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«Competição mais justa e igualitária»

Por a 25 de Janeiro de 2008 as 2:00

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José Borralho, Managing Director do Sabor do Ano

Vender mais e conquistar consumidores. É a meta de qualquer produtor. As empresas portuguesas do ramo alimentar têm à mão mais uma ferramenta para alcançar este objectivo, como explica em discurso directo José Borralho, responsável pela introdução em Portugal da iniciativa Sabor do Ano.

O conceito é francês e a sua mais valia é a metodologia. Aqui a influência do marketing e da publicidade não têm lugar. Seleccionar os produtos mais saborosos do mercado sem conhecer os seus nomes de baptismo, leia-se marcas, torna a competição mais «justa e igualitária», sublinha em entrevista ao Hipersuper José Borralho.

«Dar à indústria uma ferramenta para se distinguir» das marcas da distribuição é uma das grandes vantagens para as empresas do sector alimentar. O balanço da primeira edição no País é positivo. De tal forma, que a equipa portuguesa, constituída por quatro elementos, está actualmente a braços com a introdução do conceito em Espanha. A Tryp, criada para desenvolver o Sabor do Ano 2008, promete projectos idênticos ainda este ano, desta feita no sector não alimentar.

Hipersuper (H.): Como surgiu a ideia de concretizar o Sabor do Ano em Portugal?
José Borralho (J.B.):
É uma iniciativa francesa. Quando a conhecemos já tinha 10 anos em França. Ao fim de 11 anos conta anualmente com a participação de cerca de 700 produtos. Actualmente, face à divisão de categorias, apresentou, na 11ª edição 168 vencedores. O fenómeno já não é de moda e há alguma loucura por parte das empresas pelo Sabor do Ano, e sobretudo pela metodologia.

Eu já tinha experiência em selos distintivos no mercado, com o lançamento do Produto do Ano em 2005, e entrei em contacto com o fundador do projecto para perceber como se processava e qual a metodologia, na tentativa de trazer o conceito para Portugal.
O Sabor do Ano não estava internacionalizado. O fundador achava que o projecto teria de atingir a maturidade no seu próprio mercado. E no final do ano passado abriu o conceito ao restante mercado europeu.

H: Actualmente, que países apostam no conceito?
J.B.:
Portugal e Espanha, aliás o mercado espanhol é coordenado por mim. Uma das exigências que colocámos foi começar por Portugal e depois estender, por força do conhecimento e da proximidade cultural, a Espanha, que apresentará os primeiros sabores do ano no dia 14 de Março de 2008, na Alimentaria Barcelona. Neste momento está em fase de comercialização.

H: O que caracteriza a etapa de comercialização?
J.B.:
É a fase em que andamos a angariar as empresas para participar e a explicar o conceito. Quando encerra o período de inscrições, tem início a fase de degustação. Mais tarde, a promoção, fase em que Portugal se encontra neste momento, na qual alertamos os consumidores para a existência do Sabor do Ano e explicamos como foram reconhecidos.

H: O conceito estendeu-se a mais países?
J.B.:
A Bélgica também já tem o projecto em curso, assim como França e Itália. Também já ouvi falar em EUA. O Sabor do Ano pode ser entendido quase como um processo de franchising. Ou seja, o titular da marca vende o conceito por um número determinado de anos, entre 10 a 13 anos. A gestão é autónoma até porque é necessário fazer alguns acertos, não na fase de metodologia, mas nas ferramentas de marketing utilizadas no processo de angariação. É preciso promover o conceito e demonstrar que a iniciativa é válida.

H: Nesse sentido, quais as principais diferenças entre Portugal e França?
J.B.:
Há coisas curiosas. Os franceses reagem muito depressa à inscrição. Não precisa de enviar o dossier de candidatura à empresa. É a própria empresa que envia. Também tem a ver com o crescimento dos mercados. Ao fim de dez anos é natural que as empresas saibam quais são as datas de inscrição. Em Portugal, se estiver à espera que a empresa se inscreva, vai esperar sentado.

No final de Novembro estávamos a informar os vencedoras e tínhamos empresas a contactarem para fazer a candidatura. Mas, em Espanha é igual a Portugal.

Os métodos utilizados na promoção também divergem. França recorre muito a sistemas tradicionais de publicidade. Nós, e em Espanha fizemos o mesmo com sucesso, recorremos mais às ferramentas de relações públicas.

H: Que critérios utilizaram na selecção das empresas na fase de angariação?
J.B.:
Temos uma base de dados muito completa, cerca de 800 empresas. Considero que 90% do mercado está presente.

A minha equipa visitou várias cadeias de distribuição para “lamber etiquetas” e descobrir o Quem é Quem dos produtos. O Produto do Ano está muito direccionado para os produtos vendidos na Grande Distribuição, a venda massiva.

Das empresas que participaram, 57% eram PME (Pequenas e Médias Empresas) e mais de 90% dos produtos são fabricados em Portugal.

H: O alimento com o selo Sabor do Ano é vendido tanto nas mercearias como na Grande Distribuição?
J.B.:
Sim. Excepto marcas próprias. Se tenho a marca de bolachas Borralho reconhecida com o selo, e vender esse mesmo produto com a marca Continente, por exemplo, não posso utilizar o selo.

Aquilo que se está a fazer é, perante o peso crescente das marcas próprias nos lineares, dar à indústria uma ferramenta para se distinguir, até porque as marcas brancas são mais baratas.

Há alguns casos curiosos. Por exemplo, tinha uma empresa pequena na área da agricultura biológica muito interessada em participar mas acabei por desmotivá-la. Porque a capacidade de produção era limitada e a empresa escoava o produto em nove meses. Se fossem Sabor do Ano, venderiam em quatro meses. O Sabor do Ano é para quem tem capacidade de produção e quer vender ainda mais. Quer engordar, aumentar o preço porque tem bom sabor, ou subir a quota de mercado.

H: Que metodologia utiliza o projecto?
J.B.:
A prova cega. Provamos o sumo sem saber qual é a marca, nem origem. Descobrimos dados engraçados: os vinhos alentejanos ganharam em todas as categorias, branco e tinto, mesmo provados a Norte. Isto contraria a ideia de que os vinhos alentejanos não são apreciados a Norte. Quando se verifica a divisão das notas, porque foram provados a Norte e a Sul, os vinhos alentejanos ganhariam na mesma se contássemos só com as provas a Norte.

Pela primeira vez, as empresas estão em circunstâncias de igualdade porque a marca não está à vista. As surpresas foram muitas. Em algumas categorias há marcas com uma notoriedade e capacidade de investimento enorme que não conseguiram sobrepor-se em termos de sabor a marcas pequenas. Na lista dos 42 vencedores há algumas que nunca ouvimos falar.

H: Quais os benefícios da prova cega?
J.B.:
Se assim não fosse a marca exerceria sempre influência na decisão. É um processo muito mais justo. A Escola Superior de Biotecnologia (ESB) recebe excursões de miúdos para fazer a prova da cola. Dão-lhes Pepsi, Coca-Cola e outras marcas da Distribuição. Teoricamente, se a marca estivesse visível a Coca-Cola ganharia sempre, mas na prática acontece muitas vezes ganhar a cola da marca branca.

Outro aspecto a ter em conta é não haver repetição de alimentos. Se a prova comparasse cinco sumos, no final as pupilas gustativas estavam cansadas e o consumidor baralhado. A dar notas isto é ainda mais complicado.

Há dados curiosos. A Proteste considerou recentemente a marca Cristal como o melhor azeite do País, a mesma marca que ganhou o Sabor do Ano.

H: Quais as etapas da análise sensorial?
J.B.:
O consumidor de sumo de manga recebe um copo com uma amostra do produto. E só recebe a informação que se trata de um sumo de manga. Primeiro, é solicitado a apreciação geral, numa escala de 0 a 10, baseada na percepção. Depois, é pedida a avaliação da textura, odor, aspecto e, no final, o sabor, novamente. Porque, quando se pede a nota de apreciação inicial, regra geral, esta é muito baseada no sabor. É um processo de dupla confirmação.

H: Que balanço faz da primeira edição?
J.B.:
Muito positivo. Tivemos algumas dificuldades. Em Portugal, há três projectos concorrentes e um dos problemas que enfrentámos foi a falta de notoriedade, característica presente no primeiro ano de qualquer projecto. Produto do Ano, Marcas de Confiança e Compro o que é Nosso. Este último tem causado mais problemas, sobretudo nas pequenas empresas. Porque o selo se compra sem qualquer carácter de eleição ou reconhecimento.

As pequenas empresas, um campo enorme, criam maiores dificuldades, são difíceis de conquistar. Não é fácil convencer um empresário de uma pequena indústria que o selo lhe pode trazer qualquer coisa de novo.

Os objectivos foram cumpridos. Prevíamos ter 80 produtos a concorrer e alcançámos 105. Quanto às categorias, objectivámos 40 e fizemos 42, embora este número seja subjectivo, porque ter 50 categorias não significa ter 50 vencedores.

A metodologia estipula que se o produto não atingir a nota mínima pré-definida não pode ser Sabor do Ano. E foi isso que aconteceu. Chegámos ao final com 46 categorias e tivemos 42 vencedores.

H: Contam com algum tipo de apoio financeiro?
J.B.:
Não. E essa é uma crítica que deixo a projectos como o Compro o que é Nosso. São apoiados pela comunidade. O projecto é privado. Vive do financiamento dos accionistas da empresa (Tryp).

H: Qual é o investimento das empresas?
J.B.:
Pagam a candidatura que permite fazerem os testes. O valor da candidatura inclui a prova e o processo logístico. Todos os produtos que se inscrevem são sujeitos a degustação, não há filtragem nem júri de selecção. Nem limitações de marcas. Há empresas que decidiram participar na mesma categoria com cinco produtos.

Caso a mesma empresa apresente mais do que um produto, então o valor da candidatura dos produtos seguintes diminui porque só se cobra o valor do teste, a logística está garantida. São cerca de 1.000 euros. Se a empresa mandar fazer um teste a um produto sai mais caro.

E inclui ainda as campanhas de marketing e publicidade que fazemos para promover a compra dos produtos do ano. França faz, e também vamos fazer, um estudo no qual se perguntam aos consumidores se estão satisfeitos com a qualidade dos produtos Sabor do Ano. A taxa de satisfação é de 88%.

O produto vencedor paga ainda o custo de utilização do selo.

H: Como é feito o cálculo desse custo?
J.B.:
Há as orientações internacionais. Mas tem sobretudo a ver com os custos: laboratório, estrutura, promoção, entre outros.

H: Há produtos mais difíceis de avaliar?
J.B.:
Sim, o sal e o açúcar. Os próprios laboratórios não têm tradição de prova deste tipo de produtos.

H: Registaram participações curiosas?
J.B.:
Houve uma participação muito forte das empresas na área da saúde. As marcas preocupam-se em mostrar que este tipo de produtos não perderam sabor apesar de serem direccionados para o saudável.

H: Entre o critério preço e o sabor em qual recai a escolha do consumidor na hora da compra?
J.B.:
O sabor, mas a saúde está no topo das preferências, segundo o estudo que levámos a cabo com o Instituto Superior de Agronomia (ISA) e a ESB. Quando se pergunta “pagaria mais por um produto com melhor sabor”, a aceitação é de 77,8%.

H: Como são recrutados os consumidores?
J.B.:
Há duas formas: os laboratórios já têm uma base de dados, embora seja adaptado o perfil de consumidor a cada produto. E desafiámos os consumidores através dos meios de comunicação a inscreverem-se. Para o ano, vamos utilizar o site para recrutar.

H: Quais as vantagens desta iniciativa para a Grande Distribuição?
J.B.:
Quando há um dinâmica de comunicação, 42 produtos sabor do ano a comunicar, o mercado dinamiza-se. Nos projectos passados percebi que a própria distribuição já aceita de tal forma este tipo de projectos que, em alguns casos, dá oportunidade à empresa de entrar, em condições especiais, nos lineares.

H: As vantagens quer para os vencedores quer para a Distribuição são as mesmas: rotatividade, aumento de vendas e quota de mercado?
J.B.:
Em comum têm isso. Mas não só. Enquanto empresa interessa-me ter todos os produtos com o selo Sabor do Ano. Por sua vez, a distribuição tem a vantagem de incluir na oferta os produtos que o consumidor está à procura nesse momento.

A própria distribuição antes de colocar qualquer produto alimentar nos lineares faz uma análise de qualidade. Estes produtos vencedores têm a vantagem de já terem sido submetidos a essa análise.

H: Realizaram mais de 3.700 horas de degustação. Quanto representam se convertermos em dias?
J.B.:
Cerca de 157 dias. A média é meia hora por consumidor. As salas de prova da ESB tem capacidade para receber cerca de 20 pessoas de cada vez.
Cada consumidor prova no máximo sete produtos desde de que não haja interferência em termos de sabor. Por exemplo, uma fatia de pão, uma de fiambre, massa, molho, vinho, café e acaba com queijo, que tem sabor mais forte.

H: Como reagem as empresas perdedoras?
J.B.:
Muito bem. E tiram partido da análise sensorial. E não tem a ver com má qualidade. Houve produtos com má qualidade, sim, que não alcançaram a nota mínima (6) para serem Sabor do Ano. Um produto com nota 7 que não ganha não é um mau produto, não tem é o melhor sabor do mercado. E vai trabalhar para o alcançar.

H: Há vencedores comuns entre Portugal e França?
J.B.:
Penso que a Bledimamã, da Bledina, é o único caso. Espero que o fenómeno francês se repita em Portugal: começou com 45 categorias no primeiro ano, cifra que duplicou na segunda edição. Em quatro anos atingiu as 150 categorias e 600 produtos, e tem vindo a manter estes números.

H: Quando abrem as candidaturas para a edição de 2009?
J.B.:
Dia 1 de Fevereiro, para informar em Novembro os vencedores e aproveitar o forte consumo da época natalícia, como aconteceu este ano.

H: Já há dados sobre vendas?
J.B.:
É uma questão muito sensível porque há muitas variáveis em jogo. Há dados internacionais que apontam uma média de crescimento de 30%. Mas só saberemos daqui a um ano.

H: Que requisitos tem de reunir uma empresa para participar?
J.B.:
Tem de ter sobretudo visão de mercado. Há empresas que não conseguem perceber que isto não é só um selo, que vai muito para além disso. E a oferta do produto tem de ser massificada.

H: Qual é a ambição para 2008?
J.B.:
Penso que duplicaremos o número de empresas participantes.

H: Qual é a área de actividade da Tryp?
J.B.:
A empresa foi criada para desenvolver este projecto. Mas, o objectivo vai para além disso: a Tryp quer ser considerada o centro de qualidade dos consumidores. Estamos a equacionar a introdução de outro projecto direccionado para o consumidor, desta feita na área da beleza/cosmética, dentro da mesma filosofia do Produto do Ano.

Em França, há ainda outro conceito na área de higiene e limpeza caseira. Aos poucos e poucos, queremos introduzir estes conceitos em Portugal. O que se pretende é que o consumidor escolha o melhor produto do mercado, esquecendo as marcas que estão por trás.

Nota:
No caso de pretender consultar as fichas dos produtos premiados “Sabor do Ano”, é favor entrar em contacto com a redacção ou departamento comercial do Jornal Hipersuper.

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