-la, ou não, nos seus running issues. Uma empresa desinformada é uma entidade que está vulnerável.

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