Editorial

Divergência

Por a 10 de Janeiro de 2006 as 18:00

A Indústria agro-alimentar vive tempos conturbados, muitas vezes ignorada por governos incapazes de criar condições para a sua sustentabilidade, orientando as políticas estratégicas para outros sectores – que por sinal também se queixam – ou, pior ainda, aplicando medidas que limitam a capacidade competitiva do sector produtivo, como aconteceu com o IVA. Acresce uma pressão cada vez maior sobre o preço e as margens, bem como enormes dificuldades no licenciamento dos projectos industriais, tudo isto enquadrado num cenário de crise que tem vindo a retrair o consumo.

Na entrevista com Jorge Henriques que publicamos nesta edição, o presidente da FIPA é claro no que diz respeito a todos os constrangimentos que continuam a limitar a actividade e a condicionar o crescimento sustentado numa Europa cada vez mais alargada, e como tal concorrencial ao nível produtivo, e num contexto ibérico onde o diferencial face aos nossos vizinhos espanhóis é cada vez mais acentuado. Mas o mesmo responsável também destaca o facto de a Indústria, apesar de todas as dificuldades, ter desenvolvido e implementado uma lógica de certificação e modernização dos seus processos operacionais. O esforço, todavia, não tem sido recompensado ao nível político.

E os obstáculos continuam, ou melhor, aumentam. Parece haver pouca sensibilidade para as reivindicações do tecido empresarial ligado ao sector agro-alimentar. A questão do IVA é elucidativa. «É de facto espantoso como uma medida consegue gerar tantos anticorpos, mas, ao mesmo tempo, ser sempre aplicada», exclama Jorge Henriques na citada entrevista. A verdade é simples: poucos, mesmo muito poucos, concordam com o aumento da taxa. Mas todos, sem excepção, sofrem directamente as consequências da decisão, nomeadamente através da inflação sentida no consumo privado.

Se o IVA está longe de gerar qualquer tipo de consenso, o mesmo acontece com a agência para a segurança alimentar. Não se compreende como, após anos a fio em que existia uma comissão instaladora, paga pelos contribuintes e que adiou permanentemente o processo, quando finalmente é criada a entidadeninguém concorde com o modelo definido. Tantos anos para se chegar a uma solução com a qual ninguém se identifica? Saímos do limbo, mas entrámos no vazio da incerteza.

O Governo tem obrigação de ser pedagógico nestas coisas, explicando detalhadamente os contornos, objectivos e efeitos das decisões que toma. Em boa verdade, muitas das dúvidas que se têm colocado baseiam-se na falta de informação sobre o que realmente o Executivo quer fazer. Criou-se uma mega-estrutura centralizadora (a Autoridade da Segurança Alimentar e Económica) que junta diversas competências, mas ainda ninguém entendeu muito bem quais são, ou pelo menos a sua organização interna. Obviamente, não admira a sucessão de reticências que surgem dos mais variados quadrantes.

Acima de tudo, importaria criar condições para que o sector agro-alimentar possa ser envolvido num ambiente de real capacidade competitiva. Portugal abdicou de grande parte das suas estruturas produtivas em função dos subsídios europeus. E andou a esbanjá-los sem qualquer estratégia consistente no médio e longo prazo. Lembremo-nos que continuamos a ter os factores de produção mais caros, concretamente na comparação directa com Espanha, e a inevitável situação periférica face ao centro da Europa, o que aumenta os custos do processo logístico. Já nem a carga salarial menos onerosa constitui um elemento competitivo, pois os países do Leste superam-nos nesse particular.

Assim sendo, é urgente encontrar mecanismos de simplificação processual e facilitar as condições de competitividade que se colocam à Indústria. O que tem sido feito é exactamente o inverso, e Portugal já se atrasou muito neste suposto comboio de convergência. Se continuarmos da mesma forma, divergindo em vez de convergir, chegará rapidamente o tempo em que a missão se torna impossível.