A nova estratégia de comunicação da Nespresso
É debaixo de críticas que a multinacional que inventou o café em cápsula anuncia agora o programa “Positive Cup” que nasceu em 2003 e aposta na sustentabilidade
Rita Gonçalves
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“Não, as cápsulas de café não estão a matar o planeta”. A afirmação deu título a um artigo publicado em fevereiro na edição online da Bloomberg, por ocasião de uma decisão da cidade alemã de Hamburgo que baniu a utilização de máquinas automáticas de café em cápsula, como as da Nespresso, dos edifícios governamentais. A ideia, dizem os legisladores, é defender o ambiente partindo do pressuposto de que a utilização de milhares de pequenas cápsulas leva ao consumo desnecessário de recursos e gera numerosos resíduos. Apesar de defender que as cápsulas de café são uma pequena ínfima parte do problema do planeta, a Bloomberg não desvaloriza o impacto ambiental da sua produção. Organizações internacionais estimam que em 2014 tenham sido enviadas para aterro um número de cápsulas capaz de circular pelo planeta 11 vezes.
É debaixo de fogo que a produtora e distribuidora de café Nespresso, marca que pertence à gigante suíça Nestlé, decidiu apresentar recentemente, em Portugal, o programa Positive Cup. Baseado em três pilares – origem, reciclagem e clima – o programa teve início em 2003, quando a marca anunciou um investimento de 500 milhões de francos (cerca de 450 milhões de euros), até 2020, com o objetivo de ser nessa data a marca mais sustentável do mundo. Além de querer ter 100% do café da gama permanente de origem sustentável em quatro anos, a multinacional está ainda preocupada com a reciclagem de cápsulas (estender os pontos de recolha do alumínio e encaminhá-lo para reciclagem) e com o clima (reduzindo a sua pegada de carbono).
“Vamos hoje apresentar ao mundo o lado mais invisível de uma marca conhecida pela excelência dos produtos. Este programa representa a pegada da Nespresso no presente e no futuro – os benefícios ambientais e sociais – e uma estratégia de criação de valor na aquisição, na produção e no consumo”, disse a apresentadora Catarina Furtado, a anfitriã deste evento que decorreu na Estufa Real, no Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa.
Marta Mimoso, coffee ambassador da Nespresso, considera que apenas 2% do café produzido no mundo cumpre os padrões exigidos pela marca. “Procuramos os grãos mais raros. Apenas 10% da produção mundial é considerada especial, ou seja gourmet ou com um perfil fora do comum. Para garantir a produção deste café de excelência, a longo prazo, assim como a sustentabilidade do seu modelo de negócio, a marca trabalha na origem, diretamente com os agricultores, garantindo assim o controlo de toda a cadeia de valor do café – desde a planta até à chávena.
“Tal como o vinho, a qualidade do café começa na árvore (cafeeiro) e traça a sua personalidade consoante reage ao clima, ao solo e à altitude da plantação”, o ‘terroir’ da região de cultivo.
“Foi com a Nespresso que o consumidor português começou a ter noção do café como tem do vinho, identificando as diferentes variedades e sabores”, defende o professor Manuel Correia, do Instituto Superior de Agronomia. Esta comparação entre o vinho e o café não é, no entanto, nova e, por isso, “não é uma moda”. Já em 2001 “uma tese dos meus alunos dava conta que no futuro os cafés iam ser comercializados como os vinhos”. Apesar de existirem apenas duas castas de café – arábica e robusta – estas adaptam-se bem ao ecossistema, garante o professor, sobretudo nas zonas mais recônditas e sombreiras das florestas.
Mas, afinal, o que distingue um café especial de um café comum? “O tamanho do grão, o número de defeitos por cada grão e o perfil aromático. Só compramos grãos com o máximo de dois defeitos por amostra”, sublinha a embaixadora da marca em Portugal.
Sustentabilidade na agricultura
O programa AAA Sustainable Quality nasceu em 2003, no Quénia, destina-se aos agricultores dos principais países produtores de café e está implantado hoje em 340 mil hectares. “Não é um programa de caridade”, reitera Marta Mimoso, mas sim a forma que “temos de garantir a qualidade que precisamos. Os dois primeiros A significam ‘o melhor café da melhor qualidade’. O último A significa sustentabilidade”.
Para levar a cabo este programa, a marca aliou-se à Organização Não Governamental (ONG) Rainforest Alliance, perita em sustentabilidade na agricultura. O que fez esta ONG no terreno? “Criou um conjunto de boas práticas agrícolas, como a utilização responsável de adubos e fertilizantes, a devolução à natureza da água utilizada na transformação industrial, regras para a gestão de resíduos e melhorou as condições de vida destas comunidades, reduzindo por exemplo o número de horas em que os agricultores enfrentam a exposição solar, eliminado o trabalho infantil ou valorizando o papel da mulher na comunidade”. No total, os agricultores têm de respeitar quase 300 critérios para fazer parte do programa que não exige, no entanto, nenhum vínculo de exclusividade. A grande vantagem para os agricultores é, no entanto, o pagamento do preço por quilo acima da média cotada em bolsa (+30 a 40%), sublinha Marta Mimoso, além do acompanhamento e assistência dos agrónomos da Nespresso e dos técnicos da ONG que dão apoio no terreno. Atualmente, 74 mil agricultores produzem ao abrigo deste programa, em 12 países. “Um total de 84% do café que compramos atualmente é resultado do trabalho deste programa”. A meta da marca é alcançar os 100% até 2020”.
O Programa “Nespresso AAA Sustainable Quality” ganhou um novo impulso com o lançamento de um projeto piloto na Colômbia que assegura pensões na velhice para estes agricultores, com o apoio da ONG Fairtrade International, que faz a ligação entre os mercados e os agricultores. “Esta organização não governamental nasceu há cerca de 25 anos, pela mão de um padre. Não é um banco de caridade. Nem os agricultores querem caridade, querem é ser bem pagos pelo seu trabalho”, explicou Lee Bayers, da Fairtrade International.
Os agricultores mais velhos, sem um pé de meia para se reformarem, têm muita dificuldade em passar o negócio para os filhos. É assim que nasce este projeto para colmatar estra lacuna.
“Hoje, esta é a primeira necessidade destes agricultores, mas já foram outras, como a estabilização dos preços, a educação dos filhos, as ferramentas necessárias para produzir mais e melhor ou o desafio das alterações climáticas, entre outros. Amanhã, as necessidades serão outras e estamos cá para acompanhar e ajudar”. Atualmente, cerca de 2,5 milhões de pessoas dependem desta indústria.
Expandir o programa para novas geografias em África, onde a Nespresso considera ter mais potencial para crescer e de onde vem já metade do café certificado AAA, é a meta da marca para os próximos anos.