Espumante em estágio em garrafa na região de Távora-Varosa
Do Minho ao Alentejo. A história de cinco produtores portugueses de espumante
Conversámos com cinco produtores de diferentes regiões vitivinícolas – desde o Alentejo aos Açores, passando pela Bairrada, Douro e região dos Vinhos Verdes – para perceber como está a ser feita a aposta no espumante nacional dentro de fora das fronteiras
Rita Gonçalves
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Soalheiro. O primeiro espumante 100% Alvarinho
“Fomos pioneiros na produção do primeiro espumante 100% Alvarinho, em 1995. É uma data importante, porque representou uma mudança. O meu pai começou o projeto em 1974, criou a marca Soalheiro em 1982. Até 1994, a marca esteve exclusivamente ligado a vinho clássico, neste caso Alvarinho 100%. É em 1995 que decidimos iniciar a produção de espumante, a partir do método clássico. Hoje, o espumante é uma categoria estratégica”, afirma Luís Cerdeira, enólogo e gestor da Soalheiro, em entrevista ao Hipersuper.
A empresa instalada na região dos Vinhos Verdes comercializa cinco espumantes. O Bruto Alvarinho e o Bruto Rosé são vinhos “muito adaptados para o welcome drink, o aperitivo, as entradas e também a uma gastronomia pesada, como o clássico leitão ou um assado no forno que vai bem com espumantes menos encorpados e estruturados”, descreve o enólogo. A empresa tem ainda dois espumantes com ano de colheita, mais ao estilo vintage, o Bruto Barrica, “com três anos de segunda fermentação, muito mais estruturado e carnudo e com um perfil aromático mais intenso dada a fermentação do vinho base em barrica. Um espumante com um grau de intensidade superior”.
E um espumante “completamente inovador”, o Brut Nature, sem adição de sulfitos e sem dégorgement (processo para limpar a bebida) com um perfil de prova “completamente diferente”. Este espumante fermenta com rolha de cortiça e assim vai para o mercado. “Com um perfil evolutivo superior, parece mais velho do que realmente é. Quando provamos a colheita de 2019, parecia que estávamos a provar um espumante com 10 anos, com uma complexidade aromática diferenciadora”, sublinha o enólogo. “Faz lembrar mais o biscoito, a manteiga. Está a associado a um perfil de espumantes com mais idade, que encontramos na região de Champagne”, acredita.
Luís Cerdeira faz questão de apresentar ainda um espumante que considera “um pouco estranho”, o Pet Nat. “É importante na gama Solheiro e encontrou o seu lugar junto do público de wine bar. É da família dos espumantes “naturais” – sem filtração, dégorgement, turvo – mas é um vinho consensual. É este espaço que queremos ocupar – inovação com consensualidade. Fazer vinhos que permitam a consumidores mais clássicos, conservadores, experimentar Pet Nat alvarinho e dizer ‘gosto, está bem feito, mas não é o meu estilo’. Sabe bem ouvir”, salienta o gestor.
Tal como a gama de vinho, também os espumantes são estratégicos para a empresa de Melgaço. Representam já 16% da faturação e têm objetivos bem definidos. “Queremos que o nosso Bruto Alvarinho seja a bandeira, o primeiro espumante a ser experimentado e o mais conhecido. Porque é ele também que, tal como o Soalheiro Clássico, revela a casta na sua essência”.
Com uma produção de 80 mil garrafas, a empresa abriu recentemente a exportação de espumantes. “Na Soalheiro, o crescimento é feito por fases. E passámos pela fase em que a nossa cave ficou com limitações, não podíamos ter mais espumantes porque não tínhamos as condições técnicas para o produzir. Há cerca de três anos terminamos uma obra de restruturação das nossas infraestruturas, ficámos com uma cave só para espumante, subterrânea, sem incidência de luz, e a partir daí foi possível ter garrafas em stock e exportar”.
Mercados como o Japão, Irlanda, Dinamarca e Países Baixos começaram a trabalhar os espumantes da Soalheiro, “talvez devido ao perfil dos nossos importadores, que trabalham o segmento champagne. Não nego que o crescimento significativo do preço dos champagnes e a diminuição do stock deste espumante, a que temos vindo a assistir nestes últimos dois anos, favoreceu este caminho”, termina o responsável.
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2023: O ano de aposta na exportação para a Família Cardoso
A Família Cardoso produz três espumantes, dois brancos e um rosé, segundo o método clássico, na Herdade da Lisboa (Alentejo): o Convés Espumante Branco Brut 2019, com 18 meses de estágio sobre a borra fina, e os Paço dos Infantes Branco Reserva Brut Nature 2019 e Rosé Reserva Brut Nature 2019, ambos com 24 meses de estágio. “Estão previstas mais novidades no decorrer do próximo ano”, adianta Ricardo Silva, enólogo, em declarações ao Hipersuper.
A categoria espumante representa atualmente cerca de 10% das vendas da empresa. Com o lançamento de novas referências recentemente, a empresa espera reforçar esta quota. “Esperamos uma evolução de 20% em valor no presente ano, nas vendas desta categoria, fazendo parte da nossa estratégia para 2023 a consolidação e divulgação das marcas em atual comercialização”, salienta Alexandre Silva, diretor comercial.
Na produção são utilizadas as castas brancas Arinto, Chardonnay e Alvarinho e as tintas Touriga Nacional e Baga. São espumantes de “perfil fresco, citrino e muito fiéis à identidade do terroir de onde provêm. São secos, equilibrados e com perfil marcadamente gastronómico”, descreve, por sua vez, o enólogo.
Para distinguir os espumantes no mercado, a Família Cardoso aposta em “qualidade e autenticidade” que se manifesta desde logo na opção pela produção através do método clássico. “Os espumantes são trabalhados cuidadosamente de forma manual, no estágio em cave e remuáge, e lançados no mercado no momento ótimo de consumo, o que permite oferecer uma experiência fora do mainstream”, afirma Alexandre Silva.
A empresa iniciou no ano passado o seu percurso internacional. No mercado europeu identificou uma “crescente procura” por vinhos naturalmente mais frescos e que fogem a um perfil mais alcoólico. “Estando situados na Vidigueira, estando naturalmente capacitados para produzir vinhos deste estilo, onde a amplitude térmica e os solos predominantemente xistosos da Herdade da Lisboa, desempenham um papel fundamental”, sublinha Alexandre Silva, acrescentando que, “aliado a esta valência natural”, a empresa tem uma “extensa área de vinha totalmente controlada por nós, que permite ter capacidade de resposta para mercados que subentendam um maior volume de consumo”.
Com o objetivo de atingir uma quota de exportação de 30 a 35% das vendas, a empresa abriu no ano passado cinco mercados, sendo o Brasil e o Reino Unido os mais fortes. “Estamos em expansão para outros mercados estratégicos”, afirma Alexandre Silva, salientando que 2023 é um ano de aposta na exportação.
Picowines tem o primeiro espumante certificado dos Açores
A Picowines lançou no início de 2023 o primeiro espumante certificado dos Açores, o Coop. Ilha do Pico 2017. Produzido com a casta Arinto, “consegue verdadeiramente representar a região”, acredita Pedro Cavaleiro, diretor geral da Picowines. “Ao manter as características do terroir do Pico intactas, temos logo um perfil muito diferenciador dos restantes espumantes no mercado e isso coloca-nos a alguma distância dos concorrentes”.
Em 2023, com uma produção de 1062 garrafas, a cooperativa vitivinícola do Pico irá faturar cerca de 35 mil euros. “Não esperamos evolução. Todos os anos vamos disponibilizar entre 1100 e 1200 garrafas no mercado”, sublinha o gestor, garantindo que é um produto com interesse para esgotar anualmente”. As colheitas de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 já estão em garrafa, garantindo “segurança no produto e consistência”.
As oportunidades para esta nova marca estão em todos os lugares, considera o gestor, embora, por ser “um espumante de topo”, tem lugar reservado na restauração de topo a nível nacional e mundial. “Sendo um espumante do Pico é preciso reconhecer que grande parte das vendas se produzem na região autónoma dos Açores, no entanto, tendo em conta a quantidade reduzida produzida e a dispersão de mercados de que já dispomos acabamos por mitigar o problema da sazonalidade”.
Apesar de ainda ser um bebé, o Coop. Ilha do Pico 2017 já seguiu caminho para os mercados internacionais, sendo na Dinamarca que encontrou mais interessados. “É um produto muito específico e com um preço elevado para os padrões nacionais e até internacionais ao nível dos espumantes, sabemos que também tem associado um elevado padrão de qualidade, mas para que ambas estejam em equilíbrio e possam ser percecionadas pelo importador é preciso que o espumante seja provado. Estamos a trabalhar nisso”, termina Pedro Cavaleiro.
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Vértice. A marca que exprime o terroir do Douro
A Caves Transmontanas comercializa sete referências de espumantes produzidos nas encostas do Douro, sob a marca Vértice: Rosé, Cuvée, Milliésime, Gouveio, Pinot Noir, Chardonnay e RD. Além das castas que dão nome aos vinhos, a empresa de Alijó utiliza na sua maioria castas indígenas do Douro na produção de espumantes, da qual são exemplo a Côdega, a Rabigato e o Viosinho.
Os vinhos posicionam-se nos segmentos médio e médio-alto, precisamente onde a empresa, que vende 750 mil euros nesta categoria, considera existirem maiores oportunidades de crescimento. “Apostamos numa comunicação direta e personalizada”, diz Celso Pereira, enólogo da Caves Transmontanas, em entrevista ao Hipersuper, acrescentando que, para combater a sazonalidade associada ao consumo desta bebida, a comunicação incide sobre a facilidade com que os espumantes combinam com a gastronomia portuguesa.
A empresa exporta cerca de 25% da produção para sete mercados: Brasil, EUA, Países Baixos, Suíça, Suécia e Espanha.
Caves da Montanha: o segundo maior produtor de espumante em Portugal
A Caves da Montanha, que se assume como o segundo maior produtor de espumante em Portugal. A empresa vende anualmente 2,5 milhões de garrafas de espumantes e faturou 24 milhões de euros no ano passado.
Tem três marcas de espumantes produzidas através do método clássico e produz ainda marcas próprias de algumas cadeias de distribuição. A A. Henriques é a marca mais antiga da empresa da Bairrada e alberga néctares com estágios em garrafa de dois anos. A Montanha é a marca mais jovem e conta com um conjunto de referências, cada uma delas com produções anuais entre 10 e 30 mil garrafas. E a Montanha Real reúne espumantes com cinco a dez anos de estágio em garrafa. “Os espumantes mais antigos, devido à evolução do tempo, tornam-se mais complexos e com sabores mais próximos do pão e do fermento, enquanto os mais jovens sabem mais a fruta fresca”, vinca Alberto Henriques, diretor geral da Caves da Montanha, em declarações ao Hipersuper.
As castas utilizadas na produção são Maria Gomes, Bical, Cerceal, Arinto, Malvasia, Chardonnay, Pinot Noir e Baga. “A casta típica da Bairrada é a Baga. Uma casta que, após envelhecimento, oferece vinhos mais complexos, com mais taninos, são espumantes com características muito especiais”, garante.
A empresa comercializa “algumas centenas de milhares de garrafas” nos principais mercados de exportação. “É um número pouco significativo. Para a dimensão do mercado internacional podemos dizer que cobrimos alguns nichos”, ressalva Alberto Henriques, dando conta que nas feiras convivem com empresas que exportam 50 milhões de garrafas. “50 milhões de garrafas não vendem os espumantes portugueses todos juntos”, acentua.
A empresa aposta numa estratégia complementar para trabalhar os canais de distribuição on e off trade. “As grandes superfícies têm vindo a ganhar cada vez mais peso no consumo, até porque este tipo de produto no canal Horeca tem IVA a 23%, enquanto o vinho é taxado a 13%”, frisa Alberto Martins, salientando que esta diferença faz a escolha pender para o vinho. Por outro lado, a partir de determinado patamar de preço, o consumidor opta pelo espumante de Champagne, porque, além de “qualidade, está a comprar status, glamour, imagem, ostentação”.
Deste modo, as vendas da Caves da Montanha têm vindo gradualmente a transferir-se do canal horeca para as grandes superfícies que já representam mais de metade do negócio. “Mesmo na exportação, indiretamente vai parar ao supermercado”, sublinha.
*Artigo originalmente publicado na edição 414 do Hipersuper