Pedro Pimentel, diretor-geral Centromarca
As vendas com prejuízo e a febre dos descontos, por Pedro Pimentel (Centromarca)
Nesta altura, o tema das Vendas com Prejuízo adquire especial relevância por que está em vias de publicação o novo diploma relativo às Práticas Restritivas do Comércio
Rita Gonçalves
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Por Pedro Pimentel, Director-geral da Centromarca
A proibição das Vendas com Prejuízo surgiu na legislação portuguesa em 1986, quando face à constatação da “crescente vulgarização de práticas de ´ que não raro se assumem como restritivas de uma leal concorrência”, o legislador desejou promover “uma sadia concorrência e uma transparência do mercado”, ao mesmo tempo que pretendeu “prevenir actuações que, aparentemente benéficas para o consumidor, se revelam, afinal, como nocivas”.
No contexto da relação entre fornecedores e distribuidores, a Venda com Prejuízo não é, seguramente, a prática comercial abusiva de maior impacto, nem aquela que é, do ponto de vista financeiro, a que apresenta maior efeito penalizador. No entanto, as Vendas com Prejuízo são uma das práticas abusivas mais facilmente detectáveis a ‘olho nu’ e mais facilmente comprováveis e é isso que as torna tão preocupantes aos olhos dos distribuidores.
Nesta altura, o tema, contudo, adquire especial relevância por que está em vias de publicação o novo diploma relativo às Práticas Restritivas do Comércio. Ao nível das Vendas com Prejuízo, como em relação ao corpo essencial das Práticas identificadas e penalizadas, o diploma é, quando muito, juridicamente melhor construído e mais facilmente aplicável, mas a bem da verdade, o que será penalizável agora já o era à luz da anterior legislação de 1993, bastando para tal que essa legislação tivesse sido aplicada de uma forma mais extensiva e regular.
O que muda?
O que realmente muda com a nova legislação é o agravamento do valor das coimas aplicáveis e é isso que preocupa os distribuidores. Diz o povo que “quem não deve, não teme”, pelo que quem cumpre com a legislação nada terá a temer com o agravamento das multas. No entanto, a prática demonstra-nos que a lei não é cumprida todos os dias e que o problema está em que até aqui as multas não eram mais do que uns trocados e que, como tal, o ‘crime’ compensava (e funcionava apenas como um eventual pequeno custo adicional).
Outro dos aspectos que dá mais relevância a este dossier é a conjugação da nova legislação com um período em que as promoções e os descontos são reis no mercado. Estas acções promocionais, necessárias à luz da actual conjuntura económica e da significativa redução do rendimento disponível das famílias, não deixam, por isso, de funcionar como um factor de desvalorização dos produtos aos olhos dos consumidores e de induzir, artificialmente, a transferência de consumo dentro de uma categoria ou entre categorias de produtos.
Além disso, a sua realização sistemática apenas está ao alcance dos distribuidores com maior ‘pulmão’ financeiro e maior capacidade negocial, que lhes permite suportar os prejuízos gerados ou ter a capacidade de os transferir para os seus fornecedores, impedindo que retalhistas de menor dimensão possuam condições comerciais concorrenciais que lhes permitam concorrer no mercado, um argumento mais para o reforço da penalização das Vendas com Prejuízo. Num circuito em que intervêm fornecedores, distribuidores e consumidores, os menores preços que os consumidores estão a pagar, significam menos vendas, mas nem por isso menor rentabilidade da parte dos principais distribuidores, pelo que, como não há milagres, fácil é perceber quem está a pagar – directa ou indirectamente – o grosso da factura.
É usual ouvir os distribuidores e os próprios consumidores afirmar que as Vendas com Prejuízo não deveriam ser penalizadas, porque, afinal, o consumidor tem a possibilidade de adquirir os produtos que pretende a um preço mais baixo e os responsáveis pela respectiva colocação no mercado – sejam os distribuidores, sejam os fornecedores – estão disponíveis para suportar o prejuízo associado a esse mais baixo preço.
Esta visão imediatista dá jeito a quem tem pouco dinheiro na carteira (basta dar uma ‘vista-de-olhos’ à profusão de sites e blogues sobre promoções para se perceber a actual Febre dos Descontos) e dá igualmente jeito a quem realiza sucessivas acções de charme e fidelização dos consumidores, sabendo que a fatia maior do esforço financeiro associado sairá dos bolsos de outros. Esta visão esquece a defesa da transparência do mercado, do reforço da concorrência e da prevenção de actuações nocivas a médio e a longo prazo não apenas para o consumidor, como para as próprias finanças públicas, valores que o legislador utilizou para justificar a penalização deste tipo de práticas abusivas.
Pressões da Distribuição
Sabe-se, nesta altura, que as pressões dos representantes da distribuição passam por forçar a introdução no novo diploma de mecanismos que esvaziem a aplicação do conceito de Vendas com Prejuízo, especialmente no caso dos Descontos Diferidos, ou, como mais vulgarmente são conhecidos, nos chamados Descontos em Cartão.
A pergunta mais imediata passa por saber porque é que o mesmo desconto sobre o mesmo produto tem que ter tratamentos diferenciados se eu, enquanto consumidor, benefício de imediato desse desconto ou se apenas o posso utilizar mais à frente, em função das condições definidas para a sua atribuição. Não comprei o mesmo produto? E não beneficiei do mesmo desconto? Então porque avaliar a situação com regras diferentes?
Mas a situação aparenta ser mais grave, pois como facilmente se comprova, os descontos directos são, sem qualquer dúvida, muito mais transparentes e geram muito menos obstáculos à livre concorrência – a ‘prisão’ do consumidor ao distribuidor termina no acto de aquisição – do que o caso dos descontos diferidos, em que por trás do conceito de fidelização, se introduz um mecanismo de acorrentamento do consumidor ao distribuidor. Eu obtenho o desconto na aquisição de um dado produto numa insígnia, mas para usufruir efectivamente desse desconto tenho que voltar a fazer compras nessa mesma insígnia, onde vou obter mais descontos, relativamente aos quais vou ter que voltar lá a fazer compras para usufruir.
Mais, à força da capacidade comercial destas grandes insígnias, hoje compro combustível e beneficio de desconto em cartão, amanhã pago a electricidade e volto a beneficiar de desconto em cartão, depois de amanhã é o bilhete para espectáculo e lá vai mais um desconto para o cartão e no final da semana compro um carro novo e também aqui obtenho novo desconto em cartão. E o consumidor, obviamente, não desaproveita todas estas vantagens, mas elas revertem todas para o(s) mesmo(s) cartão(ões) e para os usufruir realmente tenho que fazer as minhas compras nas lojas dessa(s) insígnia(s). E quando faço as minhas compras nessas lojas, deixo de as fazer nas lojas em que as fazia habitualmente. E quando vou fazer compras a essas lojas, adquiro apenas produtos das marcas (do distribuidor e de fabricante) que aí estão disponíveis e deixo de comprar as restantes marcas. E quando a concorrência falir ou desistir essas cadeias manterão a sua preocupação de fidelizar os seus consumidores e de implementar estas políticas de permanentes preços?
É por tudo isto que entendo que a penalização da Venda com Prejuízo enquanto Prática Comercial Abusiva deve ser reforçada e é por tudo isto, também, que não entendo que se pretenda que a legislação dê um tratamento mais benéfico aos comportamentos que mais penalizam a “sadia concorrência e uma transparência do mercado” que o legislador desejou promover e que correspondem às “actuações que, aparentemente benéficas para o consumidor, se revelam, afinal, como nocivas” que o legislador pretendeu prevenir.