Editorial

Invisibilidade

Por a 11 de Maio de 2006 as 18:06

Ultrapassado o tempo marca branca, em que a qualidade dos produtos era por regra suspeita, hoje em dia os distribuidores assumem a sua marca como um elemento estratégico de diferenciação e até de fidelização do cliente. O apelo é simples: produtos que apostam claramente na relação preço/qualidade, ou seja, onde o consumidor final, cada vez mais táctico e racional na compra, encontra uma proposta de valor equilibrada e justa. O sucesso do conceito é ainda potenciado pelas dificuldades económicas das famílias, num cenário continuado de adiamento da retoma que insiste em caracterizar o País.

A actual tendência a que assistimos no mercado nacional aponta no sentido da deflação. A marca própria desempenha aqui um papel central, sendo igualmente uma resposta dos operadores de distribuição aos discounters, que por definição surgem sem referências de fabricante, apostando na denominada marca exclusiva, a qual pertence aos lojistas mas não identifica a insígnia. O raciocínio face às marcas brancas, todavia, não se coloca aqui, uma vez que estamos a falar de todo o sortido percebido pelo cliente na sua relação com o retalhista.

Curiosamente, as próprias cadeias discount estão a abrir espaço para marcas de fabricante, elegendo líderes nas diversas categorias que colocam em linha. Outras cadeias de supermercados, que na génese tinham uma oferta alargada, estão a optar por ter uma marca forte, exposta lado a lado com a referência do distribuidor. Em determinadas situações, encontramos igualmente um primeiro-preço, que também já está a passar par a esfera dos distribuidores. Neste caso, a não identificação da insígnia, tendo em atenção a convivência paralela com a marca do distribuidor, traz novamente a questão da qualidade. São, obviamente, propostas absolutamente centradas em preço, para responder a uma faixa populacional obrigada a priorizar essa vertente no seu cabaz de compras.

Mas tudo isto tem limites. Em primeiro lugar, depende muito da categoria de produto que consideramos. Áreas como o cuidado pessoal ou a nutrição infantil, por exemplo, apresentam níveis de penetração muito mais complicados para a marca própria. Mas também é verdade que os operadores, incluindo as cadeias discount, estão a lançar referências destes produtos com as suas marcas. Isto mostra que os níveis de confiança do consumidor são já muito mais elevados e antecipa um desenvolvimento continuado e cada vez mais alargado em termos de categorias de produto.

Por outro lado, e mesmo que os fabricantes tenham já consciencializado que terão de viver com esta realidade, uma excessiva preponderância da marca do distribuidor poderá trazer dificuldades adicionais ao mercado. Para além de limitar a escolha do consumidor, a médio prazo muito do que é inovação e desenvolvimento pode desaparecer. É que, reconheça-se, são as marcas de fabricante quem investe nesta vertente, trazendo novas propostas para o consumidor e, acima de tudo, dinâmica aos mercados.

O que temos sentido junto da produção, apesar de um discurso por vezes politicamente correcto ao nível da representação institucional, é uma grande preocupação com este fenómeno. A marca própria veio para ficar, todos o reconhecemos. Mas tornará muitos fabricantes invisíveis aos olhos de consumidor. Naturalmente, sem a relação com o cliente final, o produtor não terá grande motivação para inovar. Em acrescento, o sucesso da marca própria está a arrastar consigo políticas promocionais muito mais agressivas, em que as margens são nitidamente postas em causa, o que, mais uma vez, condiciona a capacidade de investimento dos fabricantes.

Em resultado desta enorme pressão sobre o preço, alguns mercados que cresceram em volume desceram em valor durante 2005. A questão é simples: nesta situação, quanto mais se vender mais se perde. É por isso importante salientar o papel decisivo das marcas em todo este jogo. Espremê-las demasiado ou seleccioná-las em excesso poderá bloquear a dinâmica das diferentes áreas de negócio, o que não interessa nem a produtores nem a distribuidores. É claro que o mercado fala por si, mas também sabemos que nem sempre o faz de forma a encontrar os mecanismos de curto e médio prazo que permitam manter um tecido empresarial saudável. E até lá muitas empresas tenderão a desaparecer. Ou na invisibilidade do fabrico de marcas próprias ou mesmo fechando portas por não terem onde vender.