João Dotti, Director-geral da Nutricafés
“Numa situação normal de mercado a Nutricafés já tinha sido vendida” Depois de, em 2008, ter aumentado as vendas em 6% e o EBITDA em 30%, a Nutricafés espera crescer […]

Victor Jorge
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“Numa situação normal de mercado a Nutricafés já tinha sido vendida”
Depois de, em 2008, ter aumentado as vendas em 6% e o EBITDA em 30%, a Nutricafés espera crescer 7% no actual exercício. Esta performance torna a empresa, segundo João Dotti, director-geral da Nutricafés, “mais vendável”, até porque uma coisa é perfeitamente clara: “a actual estrutura accionista comprou a Nutricafés para vendê-la”.
Dois anos e meio após a compra da Nutricafés pelos dois fundos de “private equity” geridos pela MCH (espanhola) e Explorer Investments (portuguesa), a companhia de cafés apresenta resultados que a torna mais vendável, apesar de João Dotti, director-geral da Nutricafés, admitir que a actual conjuntura não é a melhor. Além dos cafés, chás e chocolate quente, a Nutricafés assinou recentemente um acordo para a distribuição exclusiva, em Portugal, de um novo produto: Tonino Lamborghini.
Hipersuper (H): A Nutricafés revelou recentemente que as vendas, em 2008, cresceram 6%. A que se deveu a este crescimento?
João Dotti (J.D.): À partida o cenário de 2008 foi um pouco receoso. A Nielsen deu-nos recentemente a informação de que o mercado, no Horeca, caiu 7%, em 2008.
A performance da Nutricafés é bastante boa, considerando que a crise não é de 2009, já que no segundo semestre de 2008 a situação já era grave. A boa performance resulta de uma série de alterações que fizemos na empresa com o principal objectivo de focá-la no nosso negócio principal, aumentar-lhe as valências internas em termos de competências comerciais, bem como a agressividade comercial. O negócio do café era um negócio acomodado e a Nutricafés estava também ela acomodada.
H: A crise veio despertar a Nutricafés?
J.D.: Não sei se foi somente a crise. A mudança de accionista e a minha entrada na empresa veio despertar a empresa. No meu estilo de gestão vejo as empresas como organismos ágeis. Normalmente as empresas têm muito o cariz do seu líder, do seu administrador ou director-geral.
Entrei no final de 2006 e ao longo de 2007 fomos mudando. Quando vim para cá e gostando de resolver as coisas o mais rapidamente possível, julgava que em três meses resolvia o assunto e o meu pai, que tem 74 anos e ainda hoje é um gestor profissional, disse-me no mínimo dois anos. Eu na altura não acreditei e afinal dois anos e meio passados veio-se a revelar que tinha razão.
Por via da mudança de accionista, um fundo de private equity que normalmente incute nas empresas uma gestão mais agressiva, de eliminar gorduras e custos desnecessários, vim para a empresa com essa missão.
Portanto, em 2007 iniciámos algumas alterações, muito focadas no negócio principal, reduzir os níveis hierárquicos. A empresa tinha cinco níveis hierárquicos comerciais e portanto, como costumo dizer, havia mais chefes que índios, o director-geral estava longíssimo do negócio, devido a esses mesmos níveis hierárquicos, e portanto tivemos de eliminar essas gorduras e por onde, normalmente, as empresas nunca o fazem, ou seja, pelos chefes e não pelos soldados.
Actualmente, temos um organograma muito ágil, de três níveis. Isso tornou a empresa bastante mais ágil e agressiva, começaram a surgir alternativas de negócio, que já existiam, mas que não íamos à procura delas, não as conhecíamos.
H: Estavam acomodados?
J.D.: Acomodados e tínhamos medo. Julgávamos que não conseguíamos ganhar. Havia muito o complexo de que o líder é que ganhava os negócios todos e nós não. Tudo isso foi alterado em termos de cultura da empresa.
Fizemos uma aquisição de uma empresa mais pequena – Sopratutto – com a marca Mokai, com cerca de 1.100 clientes que integrámos completamente na nossa estrutura com uma sinergia grande.
Por isso, quando referimos 6% de crescimento, não são 6% de crescimento orgânico porque está metida uma aquisição. Assim, temos uma crescimento orgânico de 3% e os restantes 3% por aquisição.
H: Foram portanto à procura de negócio?
J.D.: Exactamente, fomos à procura de negócio. Tem de se ver quais as janelas de oportunidade existentes.
A outra oportunidade estava no que chamamos de Horeca organizado, ou seja, os centro comerciais. À primeira vista para o consumidor pode parecer um ponto de Horeca normal, mas não é. Possuem compras centralizadas, normalmente são cadeias de lojas e o processo de negociação não é o mesmo que com uma pastelaria. Aí é preciso uma negociação diferente, não é o simples vendedor de café que vai ganhar essas oportunidades de negócio.
Se há três anos tínhamos uma posição muita fraca nos centros comerciais, hoje passados três anos, temos uma posição muito boa.
Portanto, não há milagres, há atitude, coragem de fazer as alterações no sítio certo e os resultados começam a aparecer. Hoje, em 2009, estamos neste momento a negociar três ou quatro grandes negócios de café e ninguém acreditaria na empresa que isso seria possível há dois ou três anos.
H: Mas esses negócios envolvem aquisições?
J.D.: Não, de venda de café, de grandes clientes, de operadores muito grandes.
H: Na apresentação dos resultados, referem que a Nutricafés foi a única a registar crescimento de quota no canal Horeca. A que se deveu esta realidade?
J.D.: Crescemos quota no canal Horeca . Ou seja, ou mantivemos as mesmas vendas no Horeca e os outros caíram ou caímos menos que os outros.
A causa principal é a nossa agressividade comercial. Criámos uma equipa de prospecção que não existia.
H: Quer dizer que o problema estava internamente?
J.D.: Sim, o problema estava internamente. De resto como quase sempre em todas as empresas.
H: Os últimos trimestres têm mostrado uma clara transferência de consumo de fora para dentro da lar. Como é que a Nutricafés vai adaptar-se a esta mudança e alteração de hábitos de consumo?
J.D.: Portugal tinha e tem um rácio muito desequilibrado em relação aos outros países europeus.
Nós já tivemos noutros produtos e hábitos de consumo rácios muito desequilibrados face à média da Europa. Nós temos, actualmente, um rácio de 80-20 com vantagem para o consumo fora de casa. Em Espanha e em Itália, que são os países que mais se aproximam de nós, o rácio anda à volta de 50-50. Portanto, há aqui um desequilíbrio. Ninguém entende nos outros países, como é que uma família tradicional portuguesa, com chuva e frio, acaba de jantar e atravessa a rua para ir tomar um café. Isto é uma questão cultural. O café é um produto social e em Portugal é muito relacional.
H: O café ainda é um produto de marca? Ou seja, o consumidor ainda compra o café por causa da marca?
J.D.: Nos pontos de venda não. E não é porque as marcas investem no ponto de venda, forçando assim os clientes a ter contratos de exclusividade para venda das suas marcas de café. Contam-se pelos dedos de uma mão os apreciadores de café que percorrem mais um ou dois quilómetros para irem beber um café de marca X ou Y.
No canal alimentar, praticamente não há margem. A força das marcas próprias está a crescer brutalmente. O café no canal Alimentar é quase visto como uma comodity. As marcas não promovem os atributos do seu café, que aromas diferentes possuem, que tipo de café fazem. É quase como as batatas ou cebolas e mesmo nas batatas já existem as batatas para fritar, cozer, para a sopa. Portanto, já paga um prémio para as batatas que quer. Isso é transformar uma comodity num produtos de valor acrescentado.
O café ainda tem pouco disso. Há umas linhas gourmet, há produtos diferentes, mas ainda há muito trabalho a fazer em termos de atributos.
H: E as marcas da distribuição são um concorrente de peso?
J.D.: Penso que as marcas próprias na grande maioria dos produtos serão sempre um grande concorrente e sempre que há menor diferenciação de produto, mais as marcas próprias possuem possibilidade de sucesso. Por exemplo, nos vinhos ou cerveja as marcas próprias têm uma expressão muito reduzida.
No caso dos cafés, neste momento, já valem quase 30% do mercado no canal alimentar e existem insígnias onde valem muito mais.
O canal alimentar é um canal com algum interesse em termos de promoção e divulgação da imagem, mas não é um canal rentável.
H: Mas a Nutricafés não é só café?
J.D.: Essencialmente era café e restauração e poucos pontos de venda. A primeira decisão que tomámos foi a de focar o negócio na nossa actividade de auto-venda.
Fizemos uma cedência de exploração do nosso restaurante, o Café Nicola do Rossio e dos nossos quiosques. Também vem daí o nosso bom resultado do nosso EBITDA (crescimento de 30%).
Entretanto, começámos a olhar estrategicamente e o activo que temos são os 10.000 clientes directos e uma rede de vendas que cobre o país todo e que visita duas vezes por mês. O que se passa é que com alguma quebra de consumo, o tempo que o vendedor perde ao visitar o ponto de vendas duas vezes por mês, tínhamos de rentabilizar este activo que de contactos duas vezes por mês. Assim, começámos por alargar o portfólio em termos do que faz sentido em bebidas quentes, primeiro os chás, o chocolate quente e agora os capuccinos.
H: E que peso é que esses negócios já possuem?
J.D.: Têm vindo a crescer bastante, mas ainda são marginais, com pesos na ordem dos 3 a 4% nas nossas vendas. O chá, por exemplo, tem crescido muito.
Depois de termos esses negócios estabilizados, decidimos estrategicamente que estava na altura da nossa equipa comercial poder vender outros produtos, sem ter nada a ver com o café. Estudámos diversos produtos e chegámos à conclusão de que só valeria a pena vender produtos que possuem uma ambição de chegar a um volume de significativo por parte do produtor e que nos permita gerar uma margem também interessante.
Surgiu a oportunidade de um produto que não foi inicialmente estudado: Tonino Lamborghini. Assinámos um contrato de exclusividade para Portugal para todos os canais de distribuição. O Tonino Lamborghini vende-se 40% no canal Horeca, 60% na grande distribuição. Dentro do canal de Horeca, vende-se muito mais em pontos próximos das escolas, universidades, na noite que possui um peso significativo.
H: Mas com um concorrente muito forte?
J.D.: A Red Bull tem cerca de 90% do mercado. O Tonino Lamborghini tem uma imagem muito forte, não vem posicionar-se pelo preço, mas sim pela imagem e conjunto de atributos da marcas e materiais de merchandising à sua volta. Não é para vender a baixo preço.
H: Não vai ser um trabalho fácil?
J:D.: De uma maneira geral, ninguém gosta de ter uma marca que representa 90% do mercado. Faz as regras do jogo, põe e dispõe.
H: Acomoda-se?
J.D.: Pode acomodar-se, por um lado. Por outro, poderá assumir tiques de alguma arrogância ou estratégias comerciais pouco flexíveis.
Nós temos alguma esperança que na grande distribuição, para tirar algum poder ao líder incontestado, nos dêem aqui uma abertura. Numa primeira fase vai ser relativamente simples introduzir, depois as vendas vão acontecer pela própria campanha de relações públicas, festas, provas de carros a efectuar em Portugal.
Portanto, a própria construção da marca vai ajudar a vender.
H: Quais são os objectivos?
J.D.: Dentro de dois anos queremos ter 20% de quota de mercado. Parece-nos possível. Temos uma grande distribuição numérica, com cerca de 10.000 pontos de venda e acredito que iremos colocar o Tonino Lamborghini à venda em pelo menos 5 a 6.000 pontos de venda.
Depois, se entrarmos na grande distribuição, como pensamos entrar, e numa perspectiva de tirar alguma força de venda ao líder, julgo que 20% ao fim de dois anos é possível. Se assim for, este mercado vale cerca de 12 milhões de latas em Portugal, poderemos chegar às 2 ou 2,5 milhões de latas.
É um desafio, não é um casamento para sempre. Se as coisas não correrem bem podemos sempre desistir.
H: Mas o acordo é por quantos anos?
J.D.: O acordo é por cinco anos, mas qualquer das partes, caso os objectivos não forem atingidos, poderá rescindir.
Há aqui um novo tema de conversa com os nossos clientes e com os clientes da concorrência e é uma porta aberta para clientes que tenham contratos a terminar mudar para os nossos produtos.
Não tem a ver com café, chá ou outras bebidas quentes, mas tem a ver com negócio.
Neste momento estamos a estudar outros produtos mais ligados à pastelaria, mas ainda estamos numa primeira fase.
H: Para lançar quando?
J.D.: Penso que até ao final do ano poderão surgir novidades.
H: A nível internacional, a estratégia da Nutricafés tem como base a vizinha Espanha?
J.D.: Nós temos duas áreas diferentes na exportação: internacionalização com estruturas próprias e neste momento falamos de Espanha com a sucursal Nutricafés Espanha e na qual temos quatro vendedores. Já temos 150 clientes e estamos a ganhar clientes mensalmente. Não é um trabalho de grandes investimentos, é um trabalho step-by-step.
A outra área são os mercados externos que não são internacionalização. Aí o normal é começarmos, tal como todas as outras empresas portuguesas, pelo mercado da saudade. Normalmente, os portugueses na Europa e nos EUA estão muito ligados à cadeia alimentar e temos vindo a abrir três a quatro países por ano: Rússia, Polónia, Roménia, Ucrânia, Angola, entre outros.
Nós e os italianos somos os que melhores expressos fazemos no mundo e há uma transferência no consumo de café de saco para o expresso e à medida que os países como os EUA se começam a europeizar, a apreciar os bons vinhos, o bom café, faz parte da nossa estratégia explorar essa situação.
Nos países de Leste podem ser uma oportunidade porque têm um parque de máquinas completamente envelhecido e têm hábitos alimentares muito semelhantes ao dos latinos.
H: Admite crescer em 2009 cerca de 7%.
J.D.: Sim. Esse crescimento resulta de termos ganho um enorme cliente (Sogenave), em Dezembro de 2008, a um dos nossos concorrentes, representando quase 4,5% das nossas vendas.
O ano passado também com a integração da Sopratutto, em Maio, terá impacto durante 2009. O nosso accionista também comprou a Companhia das Sandes e, naturalmente, que entraremos na Companhia das Sandes.
H: Por isso, este crescimento tem como base a consolidação do negócio?
J.D.: Sim. Depois deveremos ter uns 2% de crescimento real, orgânico. Os outros 5% explicam-se por negócios concluídos o ano passado.
Outro segmento onde temos vindo a ganhar quota é nos hotéis. Até 2008, só tínhamos um hotel. Neste momento temos quase 50.
H: Todo este dinamismo, estes objectivos, este crescimento, torna a empresa mais vendável?
J.D.: Claro. Penso que qualquer empresa mais energética, dinâmica, com espírito mais vencedor, torna a empresa mais vendável. Por um lado, porque os resultados aparecem, depois porque a capacidade de superar as dificuldades é maior.
H: Recentemente disse que a actual estrutura accionista não tinha pressa em vender a Nutricafés?
J.D.: A actual estrutura accionista da Nutricafés é perfeitamente clara: comprou a Nutricafés para vendê-la. Não há uma família, não há um accionista que diz que vai cá estar 20 anos, não é um fundo institucional. É um negócio. É comprar a empresa para vender a empresa.
H: Mas para ganhar dinheiro?
J.D.: Como é óbvio. O horizonte normalmente neste tipo de negócios são cinco anos. Comprou em 2006, estamos a meio.
É normal que com a melhoria significativa dos resultados da empresa que se possa, de alguma forma, antecipar essa venda.
H: Mas o trabalho que está a ser actualmente desenvolvido na Nutricafés torna esse negócio cada vez mais fácil?
J.D.: Sim. Neste momento, a conjuntura é que dificulta um pouco o processo. Em situação normal de mercado, não tenho dúvidas que a Nutricafés já tinha sido vendida.
Além disso, há a questão dos bancos. Normalmente, quando estes fundos compra determinadas empresas, utilizam capitais próprios, sendo a outra parte alavancada em dívida e neste momento regista-se uma grande retracção dos bancos em financiarem operações deste tipo.
Há duas variáveis que são de conjuntura que dificultam um possível negócio. A empresa está aqui de boa saúde, mas a envolvente está a dificultar o negócio. Mal haja uma retoma da conjuntura ao nível dos bancos quer ao nível de se perceber que a recessão económica está a dar a volta, sobressairá ainda mais a possibilidade de venda.