Francisco Mateus, presidente da CVRA
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“Vinhos do Alentejo exportam 73 milhões de euros até novembro, um valor recorde”
As exportações de vinhos alentejanos somaram 73,2 milhões de euros até novembro, um valor recorde. O mercado interno representa ainda 70% das vendas da região que está, também por isso, a apostar todas as fichas fora das fronteiras. “É na exportação que vamos fazer crescer a região”, defende, em entrevista ao Hipersuper, o presidente da comissão vitivinícola alentejana, Francisco Mateus
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As exportações de vinhos alentejanos somaram 73,2 milhões de euros até novembro, um valor recorde. O mercado interno representa ainda 70% das vendas da região que está, também por isso, a apostar todas as fichas fora das fronteiras. “É na exportação que vamos fazer crescer a região”, defende, em entrevista ao Hipersuper, o presidente da comissão vitivinícola alentejana, Francisco Mateus
Como é que a inflação está a impactar a cadeia de produção do vinho do Alentejo?
A inflação tem sido bastante penalizadora para a produção de uvas e para a produção e comércio de vinho. Estamos a lidar com um aumento de custos generalizado que andará à volta de 30 a 40% daquilo que é necessário pagar para produzir uvas e vinho. Está mais caro produzir uvas e vinho, assim como fazer chegar o vinho ao consumidor. E não estamos a ver os preços do produto a conseguirem acompanhar esse aumento dos custos. Isto significa que é muito elevada a probabilidade de as empresas de vinho, de uma forma geral, terem fechado 2022 com um aumento do seu volume de negócios, que reflete o aumento dos preços do vinho que conseguiram aplicar ao longo ao ano, mas, também, com uma conta muito mais alta das prestações de serviços e dos seus fornecedores. O que vai invariavelmente mexer no final da linha, que é o resultado do ano de 2022.
A inflação – e o vinho é mais um setor onde isto está a acontecer – está a trazer aumentos brutais, já não falando da dificuldade, mesmo com preços elevados, em conseguir ter acesso a determinadas matérias-primas.
Que matérias-primas ainda têm dificuldade em conseguir?
Garrafas, caixas de cartão, papel, rótulos.
E esse aumento de custos não se está a conseguir refletir no mercado. Por razões óbvias. Os consumidores nacionais também estão a lidar com o aumento do custo de vida e têm menos dinheiro, pelo que esta gestão de aumento de preço sem conseguir depois ter uma quebra nas vendas é uma coisa difícil de fazer. Depois, dependendo da dimensão dos produtores, para uns será difícil para outros será extremamente difícil. Os canais de venda são diferentes, os produtores mais pequenos estão muito focados na área da restauração, para os maiores a distribuição moderna será mais importante. E aí a questão das margens é uma negociação dura, mas, se calhar, um bocadinho mais balanceada. Na parte da restauração é muito difícil, são muitos mais clientes, ninguém quer pagar mais.
Quando diz que os preços aumentaram entre 30 e 40% refere-se ao conjunto do ano de 2022?
Sim, em termos gerais, o custo que uma empresa de vinho teve de suportar a mais, em relação a 2021, subiu entre 30 e 40%. E já não falo aqui da pressão que as empresas sentem ao ver que os seus funcionários estão a perder poder de compra e a viver menos bem.
E os produtores de vinho do Alentejo não conseguiram refletir no preço final dos produtos a totalidade desse aumento de custos em 2022.
Até setembro de 2022, o preço de vinhos do Alentejo na prateleira, ou seja, o PVP, aumentou 3% na distribuição moderna e 5% na restauração, valores que, claramente, não conseguem cobrir os custos que de uma forma geral as empresas tiveram de incorrer.
Se olharmos para a exportação, os preços aumentaram 2% até novembro. Tem sido uma luta para as empresas conseguirem manter a rentabilidade, investir e gerar mais postos de trabalho. Não há aqui culpados, isto é fruto de todas as circunstâncias que vivemos, sendo a guerra o fator determinante. 2022 foi um ano penalizador para o setor do vinho.
Quais as perspetivas para 2023?
Os produtores estão otimistas, mas também têm de ser realistas. A nossa perspetiva é que 2023 não seja um ano substancialmente diferente de 2022. A diferença, esperamos nós, é que em 2023 não vamos ter este crescimento de custos de produção porque eles já aconteceram.
E na exportação?
No que respeita à exportação, nos últimos dois anos, o Alentejo tem tido um trajeto de crescimento muito interessante. A inflação tem impacto a nível global, mas há países e sociedades onde o aumento dos preços se sente de forma diferente. Até agora, estamos a crescer, a valorizar o nosso produto lá fora. Acredito que, em matéria de exportações, e com a alteração que registámos no mercado angolano, que cresceu em relação a 2021, o Alentejo vai conseguir exportar mais em 2023 do que conseguiu em 2022.
Devo dizer que encaro o ano que agora começou com um otimismo relativo porque a base de onde vamos partir é igual à do ano passado em termos de custos. Por outro lado, acredito que o setor do turismo vai continuar a registar uma dinâmica interessante e isso também vai ajudar ao consumo no mercado nacional e que vamos ter ganhos na exportação.
Estamos a apontar para vendas em quantidade muito em linha do que conseguimos em 2022.
Que medidas poderiam ajudar os produtores a fazer face à escalada de custos?
O que sentimos no dia a dia é que não há medidas – se as há não me parece estarem a ter um impacto direto – que ajudem. Não vemos orientações e decisões políticas com impacto positivo. Por exemplo, falou-se muito da redução do IVA, que iria certamente dar algum conforto ao consumidor. A medida iria resultar provavelmente em menor receita para o Estado, mas num alívio para a carteira dos portugueses. Não temos observado isso no nosso país, ao contrário daquilo que se passa em Espanha.
Que medida propõem em sede de IVA?
Quando falo no IVA, que é sempre um assunto muito sensível e polémico, a proposta é começarmos pela base, que é a produção de uva. Se houver reduções na taxa de IVA aplicada a certos consumos intermédios que os produtores têm de fazer, como os fitofármacos e os combustíveis, é óbvio que irá baixar a fatura dos custos de produção e isso é uma forma indireta de ajudar os produtores.
Porque linhas de crédito ou projetos de investimento não dão resposta àquilo que é desejado. Numa linha de crédito o produtor recebe agora dinheiro que mais tarde tem de devolver e se for um projeto de investimento o que se está a dizer é que, num momento já crítico, é necessário fazer um esforço acrescido para conseguir esta ajuda que não vai pagar todo o investimento que é necessário para os produtores se tornarem mais competitivos e resilientes.
Medidas com efeito imediato.
Estamos a falar de uma situação que tem de ser atacada, digamos, num curto espaço de tempo e procurando que tenha o efeito desejado, que é basicamente reduzir os custos de produção, para que, mantendo-se os preços ao nível do que são agora, haja mais rendimento da parte de quem produz as uvas e depois indiretamente da parte de quem produz e comercializa o vinho.
É uma medida que retira receita ao Estado, mas diminui a fatura de custos que os produtores e comerciantes de vinho têm. É ainda uma medida fácil de aplicar com efeito imediato.
Estarmos agora a pensar em apoios específicos, não, penso que estamos a falar de circunstâncias que são mais conjunturais, muitas vezes há regiões onde pode fazer sentido e outras onde não faz, por isso devemos distinguir entre medidas de apoio ao investimento de medidas de apoio ao aumento de custos, onde a componente fiscal parece ser a opção que tem mais impacto.
Acredita que os preços poderão recuar para os valores de 2021?
Não estou a ver, em 2023 e em 2024, os preços a descerem aos níveis que tínhamos antes da subida galopante da inflação. Diria que há aqui mais uma tendência de habituação a estas novas circunstâncias do que propriamente isto ser uma situação temporária. Poderá haver, na minha opinião, algum acerto nos preços da energia, nos combustíveis, mas não estou a ver os preços dos supermercados a voltar ao que eram. As coisas evoluíram nesse sentido e é nesse sentido vão continuar.
Já se fala numa retração de consumo fora do lar em função da perda de rendimento das famílias. Como espera que evolua o consumo de vinho dentro e fora do lar?
A distribuição moderna estava a registar uma diminuição no consumo até setembro, sendo que é preciso ressalvar que, nos anos anteriores, o consumo cresceu pelo efeito da pandemia. Fazendo uma relação com o que sucedeu no nosso país nos anos em que ocorreu a intervenção da troika, o mercado português não consumiu menos vinho. O que aconteceu é que os portugueses optaram por vinhos mais baratos. Pode eventualmente haver alguma diminuição no consumo de vinho, as pessoas terão de fazer as suas escolhas em função dos bens que consideram prioritários, mas penso que o setor do vinho vai sentir esse efeito em termos de valor do negócio e não tanto na questão da quantidade.
Neste contexto de retração do poder de compra das famílias que categorias de produtos podem beneficiar?
Penso que as entradas de gama e os primeiros preços irão ser o refúgio dos consumidores e retirarão algum benefício disto. As marcas da distribuição também poderão beneficiar. Não acredito que haja, como disse, uma diminuição no volume de vinho consumido, mas sim uma alteração no dinheiro disponível para os consumidores gastarem em vinho.
Há uma tendência a nível mundial para a premiumização do valor do vinho, preços um pouco mais elevados e uma diminuição da quantidade consumida. Em Portugal, pela nossa economia e o dinheiro que está disponível no bolso de cada um, penso que ainda temos uns anos pela frente para fazer este caminho e as pessoas claramente poderem optar por vinhos mais caros. Estarmos mais disponíveis para pagar dez euros por uma garrafa de vinho, em vez de comprar três garrafas de vinho por 3,5 euros. Mas isto é um processo natural, as coisas vão acontecendo.
Qual o valor das vendas dos vinhos do Alentejo em Portugal no ano passado?
O mercado nacional representa 70% da quantidade total vendida pela região, é muito importante e o nosso principal mercado.
Quanto representa em valor?
Os valores que tenho são os preços de venda na distribuição e na restauração, mas estes valores são influenciados pelas margens e impostos, são valores de PVP. São dados da Nielsen.
As vendas calculadas em PVP, no final de 2019, totalizaram 272 milhões de euros. Em 2020 passaram para 200 milhões de euros e, até setembro deste ano, alcançaram 249 milhões de euros. Isto é o montante que os consumidores deixam no comércio quando compram vinhos do Alentejo.
Em termos de litros, também nestes dois canais, em dezembro de 2019 as vendas atingiram 45 milhões de litros, em 2020 38 milhões de litros e até setembro de 2022 estávamos nos 42 milhões de litros.
No total do mercado nacional, as vendas alcançaram 1.052 milhões de euros em 2019, e até setembro de 2022 atingiram 1.070, mais 20 milhões de euros do que tínhamos tido em 2019.
Os anos da pandemia foram anos de decréscimo e a região do Alentejo foi uma das mais penalizadas.
Quais são os números da exportação?
De janeiro a novembro de 2022, o Alentejo está a crescer 13,5% em termos de valor e 11,5% em volume, o que são resultados muito positivos porque estamos a compará-los com dados de 2021 que tinha sido um ano já com resultados muito positivos.
Os dados de 2022 refletem também algum aumento dos preços que foi possível fazer. Acredito que os produtores estão a fazer um bom trabalho.
As exportações de vinhos alentejanos atingiram 73,2 milhões de euros até novembro, valor que já representa um recorde para a região. O mesmo em relação à quantidade de vinho. E ainda faltam agregar os resultados de dezembro. Estamos no caminho certo: a vender mais vinho e a cada ano um bocadinho mais caro do que no ano anterior.
Vejo como difícil conseguimos crescer mais no mercado nacional, porque isso significava que tínhamos mais consumidores, e aqui o turismo ajuda, mas também temos uma capacidade limitada para receber turistas. Em 2019, o número de hospedes nos estabelecimentos hoteleiros foi de 27,1 milhões de pessoas, portugueses e estrangeiros, e se pensarmos que uma parte destas pessoas, durante os doze meses do ano, consome vinho, estamos a falar de bastante vinho. Em 2020, os 27 milhões passaram para 10,4 milhões, para quase um terço. E, em 2021, para os 15,5 milhões. Em 2022, os números mais recentes já apontam para uma recuperação do turismo ao nível de 2019. O consumo per capita no país está já acima da média em relação a outros países e o turismo funciona aqui como uma bolsa extra para fazer crescer o consumo.
A aposta forte é a exportação.
Sim, é na exportação que vamos conseguir fazer crescer a região.
Estamos a dar bons passos nesse sentido, quem me dera que pudéssemos exportar 40 milhões de litros, isso era bom para a região, tínhamos mais mercado, mais valor e maior notoriedade internacional para a região. Isto é que nos vai dar as ferramentas para depois crescer em investimento, tomara eu que tivéssemos que plantar mais vinhas para conseguir dar resposta ao aumento da procura nos mercados externos.
Angola foi determinante para os resultados de 2022?
Os países que mais cresceram nas compras de vinhos do Alentejo, em valor, foram Angola, Brasil, Colômbia, EUA e Letónia.
Acredita que a alavanca de crescimento para a região no exterior está nessas cinco geografias?
Brasil, EUA e Angola, acredito que sim. São mercados onde temos uma posição mais estável e acredito que temos margem para ir aumentando as vendas. A Colômbia, apesar de não ser uma surpresa, só mais recentemente é que passou a ter algum peso em termos de exportação para o Alentejo. A Colômbia, a Austrália, o Reino Unido, a Suécia, na altura da pandemia, surgiram como mercados com bons níveis de crescimento. Em relação à Colômbia, temos de ir olhando para os dados do Alentejo, para os dados de Portugal como um todo e para as próprias importações colombianas, para avaliar se é um mercado que consolida e tem interesse para o setor do vinho português e para o Alentejo. A Letónia, sim, é uma surpresa. Não é um grande país importador de vinho. No ano passado, teve um grande crescimento, quase duplicou passando de 0,7% para 1,2% do peso das exportações da região. Não sei se isto está relacionado com a guerra na Europa. Vinhos que vão para a Letónia para depois irem para outros destinos, como a Rússia. Olho para a Letónia mais como uma questão conjuntural do que estrutural.
E quais as geografias que representam mais em termos de vendas?
O Brasil é o nosso principal destino de exportação, representa 20,7% das nossas vendas. A Suíça representa 8,3%, EUA 8%, Polónia 7,1%, Angola 5,8% e Canadá 4,2%.
Qual a previsão para a evolução das exportações em 2023?
No exercício que vamos fazendo anualmente, olhando para a economia nacional e mundial e cruzando esses dados com os números das exportações globais e do setor português do vinho, acreditamos ser possível aumentar em 5% o valor das exportações para 81 milhões de euros e em 2,5% o volume de vendas para 22 milhões de litros.
Em cima de que estratégia?
O Alentejo exporta para mais de 100 países. Além dos principais mercados, vamos levar a cabo ações ligadas à sustentabilidade na Suécia e no Reino Unido. É para estes mercados principais que canalizamos os nossos maiores recursos em termos de região, mas há depois o trabalho individual feito por cada um dos produtores. Em termos de marketing, apostamos em comunicar o que significa o Alentejo, as características da região, o que faz de diferente, procurando que a região ganhe reconhecimento nos mercados internacionais. Tentamos chegar às pessoas que podem influenciar os consumidores, um trabalho muito direcionado para os media e para o trade. E, depois, os produtores aproveitam o aumento de notoriedade internacional da região para promover os seus produtos.
Qual o impacto do aquecimento global na produção de vinhos do Alentejo?
2022 foi um ano muito difícil em termos climáticos. Um pouco depois da altura da floração, a água que tinha caído no Alentejo reduziu para metade, em relação ao ano anterior. Olhamos para a situação com uma grande preocupação. Felizmente, choveu alguma coisa em setembro e as coisas acabaram por se equilibrar. Segundo conversas que tenho tido com os produtores, consigo entender que aqueles que há mais tempo têm vindo a adotar práticas sustentáveis na vinha, estamos a falar por exemplo de práticas que permitem reter a humidade no solo, esses produtores sentiram alguma variação na produção, mas, não obstante a falta de água e o calor, a humidade solo revelou-se suficiente para a vinha se manter.
Não vamos conseguir travar a mudança do clima, o que vamos ter de fazer é adaptar a produção a um novo clima para ter uma cultura resistente às novas condições.
E no próprio perfil dos vinhos?
Segundo um estudo recente, relativo aos últimos dez anos, as alterações climáticas provocaram um ligeiro decréscimo de teor alcoólico nos vinhos brancos e uma redução maior nos vinhos rosés. Nos tintos, a tendência é de manutenção dos níveis de álcool. Esta diminuição do grau alcoólico nos vinhos brancos e, sobretudo, nos rosés está a ser acompanhada por um aumento da acidez, o que até combina, porque são vinhos mais frescos.
*Entrevista originalmente publicada na edição 409 do Hipersuper