A academia para a felicidade corporativa “Happiness Business School” tem como principal missão alavancar culturas de trabalho positivas que não gerem apenas mais performance, mas, sim, mais propósito, para que os trabalhadores tenham carreiras com mais significado.
Por Madalena Carey, fundadora da Happiness Business School*
Fala-se tanto sobre felicidade e bem-estar, atualmente, mas será que os seres humanos foram programados para serem felizes? Sem querer desiludir alguém, a verdade é que não é bem assim. O ser humano não foi programado para ser feliz. Fomos programados para duas coisas: reproduzir e sobreviver. Se andarmos um bocadinho para trás, para o tempo da pré-história, quando na savana eramos a refeição mais apetecível para o leão esfomeado, percebemos que o nosso cérebro foi programado para estar em constante estado de alerta para os riscos e as ameaças à sobrevivência. É, por isso, que temos tanta tendência para prestar atenção àquilo que é negativo ao invés do que é positivo. Por causa deste mecanismo de sobrevivência, a nossa natureza desencoraja o estado de contentamento.
Para responder à pergunta “como criamos locais de trabalho mais felizes”, é preciso primeiro diagnosticar o que se passa no mundo atualmente. Quais os obstáculos que nos impendem de sermos felizes, numa altura em que vivemos numa ditadura de quase felicidade tóxica? Quais são as causas de infelicidade moderna? A constante comparação social. Esta é uma das causas de infelicidade moderna e que nós vemos isto a acontecer nas organizações. Somos uma sociedade que se voltou para fora quando a felicidade vive dentro de nós. E seguimos pela vida a achar sempre que a relva do vizinho é mais verde do que a nossa. Achamos que o nosso valor interior depende do título que temos, do salário, da casa que compramos, do carro que guiamos e por aí fora. E sofremos uma pressão social para atingir os objetivos que todos os outros atingiram.
Estão familiarizados com o termo adaptação hedónica? Quem é que já recebeu uma proposta de trabalho, ficou contente com a vida nova e, daí a uns meses, já não está desmotivado para ir trabalhar? Quem é que já começou uma relação de amor, estava perdido de amor e, daí a uns meses, já é um novo normal? Todos nós. É um fenómeno experienciado e observado no ser humano: não interessa aquilo que nos acontece, seja um evento positivo ou negativo, vamos voltar sempre à linha base de felicidade, que difere, depois, para cada um de nós. Vamos vivendo a vida à procura do pico, “quando comprar aquela casa, é que eu vou ser feliz”, “quando chegar a CEO daquela empresa, é que vou ser feliz para sempre”, apenas para percebermos que, afinal, esse pico de felicidade desvanece muito mais rápido do que pensamos.
Então, a pergunta que faço é: até quando vamos continuar à procura do pote dourado no fim do arco-íris? Não existe. No que toca à felicidade, temos que parar de procurar e começar a encontrar, naquilo que temos e somos.
Só a escola da realização pessoal é sustentável
O que vemos atualmente são muitas organizações a dar, dar e dar benefícios. E os colaboradores, o que fazem? Continuam a queixar-se. Porque estamos a promover esta hedonia. Há duas escolas de pensamento no que toca ao bem-estar e à felicidade. A escola hedónica e a escola eudaimónica. A eudónica tem a ver com a procura de prazer em coisas externas a nós. É sustentável? Não, porque não depende de nós.
Então, o que temos que promover é a eudaimónica: a escola da realização pessoal. Essa, sim, é sustentável porque depende de nós. Outra causa de infelicidade moderna, e com certeza que se identificam com esta, são os ecrãs, a nova cocaína. Um total de 293 mil milhões de e-mails são enviados por dia. As novas gerações olham 157 vezes por dia para o telefone. Se fizermos as contas, achando que dormem oito horas por dia, eles estão a olhar para o telefone a cada três minutos. Então, achamos que estamos a ficar mais espertos, mas o que está a acontecer, porque os ecrãs ativam o centro da recompensa no nosso cérebro, é que durante esses três minutos em que não estamos a fazer refresh no telefone, estamos no período de reabilitação das drogas. Achamos que estamos a ficar mais espertos mas, na realidade, estamos a ficar mais ansiosos e stressados. E isto impacta a maneira como interagimos com os outros.
E, depois, criamos uma narrativa de vidas perfeitas, no LinkedIn somos especialistas nisto e campeões naquilo, trabalhamos para as maiores empresas, mas será que estamos mais felizes? Parece que não.
A causa número um de infelicidade moderna é, no entanto, a falta de significado, curiosamente numa altura em que se fala muito sobre propósito. Mas, o que é isto do significado? Se colocarmos os olhos nas novas gerações vemos que são consumidores mais conscientes e procuram trabalhar para empresas com as quais se identificam e nas quais acreditam. Empresas com as quais estão alinhadas nos valores e que lhes permitam ter uma rotina diária que impacte positivamente não só a si próprias como, eventualmente, um ecossistema numa escala mais global.
Integridade é a característica mais essencial do ser humano
Tudo isto a somar ao ritmo frenético a que nos habituámos a trabalhar levou ao atual panorama: a ansiedade e o stress são os nossos melhores amigos. A depressão atinge taxas nunca antes vistas, resulta em cerca de 800 mil casos de suicídio por ano e começa a atingir já crianças com dez anos. Vou partilhar algumas estatísticas de uma das entidades mais credíveis em investigação organizacional: 70% das pessoas que trabalham estão infelizes e não se importam com o que fazem. 900 milhões de pessoas não se sentem preenchidas com o que fazem e 76% dos colaboradores já experienciou burnout. O que vemos aqui é que o trabalho não está a funcionar para a maioria.
Num mundo em que se fala tanto sobre resiliência (e desenvolver resiliência é uma habilidade e é importante), é preciso remover a necessidade de a desenvolver constantemente. Ou seja, nenhum atleta de alta performance consegue estar em alta performance em constante adversidade. Então porque é que nós pedimos isso aos nossos colaboradores? Na verdade esta maneira de trabalhar, que é uma herança da revolução industrial, é fazer mais e mais com cada vez menos recursos. Compartimentalizar. Sistematizar. Não podemos compartimentalizar mais. Se eu partir uma vaca ao meio, fico com duas vacas? Não, fico com duas metades mortas de uma vaca. O que estamos a ver são pessoas quebradas em pedaços.
Então, o que é que temos de fazer? Olhar para as organizações, não como máquinas mas como feitas de pessoas. E qual é a característica mais essencial do ser humano? É a integridade. O estado de sermos por inteiro e de estarmos por inteiro. Enquanto líderes, pessoas que trabalham com pessoas, temos de construir uma experiência de colaborador que respeita a integridade entre a nossa saúde espiritual, emocional, psicológica e física. E perceber que uma não acontece sem a outra. Então, eu acredito que antes de qualquer coisa, passarmos de um pensamento reduzido e mecânico para um pensamento sistémico é o que nos vai levar à criação de espaços de trabalho mais felizes e socialmente sustentáveis. As partes de uma organização são o todo conectado entre si. O ser humano consegue fazer coisas brilhantes com uma visão de túnel. Conseguimos ir à lua, ao mesmo tempo que promovemos o aquecimento global. Conseguimos produzir em massa ao mesmo tempo que aumentamos a pobreza. Quantas vezes tomamos uma decisão num departamento que é fantástico para aquele departamento mas tem um efeito negativo noutros departamentos.
É o pensamento sistémico que nos vai ajudar a encontrarmos também a igualdade na diferença. Olharmos e nutrirmos as nossas relações. Irmos de uma perspectiva linear em que exploramos os recursos ao máximo, inclusive os humanos, para uma perspetiva em que os nutrimos. E respeitar os processos cíclicos das pessoas. Eu ontem não era mãe e hoje já sou. Valorizo coisas diferentes. E isto está em constante transformação. Precisamos de abandonar a ditadura da quantidade e focarmos na qualidade.
Satisfação versus felicidade no trabalho
O psicólogo e Nobel em ciências económicas, em 2022, Daniel Kahneman, fez pela primeira vez uma distinção muito interessante entre satisfação no trabalho e felicidade no trabalho. Kahneman diz-nos que a satisfação é o que nós pensamos do nosso trabalho. É uma avaliação racional. É darmos um passo atrás e responder a questões como “será esta a vida que eu admirei?” “será este o título que sempre quis ter?”, “os benefícios e títulos dão status?”. Enquanto a felicidade no trabalho é a forma como nos sentimos enquanto trabalhamos. A felicidade no local de trabalho é um fator de retenção de talento. Todos conhecem com certeza pessoas que chegaram ao topo da carreira e concluíram que não estão felizes. Especialmente nas novas gerações a felicidade e a avaliação emocional da experiência diária é o fator de decisão entre ir ou ficar. E a felicidade no trabalho é muito simples. Assenta em resultados individuais e relações.
E aqui resultados não tem nada a ver com as métricas de negócio. Todos queremos trabalhar para empresas líderes. Mas, no fim do dia, será que eu tenho a vida que quero? Seja isso progressão de carreira, reconhecimento, flexibilidade de horários, poder de decisão. E, depois, as relações. Fazer um trabalho que gosto, com quem eu gosto.
A fórmula “Happiness Pie” que Sonja Lyubomirsky, professora renomada nos EUA, desenvolveu após vários anos de pesquisa diz-nos que o fator genética, as circunstâncias de vida e as atividades intencionais são os fatores que impactam a nossa felicidade. Não é como parece, a minha genética não impacta em 50% a minha felicidade. O que ela quer dizer é que de mim para outra pessoa o fator genética pode ter uma variação de impacto de 50%. E o que são as atividades intencionais? São práticas que podemos implementar na nossa rotina diária que nos vão ajudar a engordar a zona do córtex pré-frontal, a área associada à criação de novos mecanismos, novas memórias e de substratos mais positivos.
É aqui que ganha uma grande relevância a psicologia positiva, que faz o estudo da vida humana que faz valer a pena. Estamos há anos sem fim a estudar o que corre mal. Vamos estudar o que corre bem. É o estudo científico da felicidade. Costumo sempre dizer que fundei a Happiness Business School porque a felicidade nunca me foi ensinada na escola. Ensina-nos história mas ninguém nos ensina a olhar para dentro de nós e a conhecer a nossa história interior. Ensina-nos línguas mas não nos ensina a comunicar de maneira positiva comigo e com os outros. Ensina-nos geografia mas ninguém nos ensina a navegar nas nossas emoções. Ensina-nos educação física mas ninguém nos ensina o poder da mente. E chegamos à vida adulta sem nos conseguirmos liderar a nós para, depois, liderar os outros.
Plano de negócio para os trabalhadores
É preciso trazer o estudo e as práticas da psicologia positiva para a nossa liderança, para as equipas, para a cultura da organização, como a empatia, que não é apenas sentir pelo outro mas perceber que os outros têm diferentes mapas mentais e respeitá-los. Reconhecermos e valorizarmos as nossas pessoas. Acima de tudo, não apenas fazermos coisas bonitas e positivas mas resolvermos os reais pontos de dor que têm. As pessoas estão cada vez mais conscientes, não podemos dar com uma mão e tirar com a outra. Reestruturar os processos, para agilizar um dos grandes problemas que é a burocracia, celebrar vitórias, quantas vezes acabamos um projeto sem celebrar, é preciso trazer essa gratificação. Ajudarmos as pessoas a construir a sua resiliência naquilo que podemos controlar, percebermos que a adversidade não discrimina ninguém, bate à porta de cada um de nós mais cedo ou mais tarde, e portanto tentarmos nós fazer coaching e mentoring, largando a cultura de vitimização e. acima de tudo, promovendo o otimismo. E, depois, reforçar os nossos talentos. Os estudos revelam que cada vez que colocamos as pessoas certas nos sítios certos e elas se sentem naquele estado fluído são 30% mais positivas.
Temos um sistema de educação que nos prepara para tudo o que falta. És bom a matemática? Não mexe! És mau a inglês? 40 horas de explicação. Vamos parar de tentar corrigir as fraquezas e reforçar os talentos. Obviamente que podemos adquirir novas competências mas temos de largar a ditadura do multitasking e trazer-nos por inteiro para tudo aquilo que fazemos. O nosso bem-estar vai aumentar e a nossa performance também.
Como criamos culturas mais positivas? Acredito que é com planeamento, também. Temos planos de negócio para tudo, porque é que nunca ou quase nunca temos um para as pessoas. Vamos olhar realmente para o roteiro do ciclo de vida do colaborador, desde a atração, que começa no onboarding, ao desenvolvimento, engagement, passando pela retenção e o offboarding. Se nos certificarmos que inserimos ao longo da experiência e de todos estes estágios iniciativas de salário emocional (iniciativas que muitas vezes podem ser de baixo custo mas que alavancam o vínculo emocional da empresa com o colaborador) e um equilíbrio positivo, os trabalhadores vão sentir emoções positivas, sentir-se comprometidos com a organização, sentir que que o seu trabalho tem impacto, numa escala menor ou maior, nem todos queremos ter uma missão maior que nós próprios, e isto é o mais importante.
Porque, acima de tudo, sentimo-nos a progredir como indivíduos, sentimos realização pessoal e também vitalidade. Martin Seligman desenvolveu esta teoria, à qual inseriu o conceito de governo de vitalidade. Porque o trabalho é suposto inspirar-nos e energizar-nos e não esgotar-nos, como temos visto acontecer. Se conseguirmos fazer isto e enquanto líderes conectarmos mente e coração, que estão a apenas a 45 centímetros de distância um do outro, vamos certamente conseguir criar locais de trabalho mais felizes.
*Depoimento recolhido pela jornalista Rita Gonçalves na conferência Employer Branding (artigo publicado na edição 421)