Homepage Newsletter Opinião

Regulamentação da Inovação: A IA Generativa no Regulamento da IA

Por a 12 de Fevereiro de 2024 as 12:23

Ricardo Henriques (Sócio) José Maria Alves Pereira (Associado Sénior) e Leonor de Sá e Frade (Advogada Estagiária) da Abreu Advogados escrevem sobre a regulamentação de inovação da inteligência artificial generativa

Introdução. IA Generativa: Um Percalço no Regulamento da IA

A 9 de dezembro de 2023, o projeto legislativo europeu de regulamentação horizontal da Inteligência Artificial (“IA”) avançou um passo decisivo em direção à adoção, tendo Conselho e Parlamento acordado num texto final provisório, três anos depois de o tema ter sido trazido oficialmente ao Conselho, em outubro de 2020.

Um dos aspetos que mais tem dificultado o processo de negociação daquele que se vem conhecendo como “o Regulamento da IA”, e que o arrasta há mais de três anos tem sido, precisamente, a rapidez com que o setor inova, e a disrupção que cada nova criação lhe traz.

Em concreto, a operacionalização da IA generativa, i.e., de sistemas de computador preditivos, assentes em probabilidades calculadas através da análise de grandes modelos linguísticos, capazes de gerar texto e imagens a pedido, que deu origem, entre outros, às aplicações Chat-GPT, Bard e Copilot, desenvolvidas e postas em circulação no mercado por grandes empresas tecnológicas, como a OpenAI, a Google e a Microsoft, foi recebida pelo grande público como uma autêntica revolução da vida quotidiana, e justificou, junto das instituições políticas europeias, um atraso na negociação da regulamentação horizontal da IA: não podiam, sentiam as instituições, promulgar um diploma que, à nascença, estivesse já desatualizado.

Serve, neste sentido, a IA generativa para ilustrar as dificuldades, pressões e vicissitudes da regulamentação da inovação, em geral, e, em especial, da inovação no contexto das tecnologias de informação.

Regular quem quer inovar: A teoria e a prática da regulamentação da IA Generativa

A escolha de abordagem e estrutura regulatória do Regulamento IA foi relativamente consensual. Desde a Proposta da Comissão, em abril de 2021, que o modelo de quatro níveis de regulamentação com base no nível de risco apresentado se fixou como paradigma. A ideia colheu pelo benefício da sua (aparente?) simplicidade: quanto mais alto o risco, mais restritivo deve ser o seu regime.1

Esta abordagem com base na avaliação do risco representado pelos sistemas de IA foi escolhida pela Comissão como tentativa de salvaguardar o Regulamento da incerteza do futuro: ao basear a regulamentação nos efeitos e no impacto da IA, ao invés de nos seus componentes ou funcionalidades, previne-se que as suas regras se tornem obsoletas. Esta técnica de regulamentação da inovação vem sendo conhecida como “tech neutrality” (ou neutralidade tecnológica), através da qual as realidades do mundo de facto são traduzidas, juridicamente, não em termos descritivos, mas em termos consequenciais – traduzindo em termos concretos, aconselha esta abordagem de neutralidade que a IA, por exemplo, seja regulada não com base numa distinção entre os diferentes métodos através dos quais se opera a “inteligência” (se decisão é tomada por métodos probabilísticos, simbólicos, associativos, etc.), mas, ao invés, com base numa distinção assente nas consequências, nos efeitos e nos impactos da tecnologia nas situações jurídicas pré-reconhecidas pelo direito.

Um segundo vetor que ordena a disciplina da regulamentação da inovação é o Princípio da Precaução (também chamada “abordagem da precaução”), segundo a qual a regulamentação de processos ou produtos novos ou inovadores deve ser feita por referência aos riscos e aos danos que hão de ser precavidos. Especificamente, em relação à IA generativa, as preocupações do legislador prender-se-iam, presumivelmente, com a falta de rigor das informações prestadas, com a ausência de diversidade de fontes e contra perspetivas, e com a utilização dessas ferramentas para a adoção de condutas ilícitas, acrescendo, claro, como e a que título alocar a responsabilidade pelos danos causados pela materialização dos riscos identificados.

Não tendo ainda sido publicado o Texto Provisório do Regulamento da IA, adotado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, não nos é ainda possível avaliar a solução em concreto acolhida pelo legislador. Não inspira a maior confiança, contudo, que, ao invés do que os dois princípios enunciados sugeriam, Parlamento e Conselho tenham optado, como resultou, desde logo, do comunicado de imprensa de 9 de dezembro, por criar regras a ser especificamente aplicadas a sistemas de IA assentes em modelos fundacionais (uma sub-espécie de método, da sub-espécie da IA generativa, por sua vez uma sub-espécie de IA), que passam, essencialmente, pela imposição de mais obrigações de transparência a sistemas fundacionais que tenham “impacto elevado”.

Conclusão: A Dificuldade na Regulamentação da Inovação

A atividade de regulamentação da inovação, em qualquer ramo, mas em especial na área das novas tecnologias é particularmente desafiante. O desconhecimento inerente à modernidade das soluções associado à dificuldade de previsão dos impactos reais de inovações tecnológicas (que, como bem se sabe, deixam por vezes a desejar no presente, para ter resultados surpreendentes no futuro2 ) alinham-se para por ainda em maior evidência a infimidade dos nossos conhecimentos, enquanto unidade política nacional e europeia, quanto aos efeitos e riscos de uma tecnologia que, a bem ou a mal, se tornou, em menos de um ano, parte integrante do quotidiano.

1Os quatro níveis de risco estabelecidos eram (e continuam a ser): (i) inaceitável (que tem como consequência a proibição da sua disponibilização no mercado europeu); (ii) elevado; (iii) limitado; e (iv) mínimo.

2Ver, a Lei de Amara, segundo a qual tendemos a sobrestimar o efeito de uma tecnologia no curto prazo e subestimar o seu efeito no longo prazo.

 

*Artigo originalmente publicado na edição 419 do Hipersuper

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *