O tema desta edição do APED Retail Summit é “Liderar o Futuro”. Que competências e capacidades considera essenciais para que o retalho e a distribuição possam, de facto, liderar num contexto marcado por incerteza e transformação acelerada?
O contexto é incerto, é acelerado, e também desafiante. E qualquer um destes atributos não é compatível com uma atitude passiva ou excessivamente reactiva. Antecipar e preparar são, por isso, as palavras de ordem para responder aos desafios constantes e emergentes do sector, quer do ponto de vista regulatório, como tecnológico ou de mercado/supply chain. Se há uma lição a retirar das múltiplas crises que atravessámos nos últimos anos, – e usando o que já é quase um “lugar comum” – é a necessidade de resiliência e reforço da capacidade de gestão e adaptação das empresas. As empresas, hoje, necessitam de uma boa dose de resiliência e cultura organizacional forte, fundada na confiança, na responsabilidade e na agilidade, para responder à imprevisibilidade internacional e aos efeitos decorrentes daquilo a que se convencionou designar de “policrises”. Não estamos muito afastados dessa realidade. E por isso, num sector como o do retalho, que está, por definição, mais exposto aos constrangimentos ou disrupções das cadeias de valor, a antecipação e preparação assumem, pois, uma relevância central em qualquer dos nossos Associados. Deste ponto de vista, “liderar o futuro” é também gerir a mudança e os seus efeitos conjunturais e estruturais. É esse o debate a que nos propomos.
O evento reúne um leque alargado de especialistas internacionais. Que contributos espera retirar destas perspectivas globais para a realidade concreta do setor em Portugal?
O perfil dos vários oradores é revelador da transversalidade dos temas que hoje se colocam ao sector. Teremos especialistas de várias áreas e sensibilidades da sociedade, desde a tecnologia à política, passando pela formação e coaching, para nos ajudarem a compreender e perspectivar o futuro. O APED Retail Summit ocorre de dois em dois anos e é não só o momento de encontro entre o sector e os vários interlocutores com quem lidamos e interagimos de forma frequente e regular – desde autoridades públicas a fornecedores e clientes – mas é também uma oportunidade para refletir sobre as principais tendências que moldam o futuro da economia e do sector. De forma muito sucinta destacaríamos a apresentação de um estudo de impacto económico do sector na sociedade portuguesa e uma discussão produtiva e esclarecedora do enquadramento regulatório europeu e o seu impacto no sector, ou seja, o que podemos esperar para os próximos anos do ponto de vista regulatório; uma reflexão profunda dos efeitos da IA no mercado de trabalho do sector e a requalificação de profissionais; uma discussão sobre liderança em tempos de incerteza, justamente, para responder à questão suscitada anteriormente; e uma conversa entre dois dos Associados da APED sobre a sua experiência na sua jornada para a sustentabilidade e o seu impacto ao longo de toda a cadeia de valor. Parece-nos um programa completo e motivador!
A inovação e a transformação digital continuam a ser prioridades para o setor. Quais são, na sua visão, os principais desafios na sua implementação e como é que as empresas portuguesas se estão a posicionar nesta transição?
A inovação é crucial para impulsionar a transição digital de muitas das empresas do sector. Um dos desafios principais é, obviamente, de natureza financeira, da capacidade financeira das empresas para investirem na dinâmica da transformação digital sem perderem competitividade.
A exigência da incorporação tecnológica em muitos dos equipamentos e soluções adoptadas pelos nossos Associados nas suas operações – desde as caixas self-checkout. p.e. às plataformas e-commerce passando pela simplificação das operações, através da automação e IA – traz consigo um elevado custo financeiro. Para se ter uma ideia, o EuroCommerce aponta para um investimento entre 155 e 230 mil milhões de euros, até 2030, para as empresas de retalho europeias responderem ao desafio da transição digital, nomeadamente: melhoria da experiência omnicanal e serviço ao cliente, optimização da eficiência operacional e de toda a cadeia valor, a modernização das tecnologias de informação ou ainda a integração de ferramentas digitais na operação, como IA ou advanced analytics. Ou dito de outra forma, a estimativa de investimento prevista para esta dimensão situa-se entre os 0.8% e 1.6% da receita anual das empresas. É motivo de preocupação, mas também de motivação para todos.
Ao longo do dia, vão ser debatidos temas como sustentabilidade e requalificação de talento. Na sua perspectiva, como pode a APED liderar/apoiar esse processo de transformação ou reforço do compromisso?
A sustentabilidade e as pessoas são dois dos eixos estratégicos do posicionamento institucional da APED. É assim desde há muitos anos. Tem sido um caminho que o sector tem vindo a fazer. Na área da sustentabilidade, p.e., destaco a iniciativa emblemática lançada pela APED para apoiar os seus Associados na resposta aos desafios das Alterações Climáticas, em particular no que respeita à descarbonização: o Roteiro para a Descarbonização da Distribuição. Hoje são mais de 20 os Associados da APED que fazem parte do Roteiro com metas ambiciosas até 2040 e que já representam mais de 65% da faturação do sector. Em paralelo, o acompanhamento e participação da APED na discussão e definição das políticas públicas na área da sustentabilidade é, hoje, absolutamente crucial.
No que respeita às Pessoas, para um conjunto de associados que a APED representa e que emprega quase 150.000 trabalhadores, o nosso compromisso é claro na resposta a três desafios estruturais: aumentar a produtividade, promover a transformação e adaptação de competências e cargos às novas exigências do mercado; e ser um sector magnético na atração e retenção de talento. Há ainda muito para fazer nestes domínios, mas estamos firmes neste caminho.
O evento tem uma forte componente de antecipação estratégica. Que tendências globais acredita que vão moldar o retalho nos próximos anos e como pode o setor posicionar-se de forma competitiva nesse cenário?
Por muito que se invista e estude, os exercícios de antecipação estratégica são sempre complexos. Podemos tentar trabalhar e antecipar tendências, mas trata-se sempre de algo com um risco elevado de sucesso. Quem é que antecipou uma pandemia e um período de confinamento como aquele que vivemos entre 2020 e 2022? Quem é que anteviu as disrupções nas cadeias abastecimentos decorrentes da invasão da Ucrânia e na tensão no Mar Vermelho, entre 2022 e 2023? Ou ainda, quem é que consegue prever a magnitude da guerra tarifária lançada pelos EUA? Estes três exemplos refletem bem o ambiente de incerteza que vivemos e as repercussões negativas que estas situações tiveram na vida financeira das nossas empresas e nas suas respectivas operações. Por isso, mesmo sabendo que não conseguiremos antecipar alguns dos principais acontecimentos e que, mais cedo ou mais tarde, seremos surpreendidos, as empresas devem ser ágeis o suficiente para ajustar objetivos, recalibrar metas e reconsiderar investimentos.
Do nosso ponto de vista, as empresas adaptarem os seus negócios aos novos padrões de consumo, corresponderem à necessidade de descarbonização e acelerarem a implantação de tecnologias inovadoras nas suas operações não é uma escolha, é condição para as empresas serem competitivas. E isso não irá mudar. O caminho terá sempre de passar pela formação das pessoas e pela capacidade de adaptação a novas realidades e desafios, tendo em vista a competitividade e a inovação. Os consumidores esperam isso de nós.