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“O PSVA mudou a forma de fazer vinho em Portugal”

Por a 2 de Janeiro de 2024 as 16:36

O Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA) congrega quase 650 membros, responsáveis por uma área de produção de 13.521 hectares que representa cerca de 60% da área de vinha do Alentejo. Já recebeu dez prémios e está a tornar o Alentejo num exemplo de sustentabilidade na vinha, a nível mundial. “O projeto tem adquirido tal dimensão e reconhecimento, que nos dá muito orgulho no que temos feito e permite ao Alentejo assumir-se como a região vitivinícola portuguesa sustentável”, diz João Barroso, diretor de Sustentabilidade, Investimento e Desenvolvimento dos Vinhos do Alentejo e coordenador do PSVA.

João Barroso, diretor de Sustentabilidade, Investimento e Desenvolvimento dos Vinhos do Alentejo e coordenador do PSVAPromovido pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), com apoio financeiro da União Europeia através do Programa Operacional Regional do Alentejo, o PSVA dirige-se aos produtores de uva e de vinho da região vitivinícola alentejana para apoiá-los no desempenho ambiental, social e económico da sua atividade vitivinícola. Está assente em 18 capítulos com 171 critérios de avaliação e as empresas aderentes integram a categoria geral de Sustentabilidade após a conclusão da autoavaliação para os 11 capítulos iniciais. Quando atingir a Categoria Final de Desenvolvido nos 18 capítulos, o membro do PSVA pode fazer uma validação de terceira parte e ter a certificação do sistema em sustentabilidade para o seu processo produtivo. “Hoje, o PSVA, os produtores que o integram e particularmente em 20 certificados, estão na vanguarda da sustentabilidade na vitivinicultura mundial”, assume João Barroso nesta entrevista ao Hipersuper.

O que é um vinho sustentável? Neste caso um Vinho do Alentejo sustentável?
Eu arriscaria dizer que não existem vinhos sustentáveis. O que existe é a forma mais sustentável possível de produzir um vinho. Tanto que a nossa certificação diz ‘produção sustentável’. Nunca irá ver nenhuma publicidade direta dos Vinhos do Alentejo a dizer que temos vinhos sustentáveis. Existem é produtos que podem ser feitos da forma mais sustentável possível tendo em consideração os impactos ambientais e humanos que possam ter.
No caso dos Vinhos do Alentejo, conseguimos garantir que são produzidos tendo em conta os impactos associados aos consumos de matérias-primas, seja de fitossanitários, de água, de energia, e que a forma como a vinha interage com a biodiversidade é colaborativa e construtiva, e não de oposição. Olhamos para a natureza como um aliado que nos vai ajudar a reduzir o uso de pesticidas e herbicidas e, por consequência, a ter até alguma poupança financeira associada a essa forma de estar.

O PSVA foi lançado em 2015. O que trouxe?
É um programa pioneiro. Mudou seguramente a forma de fazer vinho no Alentejo. E se pensarmos que agora existe um referencial nacional feito à base do PSVA, vê-se que o Programa mudou de facto a forma de fazer vinho em Portugal.
Começou a ser pensado em 2013, em 2014 fui contratado por ser especialista na área, e em 2015 foi lançado. Em 2018 começamos a pensar na certificação de terceira parte e em 2020 ela foi lançada. Demorou o seu tempo porque tudo teve que ser pensado, escrutinado, integrado, por forma a conseguirmos chegar a 2023 com um Programa sólido e reconhecido nos mercados.
O que trouxe? A visão do que deveria ser a sustentabilidade, para uma região. Trouxe organização, ordem, disciplina, metodologia, métrica, sensibilização. Mais importante, trouxe transformação mental e, nesse caso, tive a sorte de encontrar produtores com uma massa crítica muito interessante.

Quantos membros associados tem a esta data? E quanto representam em área de vinha e em produção?
Temos aproximadamente 650 membros inscritos no Programa. Representam 60% da área de vinha do Alentejo, mas não quer dizer que seja uma área que esteja em produção sustentável, quer dizer que são produtores a trabalhar todos no mesmo sentido. Quando falamos em produtores já certificados, estamos a falar num universo de 20 com produção sustentável que representam cerca de 25% da área de vinha e aproximadamente 33% do volume de vinho. Já são números muito significativos: um quarto da área e três em cada dez vinhos têm selo de certificação de produção sustentável.

Como decorreu o processo de implementação? Encontrou barreiras?
Muito poucas, que com algumas técnicas, conseguimos ultrapassar. Consistiram em pedir a produtores que fossem falar dos seus casos de sucesso, dizerem como fizeram, quanto gastaram e quanto de retorno de investimento tiveram. Porque é muito mais fácil que um produtor seja convencido por um seu par, mas ao mesmo tempo um competidor, do que por um académico ou um consultor.
Quando cheguei ao Alentejo, os produtores encontravam-se em feiras de vinhos. Com o PSVA, passaram a encontrar-se em reuniões de trabalho, em workshops que organizávamos, em formações que damos, num conjunto de iniciativas que criamos. Em 10 anos fizemos 19 workshops temáticos, todos para o setor e gratuitos, e mais de dois mil colaboradores de produtores do Alentejo foram a essas sessões. Mais de 1500 colaboradores de adegas do Alentejo já receberam formações gratuitas em gestão de água, de energia, de resíduos, sobre alterações climáticas, biodiversidade, sustentabilidade e comunicação. A CVRA é a única comissão vitivinícola do país que tem um departamento de sustentabilidade.
O projeto tem adquirido tal dimensão, e reconhecimento, que nos dá muito orgulho do que temos feito e permite ao Alentejo assumir-se como a região vitivinícola portuguesa sustentável. Não há mais nenhuma região em Portugal que tenha a massa crítica a trabalhar da mesma maneira, num sentido apenas, como o Alentejo. Isto, com todo o mérito que outros produtores tenham noutras regiões do país.

Um dos objetivos do PSVA é a redução dos desperdícios. O que significa em termos práticos?
Significa tudo. Significa não gastar água que não se tem; não gastar energia, que custa muito dinheiro; não usar pesticidas e herbicidas de que não se precisa; não desperdiçar caixas, papel, tintas, vernizes. Não ‘desperdiçarmos’ pessoas e conseguirmos uma forma de estar em que contribuímos para que tenham formação contínua, que trabalhem de acordo com as regras de higiene.
Falo muito da questão da água com os produtores, em duas perspetivas diferentes: o que podem fazer em casa e na adega. Sugiro que não a gastem em casa por decência, porque há quem não a tenha, e por uma questão financeira. Na adega, é completamente diferente, porque ali se gasta numa semana o que aquelas famílias todas não gastam num ano. Procedimentos operacionais, eficiência e redução do consumo da água, influenciam a gestão e todas as torneiras que fechem na adega significam água que ficará para uso noutras situações.

Reutilização de água na Herdade de São Miguel

Quando o Programa refere o aumento da viabilidade económica e a garantia da durabilidade do negócio, passa também pelo não desperdício…
É ‘uma pescadinha de rabo na boca’. Por exemplo, quando usamos menos herbicidas e pesticidas – que nós não proibimos porque percebemos que a sustentabilidade é algo complexo – vamos melhorar a qualidade de vida do solo, a matéria orgânica, enfim, a biodiversidade. E, por inerência, teremos uma maior capacidade no solo de retenção de água e nutrientes.
Se conseguirmos tudo isso, teremos uma planta mais saudável, mais resistente a doenças e ondas de calor, e, consequentemente, fazemos uma uva de melhor qualidade. Ora, essa uva, por inerência, vai gerar um vinho de maior qualidade e um produto com uma competitividade mais assertiva em relação a um outro concorrente. Este encadeamento de objetivos é transversal: se poupar materiais, vou poupar a natureza, daí vou ter um produto de melhor qualidade e vou ter uma vantagem competitiva no mercado.
E mais: se ainda por cima sou um produtor que tem ovelhas na vinha; ou desenvolvo responsabilidade social com um acordo com a junta de freguesia que permite aos idosos da comunidade virem visitar a adega, experimentar um vinho e um queijo; ou deixei de usar tintas nas caixas de cartão; ou tenho garrafas mais leves… isto é um pacote global. Não é apenas o vinho, é toda a história que está por trás da produção desse vinho.

 A questão da água é a que mais preocupa os produtores vinícolas e vitivinícolas do Alentejo? O Alentejo tem o Alqueva…
O Alqueva não só não está a chegar a todos, como está direcionado muito para outras culturas que não a vinha. Os olivais e os amendoais, por exemplo. Mas podemos colocar a questão ao contrário: o que faz o PSVA para ajudar na questão da água? Sensibiliza os produtores de que não podem apenas abrir a torneira e deixar pingar. Têm que perceber as necessidades reais de água para a planta e para o solo. Porque um solo bem preparado consegue reter água suficiente para não precisar ser irrigado. E um solo bem preparado não é, claramente, limpinho de ervas, naquele modelo dos anos 80 e 90 da vinha quase asséptica. Está mais do que provado que se quer uma vinha cheia de ervas, de bichos, de insetos, de mamíferos e de aves. Essa é uma vinha saudável. E que vai permitir que o solo tenha capacidade quando cai uma enxurrada, de fazer a retenção dessa quantidade de água.
Mas, se a chuva não cai, entram aí os ‘Alquevas’. Há de facto partes do Alentejo vinhateiro que estão já a ser cobertas pelo Alqueva, mas muitas partes não estão. E há aqui uma questão perniciosa e muito importante: o paradoxo da eficiência, que diz que quanto mais eficientes somos, mais vamos querer gastar. Portanto, se vou conseguir poupar mais, vou investir essa poupança, no fazer mais. E no gasto de água esse exemplo está mais do que demonstrado: se eu poupei cinco milhões de litros, vou plantar mais quatro hectares para usar esses cinco milhões de litros. E, na realidade, não vou poupar água, vou aumentar o meu consumo e os meus custos.

Então quais são os grandes problemas?
Claramente a água, de Norte a Sul do país. E, por inerência, a adaptação às alterações climáticas. Quando olhamos para isto de uma forma sistémica, vemos que o setor da agricultura tem a sua responsabilidade nas emissões de dióxido de carbono: representa 23% com o setor do vinho a ser responsável apenas por 0,3% das emissões.
Pelo meio há outro fator: o solo, que é extremamente importante mas não tem sido analisado, pensado, tratado quase nos últimos cem anos. E, no entanto, é do solo que tudo vem.
Há um grande trabalho no Alentejo neste momento, feito pelos produtores num movimento chamado agricultura regenerativa, que vem trazer uma filosofia de não agressão ao solo: redução ou eliminação total dos herbicidas e pesticidas, redução ou eliminação total da mobilização do solo, a permissão de que os infestantes apareçam e por ali fiquem um pouco. Se conseguirmos trabalhar bem a questão da agricultura regenerativa, conseguiremos aumentar a resiliência do nosso sistema.

Portugal é um produtor de vinhos de muita qualidade, mas de uma produção limitada, pelo tamanho do seu território. Uma diferenciação nos métodos de trabalho e uma produção mais sustentável geram valor acrescentado no exterior…
Costumo dar o exemplo prático da Suécia, um mercado paradigmático nestas questões e que, regra geral, marca a tendência do que será o comportamento do consumidor mundial, uma década antes. É um mercado que tem regras muito exigentes em relação às premissas de produção sustentável de um produto. Têm o Systembolaget (monopólio estatal sueco de comercialização das bebidas alcoólicas com teor alcoólico superior a 3,5%), que garante um nível elevado de sustentabilidade das bebidas comercializadas, através de um processo exigente de avaliação. O PSVA foi notificado que havia essa ação, candidatamos o  nosso projeto, passamos por um grande escrutínio e fomos aceites em finais de 2021 para pertencer a um clube exclusivo de certificações que são aceites naquele mercado.
Conto isto para chegar onde? Ao valor acrescentado. Este ano saíram já duas tenders do Systembolaget para Portugal. Uma pedia um vinho tinto, das regiões de Lisboa ou Alentejo, DOC ou IG, com preço entre 1.4 e 2.5 euros por 75cl. A segunda pedia apenas vinho Alentejo, DOC ou IG, biológico ou PSVA certificado, com valor entre 3 e 6 euros por garrafa. Valor quase três vezes superior e com a agravante que temos apenas 20 produtores certificados. Portanto, em mais de 200 adegas, só 20 podiam candidatar-se àquela tender.

Um dos objetivos é, chegar a novos mercados. Por causa deste selo de sustentabilidade, tal já foi concretizado?
Aqui há duas formas: ou se entre no mercado porque este tem um regime que só aceita certificações, ou se entra num mercado porque tem um consumidor mais sensível. Ou ambos. E, há, claramente dois muito importantes para o Alentejo: Suécia e Canadá. A Noruega também está muito interessada no que estamos a fazer e devemos lá entrar talvez em 2024.
Há depois os mercados sem este escrutínio tão apertado, mas onde temos tido muita aceitação, como o Reino Unido. Já tivemos eventos exclusivos PSVA no Reino Unido, mercado onde produtores nossos não vendiam e depois desses eventos passaram a vender. E o mesmo nos Estados Unidos.
Outro mercado é o Brasil, que está ainda a despertar para estas questões, mas é gigante, muito importante para o Alentejo. E pelo que me é dado a entender, por solicitação de meios de comunicação e influencers, há cada vez mais interesse num projeto como este e em perceber os esforços que os produtores fazem na produção sustentável.
Ainda não conseguimos fazer a correlação direta entre PSVA e aumento de vendas, mas conseguimos perceber claramente que as tenders estão a aparecer com valor acrescentado para nós, e com exclusividade. Que temos produtores a aumentar a exportação para determinados mercados onde não o faziam antes. E temos outros mercados onde dizem que se o produtor não tiver a certificação vinda de Portugal ou, em particular, do Alentejo, não importam.

O PSVA é uma ‘bandeira’ que apresentam nos certames internacionais? Há uma diferença entre o antes do Programa e o depois?
Claramente. Hoje, o PSVA, os produtores que o integram e particularmente os 20 certificados, estão na vanguarda da sustentabilidade na vitivinicultura mundial. Felizmente o projeto tem tido bastante sucesso e percebemos que o trabalho que temos feito está ao nível dos melhores. A prova disso é que nos vêm visitar. Da Califórnia, do Chile, do Reino Unido. Fui convidado no início deste ano para ir ao primeiro congresso de sustentabilidade e vitivinicultura, na Catalunha, para falar do caso do Alentejo. Nós estamos, à vontade, uns 15 anos à frente dos espanhóis na área da sustentabilidade. E dos italianos, suíços, austríacos, também.

Na área social, formalizaram um o protocolo com a Humanwinety, do enólogo Bento Amaral, para a inclusão de pessoas com deficiência nos setores vinícola. É aproximar as empresas das comunidades?
Foi formalizado em outubro deste ano. A Humanwinety já tinha firmado protocolos com produtores certificado PSVA, como a Herdade do Rocim e a Herdade das Servas. E pensamos que a CVRA é que o podia fazer, porque temos muito mais capacidade de mobilização do que cada produtor individualmente, conseguimos criar um conjunto de interações entre eles e nós.
Vamos fazer em dezembro um workshop, o primeiro sobre responsabilidade social. Terá Francisco Fragoso, representante da Portugal Inovação Social no Alentejo e Algarve, a falar sobre a estratégia estatal e os apoios para a integração de pessoas com deficiência nas empresas. Terá duas pessoas que já estão a trabalhar com a Humanwinety no setor do vinho, a darem o seu exemplo e terá produtores PSVA que já tenham trabalhado com pessoas com deficiência nas suas adegas. E o Bento Amaral vai apresentar a organização. Deveremos receber à volta de 80 a 100 pessoas a participar.
Dos novos critérios criados no âmbito da atualização do PSVA (ver caixa), um deles refere-se à acessibilidade para pessoas com deficiência, enquanto visitantes. E criamos outro numa componente mais técnica, sobre se as empresas têm ou não no seu quadro de empregados, trabalhadores com deficiência.

*  Entrevista originalmente publicada na edição 418 do Hipersuper

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