Editorial

Dicotomia

Por a 5 de Abril de 2006 as 10:21

A dicotomia do mercado cervejeiro ganhou contornos especialmente interessantes nos últimos tempos. Há um crescendo de agressividade comercial bem visível na política de inovação, que atingiu ritmos nunca antes vistos, e até no discurso perante os órgãos de informação. A guerra de quotas que há algumas semanas estoirou na comunicação social é disso um bom exemplo. E o fenómeno encerra um aspecto muito curioso: enquanto a Unicer divulgava números em volume, considerando ser essa a vertente que avaliza de forma mais fidedigna as preferências do consumidor, a Central optava por destacar o valor, numa lógica mais voltada para os parceiros de negócio.

Ambas as visões são naturalmente legítimas e válidas. Na verdade, estes são dois aspectos centrais e até indissociáveis a ter conta na análise de qualquer ramo do grande consumo. Gerar valor no mercado é obviamente uma preocupação permanente quer de fabricantes quer de distribuidores, particularmente num cenário de contracção. Mas isso também só é possível com consumo, com a escolha do cliente final.

A vida destas duas empresas, actualmente, passa por muito mais do que cerveja. À clara estratégia de portfólio da Unicer, reforçando posições em vários negócios, junta-se a política de diversificação imprimida pela Central nas suas principais marcas, numa abordagem que prima, também, pela constante inovação. Em consequência, o mercado de bebidas anda mais frenético que nunca, até porque todos os outros operadores continuam a trabalhar, e bem.

Neste cenário, não nos podemos esquecer do surpreendente negócio de venda da Compal. Desde logo, tanto a Central como a Unicer colocaram-se em posição compradora. Era, certamente, mais um elemento numa guerra que passa por tantas outras coisas, como por exemplo a luta pelos exclusivos da Lidl ou da Ibersol. São negócios, estes últimos, que podem ser determinantes precisamente nesta luta taco a taco pela posição de mercado. A Unicer dispõe de vantagem, reconheça-se, mas nos últimos tempos foi a Central a conseguir aumentar os níveis de penetração. A Compal acabou por ir parar a outras mãos, mas o namoro não chegou ainda ao fim.

Nas cervejas as duas companhias representam nada mais nada menos do que 96% do mercado. Esta dicotomia, como disse acima, tem aguçado os níveis de competitividade, num mercado onde nenhuma outra marca ou companhia consegue espaço suficiente para montar uma operação com níveis de rentabilidade suficientes. As dificuldades da Drinkin ou o insucesso de algumas cervejas estrangeiras, como a Estrela Damm, por exemplo, demonstram que este é um feudo concorrido a dois.

Nas restantes bebidas o cenário é totalmente diferente. Nas águas, a Central lidera devido ao forte posicionamento da Luso no segmento lisas, mas em relação a outros, especialmente na área de sabores – em grande desenvolvimento, sublinhe-se – continua bastante atrasada. A Unicer, beneficiando da tal lógica de portfólio mais alargado, luta em mais mercados, mas conta com muito maior concorrência por parte de outras empresas, algumas das quais com know how e capacidades já bem demonstradas, incluindo ao nível da distribuição, elemento absolutamente decisivo neste ramo de actividade.

Com a devida equidistância face às políticas comerciais definidas, parece-me importante reter que estamos perante duas empresas que, em função dos elevados níveis concorrenciais, trazem uma dinâmica particularmente agressiva que está a mexer com o sector em geral e com as suas próprias lógicas de crescimento interno. E neste contexto mostram um empreendorismo raro nas empresas localizadas em Portugal. Beneficia o mercado, beneficia o consumidor e até as próprias, que ganham “cabedal” para se aventurarem em projectos ambiciosos ao nível da exportação, onde a capacidade de inovação que têm vindo a demonstrar, aliás, tem sido particularmente bem recebida e reconhecida.