Editorial

Proposta de valor

Por a 17 de Fevereiro de 2006 as 9:56

A pressão sobre o preço está a dominar e a determinar a evolução do sector da Distribuição, tanto à escala nacional como internacional. Basta ver a comunicação que é feita pelos operadores retalhistas, incluindo comparação directa. Mas este primado, curiosamente, gera o efeito perverso de diminuir a importância desta variável, uma vez que todos os operadores adoptam posturas muito mais agressivas. Ou seja, todos, ou pelo menos quase todos, têm preço. O diferencial competitivo joga-se hoje em dia noutras áreas, como a eficiência operacional ou o nível de serviço, respectivamente procurando redução de custos e fidelização do cliente. A proposta de valor, mais do que o custo dos produtos, é o elemento estratégico para as insígnias.

O novo paradigma deriva directamente do sucesso dos conceitos discount. Isso obrigou os outros formatos a reorganizarem as suas políticas comerciais e esbateu diferenças claras entre eles. O supermercado não pode mais praticar margens elevadas devido ao factor proximidade, porque ao lado tem uma loja de desconto. E foi obrigado a assumir filosofias um pouco mais próximas do conceito nascido na Alemanha, reduzindo sortido e apostando na marca própria, para além da maior agressividade no preço que o aproximou do hipermercado. Este continua a contar com a oferta alargada, mas perdeu o diferencial competitivo na factura final.

Ao mesmo tempo, os supermercados souberam manter um capital de prestígio em termos de qualidade percebida pelo cliente, o que inversamente faz com que os discounts também tenham que reformular as suas regras operacionais. Estas insígnias alargaram oferta às marcas de fabricantes, quando antes apenas comercializavam marcas exclusivas, e procuram entrar em novas categorias de produto, incluindo algumas das mais difíceis ao nível da confiança do consumidor. Paralelamente, olham também de forma diferente para a necessidade de ter uma loja cuidada e que proporcione maior prazer na compra.

Nesta edição, publicamos dois artigos que espelham bem este cenário. Um comparativo entre supermercados e hipermercados relativo ao mercado português mostra claramente que o diferencial de preço entre os dois formatos está hoje absolutamente esbatido. Por outro lado, a distância entre a insígnia mais barata e a mais cara, num cabaz de 105 produtos que poderá perfeitamente representar as compras mensais de um consumidor, é de apenas 15 euros. O documento, da autoria da Direcção-Geral da Empresa, deixa explícito que a diferenciação entre insígnias tem que ser feita através de outros predicados que não o preço.

O texto que publicamos sob título «O efeito Lidl» reflecte precisamente as consequências que a expansão acelerada das insígnias do grupo Schwarz tem vindo a provocar, obrigando os outros formatos a readaptarem estratégias e a reformularem a operação no sentido de maior rentabilidade. Na realidade, o foco estratégico da internacionalização dos grandes retalhistas mundiais passa precisamente pela melhoria dos resultados operacionais e não tanto pela dimensão crítica, ainda que esta seja naturalmente um elemento que permite a optimização dos projectos de expansão.

Seja a nível nacional seja numa perspectiva mais global, parece evidente que o preço, sendo uma variável de marketing mix absolutamente decisiva e obrigatória, não consegue por si só estabelecer uma verdadeira diferenciação nas insígnias retalhistas, dado que atravessa de forma transversal a estratégia de todas as cadeias de distribuição. Nesse sentido, a lógica dos operadores passa agora por componentes mais globais. A proposta de valor que se apresenta ao consumidor, e onde o preço está incluído mas integrado e relacionado num conjunto mais amplo de indicadores, como por exemplo a qualidade do produto, é o que verdadeiramente poderá fidelizar o cliente, gerando confiança e assegurando o sucesso das unidades retalhistas no médio prazo. No médio, porque no longo prazo ninguém arrisca futurologia.