Outras Opiniões

O paradoxo das duas economias

Por a 10 de Novembro de 2006 as 11:47

alexandre

Vivemos tempos paradoxais em termos económicos. Para quem convive com o dia a dia dos mercados financeiros estamos no melhor dos mundos: os índices bolsistas sobem de forma consistente, os lucros das empresas superam consistentemente as expectativas dos analistas praticamente em todos os mercados e sectores, assiste-se a uma onda de fusões e aquisições e a política monetária orientada pelos principais bancos centrais, apesar de mais restritiva do que há uns anos atrás, continua amiga do investidor. Contudo, para a esmagadora maioria das famílias e consumidores desconhecedora deste cenário idílico, a situação é bem diferente: a alta do preço dos combustíveis (que continuam altos, apesar das quedas recentes), o aumento da prestação da casa devido à subida das taxas de juro e a política orçamental restritiva são exemplos de como o rendimento disponível das famílias tem diminuído. Como consequência, é previsível uma retracção do consumo em outro tipo de bens.

Este paradoxo entre a “economia financeira” e a “economia das famílias” não é sustentável no tempo porque os lucros das empresas dependem em grande parte da procura dos seus produtos como um todo. Nesta matéria será interessante verificar o que se passa nos EUA não só porque são um caso paradigmático, mas também pela sua importância como alavanca da economia mundial.

Os consumidores americanos vivem há muitos anos acima das suas possibilidades presentes. A taxa de poupança é zero, ou mesmo negativa. Os sucessivos estímulos fiscais (cortes de impostos) e monetários (baixas de taxas de juro) que se seguiram ao 11 de Setembro potenciaram a expansão do consumo, do crédito e do imobiliário. A economia como um todo recuperou, mas em termos de economia das famílias as implicações negativos decorreram de uma certa ilusão que o crédito fácil potencia.

Mais recentemente a economia americana tem dado sinais de desaceleração económica, embora menos graves do que se antevia há uns meses atrás. A contracção do mercado imobiliário é um facto e as previsões apontam para uma descida média do preço das casas nos próximos meses. Contudo, os analistas estão divididos entre:

– os optimistas que pensam que os lucros das empresas e o baixo endividamento das mesmas deverão levar à expansão do crédito e valorização das acções, prevendo que os efeitos nefastos no mercado imobiliário sejam compensados pela estabilização dos preços dos combustíveis;

– os pessimistas que pensam que a liquidez das famílias está cada vez mais limitada pela subida de taxas de juro, pela contracção do imobiliário e pelo preço dos combustíveis.

Os últimos dados macroeconómicos confirmam a existência de dois mundos diferentes (duas economias distintas):

– na economia financeira as empresas que divulgaram resultados este trimestre mais de 2/3 bateram as expectativas.

– na economia das famílias o PIB americano relativo ao 3º trimestre registou um crescimento de anualizado de 1,6%, quando se esperava um crescimento de 2,0%.

Na interacção entre as duas economias é difícil perceber quem arrasta quem, mas uma coisa nos parece lógica: não é sustentável durante muito tempo uma situação de restrição económica ao nível da “economia das famílias” com uma expansão exuberante da “economia financeira”. Mas, mesmo assim é possível que esta discrepância continue em 2007 se os bancos centrais, designadamente a FED reagir agressivamente a uma contracção do consumo com descidas agressivas das taxas de juro, que levarão a uma expansão do crédito e valorização das acções. O resultado será a reconstrução duma bolha especulativa.

Como conclusão, pensamos que o ano de 2007 pode muito bem continuar a ser difícil para o consumidor e benigno para o investidor, mas a discrepância entre as duas economias não pode perpetuar-se sem um ajuste drástico e, geralmente, é o mercado de capitais a ajustar-se mais rapidamente à realidade.

Alexandre Mota, Analista da Golden Assets, Sociedade Gestora de Patrimónios