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Estará a inflação a atrasar o movimento verde?

Por a 22 de Dezembro de 2022 as 16:59

Andreia Carvalho, Advanced Analytics DirectorAndreia Carvalho, Advanced Analytics Director da Kantar Worlpanel

Os últimos anos têm sido pautados por alterações radicais na forma com as famílias portuguesas se comportam, numa primeira fase com uma crise pandémica e mais recentemente com uma crise inflacionista. Tendemos a olhar para estas duas crises como se tratasse de apenas uma devido à sua sequência temporal, mas a verdade é que são duas crises com contornos comportamentais bem diferentes. Na primeira fomos obrigados a estar em casa e a reduzir quase na totalidade todos os contactos sociais, já na segunda, não existindo essa restrição, surge novamente a possibilidade de fazer determinadas escolhas, porém as famílias têm de lidar com uma nova realidade: a inflação. Estando assim, o poder de compra dos portugueses cada vez mais comprometido onde fica a disponibilidade mental para tomar ações mais sustentáveis?

Segundo o estudo Who Cares? Who Does?, que a Kantar realiza de forma global todos os anos, existe um grupo core que representa 19% da população portuguesa que efetivamente encontrou uma forma de reduzir o uso de plástico na sua rotina diária. Bem sabemos que o plástico é apenas uma das faces, por isso, esta tendência está correlacionada com outras áreas, como por exemplo, o menor consumo de carne, a compra de produtos em segunda mão, ou até mesmos de produtos locais, naturais e/ ou orgânicos. A este grupo de pessoas mais conscientes ambientalmente, demos o nome de Eco-Actives.

Novos desafios

O grupo dos Eco-Actives que vinha numa espiral de crescimento global desde 2019, diminui pela primeira vez em três anos, passando, em Portugal, de 23% em 2021 para 19% em 2022. Contudo e apesar desta recente tendência de decréscimo é importante referir que existe bastante valor associado a pessoas que se preocupam e tomam ações em prol do meio ambiente. Os Eco-Actives, juntamente com o grupo dos Eco-Considerers, o grupo que toma algumas medidas para reduzir o seu impacto, mas não tantas como os Eco-Actives, tendo como principais barreiras a conveniência e o preço, valem 6 mil milhões de euros para o total FMCG! Isto quer dizer que 6 mil milhões de euros gastos em FMCG são feitos por pessoas que de alguma forma se preocupam com o planeta e por isso são um target importante para as marcas.

Já fui dando algumas pistas do que poderá estar a acontecer para este decréscimo, todavia acredito que é importante olharmos mais em detalhe. A primeira razão é o facto dos portugueses estarem agora mais preocupados com o contexto atual. Olhando de forma crua, se alguém está preocupado em perceber como vai pagar as contas no final do mês, ou com o aumento dos preços cada vez que visita uma loja, é menos provável que este tenha disponibilidade mental para escolher uma embalagem que utilizada materiais reciclados ou procurar outros fatores sustentáveis nos rótulos dos produtos. A verdade é que mais de metade dos portugueses concordaram ou concordaram totalmente que agora é mais difícil agir de forma sustentável devido à situação social/ financeira atual.

A segunda razão consiste no regresso à normalidade que nos remeteu novamente para o trabalho presencial, mesmo que de forma híbrida, e de mais vida social, resultando, assim, em menos tempo em casa e uma procura por produtos mais convenientes que nos facilitem a vida.

Por fim, o menor foco na comunicação social, existindo um maior destaque para outras notícias acabaram por deixar menos espaço para temáticas em torno do meio ambiente. Não quer dizer que as notícias tenham deixado de existir por completo, prova disso foi o destaque dado ao impacto dos fogos que aconteceram no verão, bem como a escassez de água, mas com uma menor intensidade.

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Novas oportunidades

A preocupação com o meio ambiente e as alterações climáticas ainda estão muito presentes na mente da população e são considerados temas que precisam de ação para serem resolvidos. Pode não ter tanto destaque nos media como tinha há uns tempos atrás, mas a verdade é que quando questionamos a população acerca dos temas atuais que consideram que tenham de ser resolvidos, as alterações climáticas surgem apenas na terceira posição.

Também aferimos que os resíduos plásticos ainda são uma das oportunidades para as categorias de FMCG. Recorrendo ao estudo Kantar Sustainability Sector Index 2022 e pegando no exemplo da categoria de refrigerantes vemos que o plástico nos oceanos é uma área que se for trabalhada pelas marcas poderá criar uma vantagem competitiva, ao passo que o uso excessivo de embalagens ou o desperdício são vistos como fatores higiénicos que deverão ser considerados pelas marcas. Assim, a falha em acertar nestes pontos poderá ser um risco.

Uma última razão para continuarmos otimistas relativamente ao crescimento do número de Eco-Actives nos próximos anos está relacionado com a existência ainda de um intervalo significativo entre o que é o valor e a ação ambiental. Em Portugal, 70% das pessoas declararam que tentam comprar embalagens amigas do ambiente, mas apenas 19% consegue regularmente evitar embalagens de plástico. Isto quer dizer que, 51% da população portuguesa, que representa 3,6 mil milhões de euros para o total FMCG, tem boas intenções relativamente a comprar embalagens amigas do ambiente, contudo por um ou mais fatores não conseguem tomar essas ações mais sustentáveis no seu dia-a-dia.

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Evolução dos produtos sustentáveis

Tendo por base algumas opções de escolha que os shoppers podem fazer quando compram produtos de FMCG, aferimos que as mais populares numa base frequente, entre os portugueses, são: frescos produzidos localmente, produtos recarregáveis em vez de descartáveis, produtos para o lar com menos ingredientes químicos agressivos e produtos de cuidado pessoal com ingredientes naturais.

O facto da escolha por produtos frescos produzidos localmente estar em número 1 é bastante consistente de forma global, contudo Portugal destaca-se face à média global e à média europeia, com 46% dos portugueses a afirmar que escolhem com regularidade carne, peixe, frutas ou vegetais produzidos localmente versus 44% e 41% respetivamente. A primeira motivação para a escolha destes produtos é apoiar os produtores/ pescadores locais, a segunda porque são mais saborosos, ficando para terceiro plano serem melhores para o ambiente com menor pegada de carbono.

Conectando as atitudes e ações dos compradores que mais medidas tomam em prol do ambiente com o seu comportamento através de compras reais registadas pelos lares portugueses, identificámos que as marcas desenvolvidas nos Eco-Actives têm uma grande ligação com a naturalidade e portugalidade como é, por exemplo, o caso da marca Serra da Estrela, Nova Açores e Ribeiralves.

Este comprometimento por parte dos Eco-Actives é evidente quando falamos de escolhas conectadas com o natural/ local como espelhei anteriormente, mas este grupo não se fica por aqui. No que toca às escolhas relacionadas com embalagens os Eco-Actives são muito entusiastas e aderem com facilidade à escolha de produtos recarregáveis em vez de descartáveis, feitos a partir de plástico reciclado e com ingredientes biodegradáveis. A escolha dos portugueses por menos plástico tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos e não se fica só por categorias de alimentação e bebidas, chegando também a categorias de limpeza caseira e cuidado pessoal.

Vantagem Competitiva

Mas como é que as marcas poderão criar vantagem competitiva através da sustentabilidade? É fundamental não desistir da mudança. As ações do consumidor estão ligada às notícias e à sua disponibilidade, que nos dias de hoje têm de dividir o spotlight com outras temáticas igualmente sensíveis, contudo a preocupação com o meio ambiente está muito presente na mente da população, sendo considerado um dos temas que precisa de ação para ser resolvido. Assim, adiar a ação nas marcas poderá deixá-las mais frágeis no futuro. Não esquecer que os Eco-Actives adoram marcas novas e inovação verde, sendo assim um grupo mais recetivo à inovação, por isso é muito importante conhecer estes compradores, uma vez que poderão ser os primeiros a aderir aos lançamentos de campanhas ou produtos focados na sustentabilidade. E por fim, inovar tendo em mente o retorno, uma vez que compromissos na qualidade e preço dos produtos estão a bloquear o crescimento dos produtos ecológicos. Há espaço para a inovação real, especialmente a um preço competitivo.

*Artigo originalmente publicado na edição 407 do Hipersuper

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