Gonçalo Santos Andrade é presidente da Portugal Fresh, associação que representa mais de cinco mil produtores Frame It
“Este setor tem muito por onde andar se o país definir o agroalimentar como prioritário”
Entrevista com Gonçalo Santos Andrade, presidente da Portugal Fresh – Associação para a Promoção das Frutas,
Legumes e Flores de Portugal, que fala de crescimento, internacionalização e de medidas urgentes.
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Fotografias Frame It
A Portugal Fresh reúne mais de cinco mil produtores, entre associados empresariais e de especialidade. Em 2023, o setor atingiu cinco milhões de euros de valor de produção e 2.300 milhões de euros em valor das exportações.
A Portugal Fresh foi constituída em dezembro de 2010. De que forma tem contribuído para a visibilidade e o posicionamento do setor das frutas, legumes e flores, tanto a nível nacional como internacional?
Há, seguramente, um antes e um a seguir à Portugal Fresh. Já havia um conjunto de empresas, ou associações representativas, principalmente no setor das peras e das maçãs, que fizeram um trabalho de muita qualidade a desbravar mercados, mas com uma presença de pequena dimensão nos principais certames.
A Portugal Fresh surgiu já a abranger todo o território nacional e com uma diversidade de oferta que tem vindo a crescer. E isso dá uma notoriedade de presença do país, completamente diferente. Começamos a juntar as principais empresas e o nosso primeiro evento foi em 2011, na Fruit Logistica, em Berlim.
Temos dois grandes eventos, enquanto feiras internacionais, a nível mundial: a Fruit Logistica, em Berlim, em fevereiro, e a Fruit Attraction, em Madrid, em outubro. Ao estarem presentes conjuntamente, as empresas dão uma notoriedade e uma visibilidade da nossa oferta, completamente diferentes. E também estão muito mais abertas a uma cooperação internacional, a uma cooperação entre elas no tema das exportações. Portanto, há um antes e um depois da Portugal Fresh. Principalmente pela organização e por uma estratégia conjunta de exportação e de internacionalização, que surgiu com duas pessoas muito marcantes, o então ministro (da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas) António Serrano e o saudoso Eng.º Manuel Évora, primeiro presidente da associação.
É a força da ‘marca’ Portugal?
É a questão da marca Portugal. Em 2023 estivemos na Fruit Attraction, em Madrid, com 50 entidades do setor num espaço de 640 metros quadrados, o que dá uma visibilidade e uma notoriedade ao país completamente diferentes. Podemos promover muita diversidade de produtos desde as laranjas do Algarve aos pequenos frutos do Sudoeste alentejano, o tomate do Ribatejo e do Oeste, os kiwis, a pera Rocha e a maçã, as uvas, a castanha, os produtos hortícolas…
Há um conjunto de cores, de sabores, de aromas, que os clientes já sabem que vão encontrar ao irem aos espaços promovidos pela Portugal Fresh. Hoje em dia, levamos um chef nacional que prepara degustação dos nossos produtos, não só do setor das frutas e legumes: fazemos questão de levar vinhos, azeite, carnes nacionais. O chef prepara, por exemplo, sopas tradicionais portuguesas, disponíveis entre as 10h30 e as 18h. E entre as 12h30 e as 15h quase que não se consegue passar no nosso stand. Porque os clientes já sabem que a delegação portuguesa leva um chef que lhes dá a degustar a gastronomia nacional.
Também aproveitamos para divulgar, num grande ecrã, vídeos da AICEP, e não apenas do nosso setor. Porque cada cliente internacional que vá visitar o espaço da Portugal Fresh e que esteja disponível para contatar as empresas, experimentar a gastronomia, é mais um cliente que ganhamos não apenas para o setor.
Outro ponto de extrema relevância são os números. Em 2010 tínhamos um volume de negócios de valor da produção de 2.200 milhões de euros e em 2023 atingimos cinco milhões de euros de valor de produção. Se falarmos em valor das exportações, em 2010 estávamos com 780 milhões de euros, em 2013 atingimos mil milhões de euros, em 2022 passamos pela primeira vez os dois mil milhões de euros e em 2023 atingimos 2.300 milhões de euros.
Nos últimos 13 anos foi sempre num crescente. Se compararmos a evolução de todas as exportações, os dados do INE indicam que de 2022 para 2023 houve uma diminuição das exportações de bens nacionais. Mas as frutas subiram praticamente 1.300 milhões. Estes números demonstram que o trabalho de promoção do setor tem tido resultados práticos e visíveis.
Quantos associados tem a Portugal Fresh?
Temos 99 associados empresariais e 17 de especialidade. Os de especialidade são as associações subsetoriais. Os associados empresariais são, em grande parte, organizações de produtores. Ou seja, representamos mais de cinco mil produtores.
E em que aspetos veio contribuir para alterar procedimentos e formas de trabalhar na produção? Ser uma marca ‘chapéu’ dá-lhe uma responsabilidade acrescida, mas também mais peso negocial…
A Portugal Fresh é uma associação para a promoção das frutas, legumes e flores, não temos uma intervenção direta comercial, mas fazemos bastantes pontes de entendimento. Por exemplo, temos uma parceria com o Lidl, desde 2014, para a exportação de produtos, que começou com a melancia, estendeu-se para a pera rocha e, neste momento, já engloba vários produtos. Recordo que naquele ano, a Alemanha era o nono mercado mais importante nas nossas exportações.
Em 2015 já era o quinto, também porque nesse ano fomos o país parceiro da Fruit Logistica em Berlim e fizemos um investimento para uma maior notoriedade.
E porquê aquela feira? Porque tem visitantes profissionais de mais de 140 países. Porque quando estamos em certames como a Fruit Logistica ou a Fruit Attraction estamos em verdadeiros centros de negócios. São feiras onde evitamos 20 ou 30 viagens a diferentes geografias. A Portugal Fresh não dá qualquer apoio a nível de produção, mas tem um contato muito mais direto com os clientes finais, com as tendências de mercado, com as exigências das certificações de cada geografia. E todos os produtores que integram estes eventos, apercebem-se das tendências de mercado, das exigências de produção, dos processos que precisam introduzir nas suas empresas, sejam individuais, sejam organizações de produtores. Isso ajudou-os muito a crescer na última década.
É um trabalho de parceria alargado…
Nós temos uma grande parceria, quer com a AICEP que tem delegados quase por todo o mundo, quer com as embaixadas portuguesas. Fazemos um plano de atuação com muita antecedência a fim dos delegados da AICEP e dos próprios senhores embaixadores nos ajudarem na promoção, na identificação de oportunidades. Ainda agora em fevereiro, quando estivemos na Fruit Logistica em Berlim, tivemos a visita do senhor embaixador e da equipa da AICEP na Alemanha. Em Berlim, ficamos sempre em dois hotéis – o Pestana ou o Sana, que são hotéis portugueses. O jantar empresarial, que realizamos sempre, decorreu no Sana Berlim, onde reunimos cerca de 150 pessoas e teve a presença do senhor embaixador e dos delegados da AICEP.
Como trabalha a Portugal Fresh para a internacionalização do setor?
Nós olhamos de diversas formas para o mercado global. Uma é nos mercados onde já estamos, a nível de reforçar a presença e os negócios que trazem uma mais-valia para nós. E, aí, olhamos principalmente para Espanha, França, Países Baixos, Alemanha e Reino Unido.
Depois, noutra perspetiva, olhamos para onde iremos conseguir remunerar melhor os nossos produtos: países por Pib Per Capita. Mesmo sendo pequenos, como Luxemburgo, Suíça, Irlanda, países nórdicos, são países com poder de compra e onde os produtos portugueses podem atingir alguma diferenciação.
E olhamos ainda de outra perspetiva: a das comunidades portuguesas relevantes em cidades como Paris, para ver como conseguimos atingir consumidores que estão disponíveis a pagar mais pelos nossos produtos. Depois, temos a consciência que cerca de 81% do valor das nossas exportações são para a União Europeia. E se somarmos os cerca de 6.5% para o Reino Unido, estamos a dizer que cerca de 87% se faz nestes países próximos de nós.
Vamos chegar ao fim do ano com 8.1 mil milhões de consumidores no mundo. Em 2030 serão 8.5 mil milhões e serão nove mil milhões em 2037. E se olharmos para o crescimento demográfico mundial, vemos que neste momento já metade dos consumidores estão na Ásia.
Por isso, temos de ver, com muita atenção, como conseguimos chegar com os nossos produtos a países fora da nossa esfera mais próxima. Uma das maneiras é chegarmos às cidades que têm mais de dez milhões de consumidores – até 2023 serão 40 cidades. Podemos já enumerar algumas, como São Paulo, Nova Deli, Bombaim, Cidade do México, que podem ser importantes porque ao identificarmos um bom cliente numa destas geografias, o potencial de venda de produto será muito relevante.
Ainda há espaço para crescer na União Europeia?
Sim, e por vários fatores. Neste momento, temos de olhar para a União Europeia como o nosso mercado local, nesta linha que vai de Portugal à Finlândia. Estamos a falar de cerca de 450 milhões de consumidores na UE a 27 e Portugal tem apenas 2,3% desses consumidores. É um mercado único, onde temos de conseguir crescer.
E, a esse nível, é muito importante garantir que o resultado das políticas europeias seja um aumento da produção na UE. Ou seja, termos uma maior autonomia estratégica a 27 e uma diminuição da importação de produtos de países terceiros. Ou acreditamos na Europa ou não acreditamos.
E as ambições dos últimos anos, com o European Green Deal e com o Farm To Fork vêm implicar uma diminuição da produção na UE e isso não é sustentável.
Se olharmos pragmaticamente para os números, vemos que os agricultores têm de estar realmente preocupados, porque a emissão de gases de efeito estufa na UE a 27 é 6.4% da emissão a nível mundial. O agroalimentar da UE não representa mais de 1% das emissões globais de gases de efeito estufa. E Portugal representa 0.115%. Se não houver acordos fortes com os EUA, com a China e com a Índia, isto não será sustentável. Porque não podemos estar a sacrificar um setor com um contributo tão baixo em detrimento da produção.
Mas a UE defende uma produção mais sustentável, com mais ênfase na estratégia Farm to Fork, com redução de pesticidas e fertilizantes. Alterar procedimentos para uma produção mais sustentável acarreta investimentos, às vezes difíceis de comportar sem apoios…
O problema não é só a dimensão dos agricultores e o investimento ser grande. O problema é que os números decididos num escritório, não são aplicáveis. Não é sustentável. Se tiver de ter 25% de área biológica, se cortar 50% nos produtos fitofármacos… Há muitos produtos que, se não se perder produtividade, podem-se fazer no modo de produção biológica, mas na maioria deles perde-se muita produtividade. Portanto, se tiver de ocupar quatro vezes mais o território, utilizar quatro vezes mais água para produzir a mesma quantidade, isso não é sustentável.
Eu já referi a questão demográfica. Nós teremos de ter mais alimentos porque o crescimento demográfico está a ser exponencial. O maior crescimento demográfico que vai haver até 2100, será nos próximos 12 anos. É este espaço até 2030, quando se passará dos 8.1 para 8.5 mil milhões, e de 2030 a 2037 quando passaremos de 8.5 para 9 mil milhões de consumidores. Se tivermos mais consumidores e, por outro lado, consumidores mais informados, que procuram dietas mais equilibradas e saudáveis, que dão um valor acrescentado a esta dieta mediterrânica e que precisam dos agricultores, precisamos ter uma estratégia que seja sustentável. E a estratégia sustentável é que o resultado das políticas seja um aumento da produção da União Europeia e uma diminuição de importações de produtos que não cumprem os requisitos que nós temos na União Europeia. Esta questão de não colocarmos em causa a estratégia de segurança alimentar na União Europeia, é fundamental. Porque se o resultado das políticas for um aumento das importações de países terceiros e dependermos mais dessas importações, esse, seguramente, não é o caminho que todos desejamos.
Com dois anos de pandemia, com duas secas extremas nos últimos quatro anos, duas guerras muito próximas de nós, o setor agroalimentar nunca parou. A produção, a logística, a indústria, o retalho, disponibilizaram sempre aos consumidores, principalmente os europeus, produtos de elevada qualidade e com segurança alimentar. E, mesmo com a inflação, ainda há preços relativamente acessíveis. Concordo que os preços cresceram, mas se não houvesse uma Política Agrícola Comum teriam crescido muito mais.
Os agricultores querem fazer parte da solução, eles são os melhores amigos do ambiente e da preservação da biodiversidade. Agora, tem de haver equilíbrio nas medidas e ser algo que seja exequível, com prazos bastante mais alargados. Não querermos reduzir tudo no imediato, quando há países que estão completamente fora destes acordos. A questão dos EUA, da Índia e da China é de extrema relevância porque, assim, vamos perder completamente a competitividade que temos num mercado cada vez mais global.
Nesse sentido, referiu que o PEPAC “não pode ser transformado numa política de prioridade ambiental”. Considera um exagero o objetivo de área afeta a agricultura biológica? E que medidas defendem para a revisão do PEPAC?
Quando estamos doentes, utilizamos medicamentos para tratar essas doenças. Para tratarmos as nossas plantas, também precisamos de tratamentos para usar na defesa dessas plantas. A agricultura biológica tem o seu espaço. São produtos que vão sair mais caros e, por isso, acho que temos de ter cuidado nas metas e na área afeta. Porque, senão, o consumidor vai ter de pagar cada vez mais pelos produtos e nós vamos ter menos produção. Isso é que não pode acontecer. Por isso, na questão da revisão o caminho é cada vez mais do uso responsável de todos os recursos, mas sem ambições desmedidas.
Quer a estratégia Farm To Fork, quer a ambições do European Green Deal têm de ser revistas, mas não é esquecendo todas estas ambições e metas a nível da sustentabilidade. Está muito em voga nas empresas, a implementação dos critérios ESG. É evidente que temos de ter cada vez mais cuidado a nível de governance, da parte social e da parte ambiental nas empresas, mas tem de ser com situações equilibradas, não radicais e cujo resultado seja o aumento da produção altamente segura que termos. Evidentemente o mercado local é muito importante. Infelizmente o poder de compra dos portugueses não é dos maiores na União Europeia e somos 2.3% dos consumidores. Por isso, temos de pensar que o nosso mercado local é mesmo esta linha de Lisboa a Helsínquia e aproveitar todas as oportunidades de valor acrescentado para os nossos produtos.
Quais são as medidas que os produtores deste setor consideram urgentes?
O setor só pode continuar a crescer se houver uma aposta a nível da gestão dos recursos hídricos. Tem de haver mais reservas de água. Se me perguntar quais são os principais desafios do setor, o primeiro é a água, o segundo é a água, o terceiro é a água. É completamente prioritária para este setor. O que temos vindo a assistir nos últimos anos é que o Governo não deu uma prioridade a setor agroalimentar, não houve uma aposta a nível do PRR no agroalimentar. Perdemos uma oportunidade de fazermos investimentos a nível de reestruturação, reabilitação de aproveitamentos hidroagrícolas que têm mais de 50 anos, com perdas enormes na distribuição antes de chegar às parcelas dos produtores. E isso não é aceitável nos dias de hoje. Deveria ter havido investimentos na modernização de toda a parte da distribuição de água, perdemos muitas oportunidades a esse nível. O Algarve e o Sudoeste alentejano já estão com situações muito complicadas. Do Sudoeste alentejano saem mais de 300 milhões de euros das exportações de frutas, legumes e plantas ornamentais e houve dois avisos do PDR. Um, de julho de 2022, com um montante de 30 milhões de euros, para uma nova estação elevatória, reservatórios de regularização e impermeabilização dos canais condutores principais, quer para V. Nova de Milfontes, quer para Odeceixe. Não há ainda um euro investido sobre esse aviso de julho de 2022. Depois, foi aberto outro aviso, no verão de 2023, de 23 milhões de euros, que, no fundo, era o mesmo montante dos 30 milhões, mas como só tinha sido submetido um projeto para a nova estação de bombagem, os 23 milhões eram para as outras iniciativas. Executado, não há um euro. O que temos é um despacho a indicar que não podemos aumentar a área de produção porque não existem recursos. Mas se olharmos para a água que existe na barragem de Santa Clara, são cerca de 162 hectómetros cúbicos, mais do que a barragem do Pisão, quando estiver construída. E nós estamos a dizer que não temos água. Nós não temos é infraestruturas para extrair esta água, e estamos com inúmeras limitações para os produtores. Evidentemente, nestes casos todas as soluções têm de ser equacionadas – novas fontes de água, transvases… Nós defendemos que o ideal seria ter uma rede nacional de água para aproveitar a que é desperdiçada. Não é para tirar água de um ponto do país para outro, é para a água que não é aproveitada. Nós deveríamos trazê-la de onde ocorre maior precipitação, neste caso do Norte para o Sul do país, nunca prejudicando os produtores daquelas regiões.
Mas o setor só poderá manter os níveis de crescimento que tem tido se forem modernizados os perímetros de rega existentes e criadas novas reservas de água, quer sejam charcas, reservatórios, minibarragens, médias barragens, grandes barragens. Porque Portugal devia pensar em aproveitar a oportunidade que tem: um mercado desejoso de que consiga aumentar a sua oferta porque vê em Portugal um país com um clima diferente dos restantes países do Sul da Europa. Nós podemos ser a Califórnia da Europa, temos a mesma latitude: eles têm a influência do Pacífico, nós temos a do Atlântico. Nós produzimos alguns produtos durante todo o ano, como é o caso das framboesas que se conseguem produzir ao longo de 52 semanas no Sudoeste alentejano. Em mais nenhum país da Europa se consegue. Portugal tem condições únicas de produção. Precisa de vontade política para conseguir dar condições aos produtores e para não desperdiçar esta oportunidade de mercado.
A médio e longo prazo, que medidas o Governo poderá tomar em termos de apoios?
Os apoios existem, mas têm de ser mais ágeis e têm de funcionar, porque temos uma burocracia muito grande. Ainda há pouco tempo foram anunciados avisos do PDR para charcas, mas há tantas entidades a ter de aprovar, que os processos são extremamente burocráticos, não funcionam. Portanto, precisamos de agilidade, que o Governo diminua a carga fiscal sobre as empresas e sobre os trabalhadores a fim de conseguirmos ser mais competitivos. Mas a questão da água é prioritária para a economia nacional. Nós vemos o peso que o agroalimentar já tem nas exportações portuguesas, na casa dos 12.5%, e por isso é de extrema importância resolver a questão da água.
Há pouco falou na internacionalização e indicou os cinco principais destinos externos dos produtos deste setor. O posicionamento de Portugal na exportação mudou muito nos últimos 12 anos?
Antigamente as empresas iam aos eventos internacionais e muito poucas tinham reuniões pré-agendadas. Atualmente são muitas as empresas que quase não têm espaço nas agendas para receber clientes que por acaso passem pelo stand. Na última Fruit Attraction em Madrid, estive com o representante da Coop Trading, um dos principais compradores dos países nórdicos, que me veio dar os parabéns porque as empresas nacionais com que trata são altamente credíveis, que a abordagem é muito profissional e ao nível dos melhores do mundo.
Para quantos países são exportados e quais produtos lideram as exportações neste setor?
Em 2023 exportamos para 138 países. O produto português que, neste momento, mais exporta é o tomate processado. Depois são os pequenos frutos, que em 2022 representaram no total 294 milhões de euros, com a framboesa a ser responsável por 209 milhões de euros de exportações. Em terceiro lugar estão os citrinos. São os três mais fortes.
No ano passado houve um aumento de inflação e por consequência dos preços de matérias- primas, conflitos internacionais, fatores climáticos extremos, escassez de mão de obra. Problemas que se juntaram à questão da burocracia e da carga fiscal… 2023 foi um ano desafiante para o setor?
Foi. Já vínhamos de 2020 e 2021 bastantes desafiantes, com a pandemia e as secas extremas. Têm sido anos muito desafiantes para o setor. Os custos de produção são cada vez mais elevados, os consumidores têm uma maior dificuldade na aquisição dos produtos.
E, entretanto, 2023 foi um ano recorde nas exportações nacionais de frutas, legumes, flores e plantas ornamentais: 2300 milhões de euros, mais 11,4% do que em 2022. Foi uma surpresa?
Não foi uma surpresa, mas temos de ter algum cuidado na leitura. A produção decresceu 5%. Isto divide-se em plantas ornamentais e flores, produtos hortícolas, frutas e preparados de frutas e legumes, onde entra o tomate de indústria. Em termos de quilos exportados, só os hortícolas cresceram e isso também teve resposta nas dificuldades que existiram no centro da Europa a nível de custos energéticos com algum abandono no aquecimento de estufas.
Há uma meta a atingir nas exportações em 2024? Manter um crescimento acima dos 10%?
Neste momento estamos mais preocupados em conseguir ter valor acrescentado para os produtos portugueses. Fizemos um caminho muito interessante de crescimento do setor, mas estamos muito preocupados com a questão da água. Porque se não for resolvida pode haver quebras a nível da tendência das exportações. Ou seja, se não houver obras a nível de modernização de vários perímetros de rega, corremos o risco deste valor retroceder, porque há geografias extremamente importantes.
Do top 3 que referi, os pequenos frutos estão, maioritariamente, no Sudoeste alentejano, a laranja está no Algarve. Duas regiões críticas e com necessidades de obras. Precisamos urgentemente dessas obras para garantirmos alguma estabilidade nas exportações.
O que nos torna ou tornará mais competitivos que outros países exportadores? De que forma os produtos deste setor se diferenciam?
No mercado global concorremos muito com Espanha, porque está ao nosso lado e tem uma dimensão muito maior ao nível da oferta. Nós diferenciamo-nos por termos um clima relativamente diferente devido à influência atlântica.
Depois, por termos empresas em que a dimensão não tem escala, isso dá a muitos dos compradores um contato mais familiar e direto e estes valorizam esse contato. Nós fazemos por nos diferenciar na questão do serviço, na resposta às exigências dos compradores.
Mas diria que a diferenciação está muito no facto de conseguirmos estender bastante a época de produção.
Estamos mais semanas durante o ano presentes no mercado em muitos dos produtos, principalmente a nível de produtos perecíveis de que os pequenos frutos são um bom exemplo. E os compradores internacionais valorizam bastante essa situação.
O Projeto Conjunto de Internacionalização 2023 – 2025 aponta baterias a outros países, fora da UE?
Em alguns produtos, como a pera e a maçã, e mesmo a ameixa, o Brasil é um mercado extremamente relevante para nós e estaremos na Fruit Attraction em São Paulo, de 16 a 18 de abril. Olhamos também com atenção para o mercado asiático e temos prevista uma nova missão à Índia.
Da China estamos à espera há bastante tempo que se conclua um processo para a exportação de pera e de maçã e, mal esteja fechado, iremos a esse mercado, onde já fomos. E pensamos estar em Hong Kong, em setembro, na Asia Fruit Logistica.
Temos prevista, neste projeto de internacionalização, uma ida ao Chile, que tem sido uma potência de exportação para muitos países. Portanto, na União Europeia pretendemos reforçar os nossos contratos nesta linha de Portugal à Finlândia.
Queremos muito fazer parcerias e desenvolver negócios para reforçar a presença no Brasil, sem perder de vista a questão da Índia e da China.
Quanto aos EUA e ao Chile serão, mais como processos de aprendizagem e de acompanhamento de quem vai à frente nas exportações mundiais.
Até onde Portugal e as empresas do setor podem crescer em termos de exportações? Qual é o caminho?
Nós tínhamos um objetivo de exportações, que penso que será ultrapassado, de 2.500 milhões de euros até 2030. Com estes saltos que demos, acho que vamos ter de rever esse objetivo caso haja obras a nível da água e da sua gestão. Mas este setor tem muito por onde andar se o país definir o agroalimentar como prioritário e investir fortemente a nível do regadio.
Entrevista completa publicada na edição 421 do Hipersuper